terça-feira, 1 de março de 2022

CONSELHOS SOBRE A MEDIUNIDADE CURADORA[1]

 

Allan Kardec

 

I

(Paris, 12 de março de 1867 – Grupo Desliens – Médium: Sr. Desliens)

 

Como já vos foi dito muitas vezes nas diferentes instruções, a mediunidade curadora, juntamente com a faculdade de vidência, é chamada a desempenhar um grande papel no período atual da revelação. São os dois agentes que cooperam com a maior força na regeneração da Humanidade e na fusão de todas as crenças numa crença única, tolerante, progressiva, universal.

Recentemente, quando me comuniquei numa reunião da Sociedade, onde me haviam evocado, disse e o repito: todo o mundo possui mais ou menos a faculdade curadora, e se cada um quisesse consagrar-se seriamente ao estudo dessa faculdade, muitos médiuns que se ignoram poderiam prestar úteis serviços aos seus irmãos em humanidade. Então o tempo não me permitiu desenvolver todo o meu pensamento a esse respeito; aproveitarei o vosso apelo para fazê-lo hoje.

Em geral os que buscam a faculdade curadora têm como único desejo obter o restabelecimento da saúde material, restituir a liberdade de ação a tal órgão, impedido nas suas funções por uma causa material qualquer. Mas, sabei-o bem, é o menor dos serviços que esta faculdade é chamada a prestar, e só a conheceis em suas primícias e de maneira completamente rudimentar, se lhe conferis este único papel... Não, a faculdade curadora tem uma missão mais nobre e mais extensa! Se pode restituir aos corpos o vigor da saúde, também deve dar às almas toda a pureza de que são susceptíveis, e é somente neste caso que poderá ser chamada curativa, no sentido absoluto da palavra.

Muitas vezes vos disseram, e vossos instrutores nunca vo-lo repetiriam em demasia, que o aparente efeito material, o sofrimento, quase sempre tem uma causa mórbida imaterial, residindo no estado moral do Espírito. Se, pois, o médium curador ataca o corpo, não ataca senão o efeito; permanecendo a causa primeira do mal, o efeito pode reproduzir-se, quer sob a forma primordial, quer sob outra aparência qualquer. Muitas vezes aí está uma das razões pelas quais tal doença, subitamente curada pela influência de um médium, reaparece com todos os seus acidentes, desde que a influência benfazeja se afaste, porque não resta nada, absolutamente nada para combater a causa mórbida.

Para evitar essas recidivas, é preciso que o remédio espiritual ataque o mal em sua base, como o fluido material o destrói em seus efeitos; numa palavra, é preciso tratar, ao mesmo tempo, o corpo e a alma.

Para ser bom médium curador, não só é preciso que o corpo esteja apto a servir de canal aos fluidos materiais reparadores, mas, ainda, que o Espírito possua uma força moral, que só pode adquirir por seu próprio melhoramento. Para ser médium curador é preciso, pois, preparar-se não só pela prece, mas pela depuração de sua alma, a fim de tratar fisicamente o corpo pelos meios físicos, e de influenciar a alma pela força moral.

Uma última reflexão. Aconselham-vos que busqueis de preferência os pobres, que não têm outros recursos além da caridade do hospital. Não é esta, absolutamente, a minha opinião.

Jesus dizia que o médico tem por missão cuidar dos doentes e não dos que gozam de boa saúde. Lembrai-vos de que na questão de saúde moral, há doentes por toda parte, e que o dever do médico é ir a toda parte onde o seu socorro é necessário.

Abade príncipe de Hohenlohe

 

II

(Sociedade de Paris, 15 de março de 1867 – Médium: Sr. Desliens)

 

Numa comunicação recente, eu falava da mediunidade curadora, de um ponto de vista mais largo do que o que foi considerado até agora, e a fazia consistir antes no tratamento moral que no tratamento físico dos doentes, ou, pelo menos, reunia esses dois tratamentos num só. Pedirei me permitais dizer algumas palavras a esse respeito.

O sofrimento, a doença, a própria morte, nas condições sob as quais as conheceis, não são mais especialmente a partilha dos mundos habitados pelos Espíritos inferiores, ou pouco adiantados?

O desenvolvimento moral não tem por objetivo principal conduzir a Humanidade à felicidade, fazendo-a adquirir conhecimentos mais completos, desembaraçando-a das imperfeições de toda natureza, que retardam sua marcha ascensional para o infinito? Ora, melhorando o Espírito dos doentes, não se os põe em melhores condições para suportarem seus sofrimentos físicos? Atacando os vícios, as más inclinações, que são a fonte de quase todas as desorganizações físicas, não se põem essas desorganizações na impossibilidade de se reproduzirem? Destruindo a causa, necessariamente se impede o efeito de se manifestar novamente.

