Adenauer Novaes
A divisão clássica kardequiana dos espíritos em classes e
ordens é apenas didática, estabelecida com o intuito de trazer um referencial
de como se situam após a morte do corpo físico.
O estado psíquico, o estilo de vida, a habitação, o
vestuário, bem como as crenças e motivações são múltiplas e, em muitos casos,
desconhecidas dos encarnados. Adenauer Novaes
A realidade além da vida física é de uma complexidade muito
maior do que a conhecida através dos livros e relatos mediúnicos. Tais escritos
e depoimentos se circunscrevem a nichos palidamente percebidos pelos espíritos
e médiuns que se dedicam a educar o ser humano quanto à vida fora da matéria. A
diversidade de situações, ambientes e estilos de vida é infinitamente maior do
que se imagina. Isso não quer dizer que se trate de falsas informações ou de
mistificação dos médiuns. São considerações importantes que, embora
esclarecedoras, sofrem o filtro da linguagem e da cultura dos médiuns.
A grande maioria das informações espirituais sobre a vida
fora da matéria é trazida com o objetivo de educar os que se encontram na
dimensão mais densa. Esta educação é um preparo para uma vida equilibrada na
sociedade material e para uma vida espiritual sem surpresas.
Os
pressupostos teóricos dessa educação têm conduzido, ou pelo menos pretendido
conduzir, o ser humano a uma adequada postura diante da vida material, de
acordo com princípios cristãos. Por esse motivo, o mundo espiritual é mostrado
muito semelhante ao imaginário construído pelo catolicismo. O que nele está
ausente, também o esteve no céu apresentado pelo modelo católico. O sistema
econômico, o sistema produtivo, bem como a sexualidade e as atividades de lazer
são relegadas a um plano quase que inexistente. O mal do outro lado da vida é
colocado em relação a algo feito do lado de cá. Parece que nada de ruim,
exclusivamente pertencente ao outro plano da vida, acontece. Todo o mal está
relacionado aos vícios, prazeres e vinganças do lado de cá da vida. Abordar
tais assuntos pode não ser considerado edificante ou adequado. Claro que devem
existir empecilhos que desconheço.
A divisão clássica kardequiana dos espíritos em classes e
ordens é apenas didática, estabelecida com o intuito de trazer um referencial
de como se situam após a morte do corpo físico. O estado psíquico, o estilo de
vida, a habitação, o vestuário, bem como as crenças e motivações são múltiplas
e, em muitos casos, desconhecidas dos encarnados.
Há muitas regiões espirituais inóspitas, bem como outras a
serem desbravadas, à espera do espírito humano para lhes dar movimento e
sentido transcendente. Em tais regiões podem vigorar princípios e modos de
convivência muito diferentes dos adotados em outras, pois o Universo é livre para
todos. Esta liberdade toda estará condicionada ao princípio divino existente em
cada ser do Universo.
Apropriando-me dos conceitos emitidos a respeito da vida
espiritual, mesmo considerando sua parcialidade, tentei alcançar uma visão mais
ampla, sem destruir o que havia aprendido. Desde que adentrei o Espiritismo,
tenho percebido a necessidade de não permanecer apenas com o que é aprendido,
mas de buscar dentro de mim mesmo o que já foi vivenciado espiritualmente.
Entrei no Espiritismo como quem adentra uma escola. Não fui
levado pela dor ou sofrimento. Circunstâncias naturais me levaram ao
conhecimento da Doutrina Espírita. Minha curiosidade intelectual e um sentido
interno de que a vida não se resumiria ao material foram determinantes, além de
amigos me terem convidado a assistir uma ou outra palestra num Centro Espírita.
Minha entrada no Espiritismo foi provavelmente algo espiritualmente ensaiado.
Com o
tempo, realizando várias buscas e investigações intelectuais, estudando
sistematicamente e filosofando sobre o que lia, fui aprendendo a distinção
entre ser espírita e perceber-se espírito. Ser espírita me parecia uma
profissão de fé, uma admissão num grupo religioso com suas regras e formas de
identificação de adoção. Seus adeptos se apresentavam como cultores da
caridade, crentes na imortalidade e num Deus único. Era notória a relevância do
primeiro elemento identificador: praticante da caridade desinteressada. A
relação com os espíritos, mesmo propagada, tinha importância secundária, salvo
quando o objetivo fosse a própria caridade. Um certo ar de revolucionário
social e de transformador da humanidade pairava entre os adeptos mais
esclarecidos, transferindo para si o que acreditavam ser responsabilidade do
Espiritismo.
Perceber-se espírito não exclui, de certa forma, a
identificação como espírita, porém acrescenta uma profunda transformação
interior e exterior. A visibilidade do sentido da própria vida passava a ser
maior em face, não só da responsabilidade pessoal sobre o próprio destino, como
também do compromisso em sentir Deus em si mesmo. A consciência dessa diferença
me fez obstinadamente tentar realizar com o Espiritismo a percepção de ser
espírito em mim e nas pessoas de minha convivência.
