Allan Kardec
I
(Paris, 12 de
março de 1867 – Grupo Desliens – Médium: Sr. Desliens)
Como já vos foi dito muitas
vezes nas diferentes instruções, a mediunidade curadora, juntamente com a faculdade
de vidência, é chamada a desempenhar um grande papel no período atual da
revelação. São os dois agentes que cooperam com a maior força na regeneração da
Humanidade e na fusão de todas as crenças numa crença única, tolerante,
progressiva, universal.
Recentemente, quando me
comuniquei numa reunião da Sociedade, onde me haviam evocado, disse e o repito:
todo o mundo possui mais ou menos a faculdade curadora, e se cada um quisesse
consagrar-se seriamente ao estudo dessa faculdade, muitos médiuns que se
ignoram poderiam prestar úteis serviços aos seus irmãos em humanidade. Então o
tempo não me permitiu desenvolver todo o meu pensamento a esse respeito;
aproveitarei o vosso apelo para fazê-lo hoje.
Em geral os que buscam a
faculdade curadora têm como único desejo obter o restabelecimento da saúde
material, restituir a liberdade de ação a tal órgão, impedido nas
suas funções por uma causa material qualquer. Mas, sabei-o bem, é o
menor dos serviços que esta faculdade é chamada a prestar, e só a conheceis em
suas primícias e de maneira completamente rudimentar, se lhe conferis este
único papel... Não, a faculdade curadora tem uma missão mais nobre e mais
extensa! Se pode restituir aos corpos o vigor da saúde, também deve dar às
almas toda a pureza de que são susceptíveis, e é somente neste caso que poderá
ser chamada curativa, no sentido absoluto da palavra.
Muitas vezes vos disseram, e
vossos instrutores nunca vo-lo repetiriam em demasia, que o aparente efeito
material, o sofrimento, quase sempre tem uma causa mórbida imaterial, residindo
no estado moral do Espírito. Se, pois, o médium curador ataca o corpo, não
ataca senão o efeito; permanecendo a causa primeira do mal, o efeito pode
reproduzir-se, quer sob a forma primordial, quer sob outra aparência qualquer.
Muitas vezes aí está uma das razões pelas quais tal doença, subitamente curada
pela influência de um médium, reaparece com todos os seus acidentes, desde que
a influência benfazeja se afaste, porque não resta nada, absolutamente nada
para combater a causa mórbida.
Para evitar essas recidivas,
é preciso que o remédio espiritual ataque o mal em sua base, como o fluido
material o destrói em seus efeitos; numa palavra, é preciso tratar, ao mesmo
tempo, o corpo e a alma.
Para ser bom médium curador,
não só é preciso que o corpo esteja apto a servir de canal aos fluidos
materiais reparadores, mas, ainda, que o Espírito possua uma força moral, que
só pode adquirir por seu próprio melhoramento. Para ser médium curador é
preciso, pois, preparar-se não só pela prece, mas pela depuração de sua alma, a
fim de tratar fisicamente o corpo pelos meios físicos, e de influenciar a alma
pela força moral.
Uma última reflexão.
Aconselham-vos que busqueis de preferência os pobres, que não têm outros
recursos além da caridade do hospital. Não é esta, absolutamente, a minha
opinião.
Jesus dizia que o médico tem
por missão cuidar dos doentes e não dos que gozam de boa saúde. Lembrai-vos de
que na questão de saúde moral, há doentes por toda parte, e que o dever do
médico é ir a toda parte onde o seu socorro é necessário.
II
(Sociedade de
Paris, 15 de março de 1867 – Médium: Sr. Desliens)
Numa comunicação recente, eu
falava da mediunidade curadora, de um ponto de vista mais largo do que o que
foi considerado até agora, e a fazia consistir antes no tratamento moral que no
tratamento físico dos doentes, ou, pelo menos, reunia esses dois tratamentos
num só. Pedirei me permitais dizer algumas palavras a esse respeito.
O sofrimento, a doença, a
própria morte, nas condições sob as quais as conheceis, não são mais
especialmente a partilha dos mundos habitados pelos Espíritos inferiores, ou
pouco adiantados?
O desenvolvimento moral não
tem por objetivo principal conduzir a Humanidade à felicidade, fazendo-a
adquirir conhecimentos mais completos, desembaraçando-a das imperfeições de
toda natureza, que retardam sua marcha ascensional para o infinito? Ora,
melhorando o Espírito dos doentes, não se os põe em melhores condições para
suportarem seus sofrimentos físicos? Atacando os vícios, as más inclinações,
que são a fonte de quase todas as desorganizações físicas, não se põem essas
desorganizações na impossibilidade de se reproduzirem? Destruindo a causa,
necessariamente se impede o efeito de se manifestar novamente.