A mediunidade curadora pode, pois, comportar duas formas; e essa faculdade não estará em seu apogeu, nos que a possuem, senão quando reunirem em si essas duas maneiras de ser.

Ela pode compreender unicamente o alívio material dos doentes e, então, se dirige aos encarnados; pode compreender a melhora moral dos indivíduos e, neste caso, se dirige tanto aos Espíritos quanto aos homens; enfim, ela pode compreender o melhoramento moral e o alívio material: neste caso, tanto a causa quanto o efeito poderão ser combatidos vitoriosamente. Efetivamente, em que consiste o tratamento dos Espíritos obsessores, senão numa espécie de influência semelhante à mediunidade curadora, exercida conjuntamente por médiuns e Espíritos sobre uma personalidade desencarnada?

Assim, a mediunidade curadora abrange ao mesmo tempo a saúde moral e a saúde física, o mundo dos encarnados e o dos Espíritos.

Abade príncipe de Hohenlohe

 

III

(Paris, 24 de março de 1867 – Médium: Sr. Rul)

 

Venho continuar a instrução que dei a um médium da Sociedade. Por que duvidáveis que eu tivesse vindo ao vosso apelo?

Não sabeis que um Espírito bom se sente sempre feliz por ajudar os seus irmãos da Terra na via do melhoramento e do progresso?

Hoje conheceis o que eu disse do considerável papel reservado à mediunidade curadora; sabeis que, conforme o estado de vossa alma e as aptidões do vosso organismo, podeis, se Deus vo-lo permitir, tanto curar as dores físicas quanto os sofrimentos morais, ou ambos. Duvidais se sois capaz de fazer uma ou outra, porque conheceis as vossas imperfeições; mas Deus não exige a perfeição, a pureza absoluta aos homens da Terra. A esse título, ninguém entre vós seria digno de ser médium curador. Deus pede que vos melhoreis, que façais esforços constantes para vos purificardes, e vos leva em conta a vossa boa vontade.

Já que desejais seriamente aliviar os vossos irmãos que sofrem física e moralmente, tende confiança, esperai que o Senhor vos conceda esse favor. Mas, repito-o, não sejais exclusivos na escolha dos vossos doentes; todos, quaisquer que sejam, ricos ou pobres, crentes ou incrédulos, bons ou maus, todos têm direito ao vosso socorro. Será que o Senhor priva os maus do calor benfazejo do Sol, que aquece, reanima e vivifica? Será que a luz é recusada a quem quer que não se prosterne diante da bondade do Todo-Poderoso? Curai, pois, quem quer que sofra e aproveitai o bem que trouxestes ao corpo para purificar a alma ainda mais sofredora e ensinai-lhe a orar. Não vos aborreçais pelas recusas que encontrardes; fazei sempre vossa obra de caridade e de amor e não duvideis que o bem, embora retardado por uns, jamais ficará perdido. Melhorai-vos pela prece, pelo amor do Senhor, de vossos irmãos, e não duvideis que o Onipotente não vos dê as ocasiões frequentes de exercer vossa faculdade mediúnica. Sede felizes quando, após a cura, vossa mão apertar a do vosso irmão reconhecido; e que ambos, prosternados aos pés de vosso Pai celestial, possais orar juntos para o agradecer e o adorar. Mais feliz ainda quando, acolhido pela ingratidão, depois de ter curado o corpo, mas impotente para curar a alma endurecida, elevardes o vosso pensamento para o Criador, pois vossa prece será a primeira centelha destinada a acender mais tarde o facho que brilhará aos olhos do vosso irmão curado de sua cegueira, e direis a vós mesmos que quanto mais um doente sofre, tanto mais atenção lhe deve dar o médico.

Coragem, irmão; esperai e aguardai que os Espíritos bons, que vos dirigem, vos inspirem quando começardes a aplicação de vossa nova faculdade mediúnica, junto aos vossos irmãos que sofrem. Até lá orai, progredi pela caridade moral, pela influência do exemplo, e jamais deixeis fugir a menor ocasião de esclarecer os vossos irmãos. Deus vela sobre cada um de vós, e aquele que hoje é o mais incrédulo, amanhã poderá ser o mais fervoroso e o mais crente.

Abade príncipe de Hohenlohe



[1] Revista Espírita – Outubro/1867 – Allan Kardec

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