sábado, 5 de fevereiro de 2022

MORTE DE CRIANÇAS[1]

 

Richard Simonetti

 

O desencarne na infância, mesmo em circunstâncias trágicas, é bem mais tranquilo, porquanto nessa fase o Espírito permanece em estado de dormência e desperta lentamente para a existência terrestre. Somente a partir da adolescência é que entrará na plena posse de suas faculdades.

Alheio às contingências humanas ele se exime de envolvimento com vícios e paixões que tanto comprometem a experiência física e dificultam um retorno equilibrado à Vida Espiritual.

O problema maior é a teia de retenção, formada com intensidade, porquanto a morte de uma criança provoca grande comoção, até mesmo em pessoas não ligadas a ela diretamente. Símbolo da pureza e da inocência, alegria do presente e promessa para o futuro, o pequeno ser resume as esperanças dos adultos
que se recusam a encarar a perspectiva de uma separação.

Em favor do desencarnante é preciso imitar atitudes como a de Amaro[2], personagem do livro “Entre a Terra e o Céu”, do espírito André Luiz, psicografia de Francisco Cândido Xavier, diante do filho de um ano, desenganado pelo médico, a avizinhar-se da morte. Na madrugada, enquanto outros familiares dormem, ele permanece em vigília, meditando. Descreve o autor:

A aurora começava a refletir-se no firmamento em largas riscas rubras, quando o ferroviário abandonou a meditação, aproximando-se do filhinho quase morto.

Num gesto comovente de fé, retirou da parede velho crucifixo de madeira e colocou-o à cabeceira do agonizante. Em seguida, sentou-se no leito e acomodou o menino ao colo com especial ternura. Amparado espiritualmente por Odila[3]*, que o enlaçava, demorou a olhar sobre a imagem do Cristo Crucificado e orou em voz em alta voz:

Divino Jesus, compadece-te de nossas fraquezas!… Tenho meu espírito frágil para lidar com a morte! Dá-nos força e compreensão… Nossos filhos te pertencem, mas como nos dói restituí-los, quando a tua vontade no-los reclama de volta!…

O pranto embargava-lhe a voz, mas o pai sofredor, demonstrando a sua imperiosa necessidade de oração, prosseguiu:

Se é de teu desígnio que o nosso filhinho parta, Senhor, recebe-o em teus braços de amor e luz! Concede-nos, porém, a mente, a nossa cruz de saudade e dor!… Dá-nos resignação, fé, esperança!… Auxilia-nos a entender-te os propósitos e que a tua vontade se cumpra hoje e sempre!…

Jactos de safirina claridade escapavam-lhe do peito, envolvendo a criança, que, pouco a pouco, adormeceu.

Júlio afastou-se do corpo de carne, abrigando-se nos braços de Odila, à maneira de um órfão que busca tépido ninho de carícias.

A atitude fervorosa de Amaro, sua profunda confiança em Jesus, sustenta-lhe o equilíbrio e favorece o retorno de Júlio, o filho muito amado, à pátria espiritual, conforme estava previsto.



[1] Quem tem medo da morte? – Richard Simonetti

[2] Amaro é casado em segundas núpcias.

[3] Odila é a primeira esposa, desencarnada.

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