A mediunidade curadora pode,
pois, comportar duas formas; e essa faculdade não estará em seu apogeu, nos que
a possuem, senão quando reunirem em si essas duas maneiras de ser.
Ela pode compreender
unicamente o alívio material dos doentes e, então, se dirige aos encarnados;
pode compreender a melhora moral dos indivíduos e, neste caso, se dirige tanto
aos Espíritos quanto aos homens; enfim, ela pode compreender o melhoramento
moral e o alívio material: neste caso, tanto a causa quanto o efeito poderão
ser combatidos vitoriosamente. Efetivamente, em que consiste o tratamento dos
Espíritos obsessores, senão numa espécie de influência semelhante à mediunidade
curadora, exercida conjuntamente por médiuns e Espíritos sobre uma
personalidade desencarnada?
Assim, a mediunidade curadora
abrange ao mesmo tempo a saúde moral e a saúde física, o mundo dos encarnados e
o dos Espíritos.
Abade príncipe de
Hohenlohe
III
(Paris, 24 de
março de 1867 – Médium: Sr. Rul)
Venho continuar a instrução
que dei a um médium da Sociedade. Por que duvidáveis que eu tivesse vindo ao
vosso apelo?
Não sabeis que um Espírito
bom se sente sempre feliz por ajudar os seus irmãos da Terra na via do melhoramento
e do progresso?
Hoje conheceis o que eu disse
do considerável papel reservado à mediunidade curadora; sabeis que, conforme o
estado de vossa alma e as aptidões do vosso organismo, podeis, se Deus vo-lo
permitir, tanto curar as dores físicas quanto os sofrimentos morais, ou ambos.
Duvidais se sois capaz de fazer uma ou outra, porque conheceis as vossas
imperfeições; mas Deus não exige a perfeição, a pureza absoluta aos homens da
Terra. A esse título, ninguém entre vós seria digno de ser médium curador. Deus
pede que vos melhoreis, que façais esforços constantes para vos purificardes, e
vos leva em conta a vossa boa vontade.
Já que desejais seriamente
aliviar os vossos irmãos que sofrem física e moralmente, tende confiança,
esperai que o Senhor vos conceda esse favor. Mas, repito-o, não sejais
exclusivos na escolha dos vossos doentes; todos, quaisquer que sejam, ricos ou pobres,
crentes ou incrédulos, bons ou maus, todos têm direito ao vosso socorro. Será
que o Senhor priva os maus do calor benfazejo do Sol, que aquece, reanima e
vivifica? Será que a luz é recusada a quem quer que não se prosterne diante da
bondade do Todo-Poderoso? Curai, pois, quem quer que sofra e aproveitai o bem
que trouxestes ao corpo para purificar a alma ainda mais sofredora e ensinai-lhe
a orar. Não vos aborreçais pelas recusas que encontrardes; fazei sempre vossa
obra de caridade e de amor e não duvideis que o bem, embora retardado por uns,
jamais ficará perdido. Melhorai-vos pela prece, pelo amor do Senhor, de vossos irmãos,
e não duvideis que o Onipotente não vos dê as ocasiões frequentes de exercer
vossa faculdade mediúnica. Sede felizes quando, após a cura, vossa mão apertar
a do vosso irmão reconhecido; e que ambos, prosternados aos pés de vosso Pai celestial,
possais orar juntos para o agradecer e o adorar. Mais feliz ainda quando,
acolhido pela ingratidão, depois de ter curado o corpo, mas impotente para
curar a alma endurecida, elevardes o vosso pensamento para o Criador, pois
vossa prece será a primeira centelha destinada a acender mais tarde o facho que
brilhará aos olhos do vosso irmão curado de sua cegueira, e direis a vós mesmos
que quanto mais um doente sofre, tanto mais atenção lhe deve dar o médico.
Coragem, irmão; esperai e
aguardai que os Espíritos bons, que vos dirigem, vos inspirem quando começardes
a aplicação de vossa nova faculdade mediúnica, junto aos vossos irmãos que
sofrem. Até lá orai, progredi pela caridade moral, pela influência do exemplo,
e jamais deixeis fugir a menor ocasião de esclarecer os vossos irmãos. Deus
vela sobre cada um de vós, e aquele que hoje é o mais incrédulo, amanhã poderá
ser o mais fervoroso e o mais crente.
Abade príncipe de Hohenlohe
Nenhum comentário:
Postar um comentário