Richard Simonetti
O desencarne na infância, mesmo
em circunstâncias trágicas, é bem mais tranquilo, porquanto nessa fase o
Espírito permanece em estado de dormência e desperta lentamente para a
existência terrestre. Somente a partir da adolescência é que entrará na plena
posse de suas faculdades.
Alheio às contingências humanas
ele se exime de envolvimento com vícios e paixões que tanto comprometem a
experiência física e dificultam um retorno equilibrado à Vida Espiritual.
Em favor do desencarnante é
preciso imitar atitudes como a de Amaro[2],
personagem do livro “Entre a Terra e o Céu”, do espírito André Luiz,
psicografia de Francisco Cândido Xavier, diante do filho de um ano, desenganado
pelo médico, a avizinhar-se da morte. Na madrugada, enquanto outros familiares
dormem, ele permanece em vigília, meditando. Descreve o autor:
A aurora começava a refletir-se no firmamento em largas
riscas rubras, quando o ferroviário abandonou a meditação, aproximando-se do
filhinho quase morto.
Num gesto comovente de fé, retirou da parede velho
crucifixo de madeira e colocou-o à cabeceira do agonizante. Em seguida,
sentou-se no leito e acomodou o menino ao colo com especial ternura. Amparado
espiritualmente por Odila[3]*,
que o enlaçava, demorou a olhar sobre a imagem do Cristo Crucificado e orou em
voz em alta voz:
Divino Jesus, compadece-te
de nossas fraquezas!… Tenho meu espírito frágil para lidar com a morte! Dá-nos
força e compreensão… Nossos filhos te pertencem, mas como nos dói restituí-los,
quando a tua vontade no-los reclama de volta!…
O pranto embargava-lhe a voz, mas o pai sofredor,
demonstrando a sua imperiosa necessidade de oração, prosseguiu:
Se é de teu desígnio que o
nosso filhinho parta, Senhor, recebe-o em teus braços de amor e luz!
Concede-nos, porém, a mente, a nossa cruz de saudade e dor!… Dá-nos resignação,
fé, esperança!… Auxilia-nos a entender-te os propósitos e que a tua vontade se
cumpra hoje e sempre!…
Jactos de safirina claridade escapavam-lhe do peito,
envolvendo a criança, que, pouco a pouco, adormeceu.
Júlio afastou-se do corpo de carne, abrigando-se nos
braços de Odila, à maneira de um órfão que busca tépido ninho de carícias.
A atitude fervorosa de Amaro,
sua profunda confiança em Jesus, sustenta-lhe o equilíbrio e favorece o retorno
de Júlio, o filho muito amado, à pátria espiritual, conforme estava previsto.
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