No mundo espiritual que sinto existir, cabe tudo o que há na
humanidade encarnada e mais uma diversidade imensa de possibilidades de vida e
de organização. Acredito em condições inimagináveis fora do corpo humano, as
quais me permitem entender que o que me espera quando lá chegar é certamente
maravilhoso.
Desenvolvi novos hábitos, novos gostos, novas formas de viver
as experiências da vida, bem como a construção de instrumentos de transformação
social. Passei a escrever sobre o assunto, visando levar às pessoas a
consciência de que são espíritos. No percurso que passei a fazer, considero que
mais importante do que tornar as pessoas espíritas é levá-las à consciência de
que são espíritos.
Ao
tomar consciência disso, passei a planejar a própria vida dentro de paradigmas
que envolvem o espiritual. Posterguei certos desejos, apressei a realização de
aprendizados novos, desliguei-me de hábitos inadequados aos meus propósitos,
mudei de profissão, ampliei o alcance de minhas metas sociais, integrei-me mais
à família consangüínea e desenvolvi metas próprias de transformação social. Ao
tomar consciência de que eu mesmo era um espírito em evolução e que me
importava sobremaneira com isso, voltei a ler os clássicos espíritas a fim de
buscar novas e pessoais interpretações de conceitos, sem querer criar teorias
absurdas ou diferentes. Percebi uma série de interpretações pobres e de alcance
limitado em relação ao meu desejo de crescimento espiritual. Abandonei teorias
antigas, mesmo aquelas alicerçadas no saber espírita que tinha apreendido e
consolidei outras de utilidade adequada ao momento em que vivia.
Despreocupei-me em me mostrar alguém superior ou com
qualidades morais que não possuía. Ocupei-me em enxergar de frente todo o lado
negativo de minha personalidade, sem querer apressadamente livrar-me dele.
Não vi em momento algum a necessidade de deixar de ser
espírita ou de continuar ao lado de pessoas, dentro do Espiritismo, que não
pensavam como eu e que permaneciam com uma visão espírita que me parecia
ultrapassada. Compreendia, como compreendo, que cada um está em seu momento
evolutivo e que deve ser respeitado, tanto quanto aceitava, e aceito, a
possibilidade de estar equivocado em minhas ideias.
Vi que meu destino estava atrelado às minhas crenças a
respeito da vida espiritual e que não poderia continuar percebendo-o da mesma
maneira que no início.
A forma como vejo o mundo espiritual evoluiu de acordo com
meu próprio crescimento interior. Percebi que meu mito pessoal se construía de
acordo com minha antiga crença num mundo espiritual idealizado teoricamente,
construído unicamente pelas leituras que fazia, sem acessar meu próprio
conhecimento interior, naturalmente adquirido.
O mundo
espiritual construído no imaginário humano difere daquele real e existente após
a morte. A consciência coletiva do Movimento Espírita elaborou um mundo
espiritual calcado em poucos depoimentos espirituais, sem o necessário senso
crítico. Muitos médiuns se pautaram em seus próprios conhecimentos adquiridos
no impacto das primeiras leituras em suas iniciações, não abrindo espaço para
novas informações a respeito da vida espiritual. A maioria espírita não imagina
o quanto a concepção de mundo espiritual interfere na vida e no destino dos que
se dedicam à prática do Espiritismo. Quanto mais conscientes da necessidade de
se apropriarem de seus próprios destinos e da responsabilidade que lhes cabe
sobre a evolução, mais próximos estarão da felicidade. Quanto mais livres de
conceitos idealizados, mais donos de si mesmos serão.
No mundo espiritual que sinto existir, cabe tudo o que há na
humanidade encarnada e mais uma diversidade imensa de possibilidades de vida e
de organização.
Acredito em condições inimagináveis fora do corpo humano, as
quais me permitem entender que o que me espera quando lá chegar é certamente
maravilhoso.
Muitas pessoas que acreditam que sofrerão após a morte, por
terem feito algo contrário às regras que aprenderam, poderão ser surpreendidas
com o contrário.
Outros que se veem de forma negativa poderão descobrir que
estavam equivocados ao pensar assim. A grande maioria se surpreenderá com o que
a espera.
Uma visão menos pesada e menos culposa é necessária, pois
Deus não é carrasco, para ter criado um sistema tão hermético e fechado, quase
inacessível ao ser humano comum.
Um mundo espiritual mais livre e destituído de punições faz-se
necessário à consciência humana, tão violenta da pelas crenças medievais
existentes. No Espiritismo cabe uma vida espiritual mais humana e menos cheia
de pecados.
O olhar espiritual trazido em mensagens psicografadas e
psicofônicas, a respeito da vida na Terra, ainda é como se aqui fosse uma
prisão e degredo de assassinos e de criaturas sempre venais. E os bons exemplos
de pessoas sadias fora do círculo religioso? Onde estão aqueles que se esforçam
pela sociedade justa e equilibrada e que não se dedicam à religião? E os
empresários e profissionais liberais que se dedicam à dinâmica social? E os
funcionários públicos que se tornam verdadeiros servidores do povo? E os
ecologistas? Sinto falta do depoimento a respeito do bem que essas pessoas
fazem à sociedade, cada um em seu ofício.
Fonte:
Portal Casa Espírita Nova Era
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