terça-feira, 2 de março de 2021

SENHORITA DUMESNIL, JOVEM ATRAENTE[1]

 


Allan Kardec

 

Vários jornais falaram de uma jovem dotada da singular faculdade de atrair a si os móveis e outros objetos colocados num certo raio e erguer, pelo simples contato, uma cadeira sobre a qual estivesse sentada uma pessoa. O Petit Journal de 4 de novembro, trazia a respeito o seguinte artigo:

 

A pega branca de Dinan não é mais surpreendente como fenômeno do que a senhorita magnética indicada na correspondência seguinte:

 Senhor,

Venho assinalar-vos um fato que poderia apresentar muito interesse aos vossos leitores. Se quiserdes vos dar ao trabalho de o verificar, nele encontrareis ampla matéria para numerosos artigos.

Uma jovem, a senhorita Dumesnil, de treze anos, possui um fluido de uma força atrativa extraordinária, que faz virem a ela todos os objetos de madeira que a cercam. Assim, as cadeiras, as mesas e tudo quanto é de madeira se dirigem instantaneamente para ela. Esta faculdade se revelou nesta jovem há cerca de três semanas. Até agora este fenômeno extraordinário, que ainda não puderam explicar, só se manifestou às pessoas do meio social da moça, vizinhos etc., que constataram o fato há alguns dias. A faculdade surpreendente da senhorita espalhou-se e, conforme me garantem, ela está em vias de tratar com um empresário, que se propõe exibir publicamente o fenômeno.

Desde ontem ela foi à casa de uma grande personagem a quem a indicaram; a publicidade não tardará em apoderar-se deste acontecimento, e eu me apresso em vos prevenir, para que tenhais as primícias.

Esta moça exerce o ofício de polidora de metais e mora com os pais, que é gente pobre.

Na expectativa de que nos explicareis este mistério inexplicável, peço que recebais minhas saudações muito sinceras.

Brunet,

Empregado, Casa Christoffe, 56, rue de Bondy

 

Não sei mais do que vós, meu caro correspondente, em matéria de ciência magnética, e olho como simples curiosidade vossa encantadora do carvalho, da faia e do acaju, a quem aconselho, neste inverno, não queimar na lareira... senão carvão...

 

Eis, certamente, um fenômeno estranho, muito digno de atenção, e que deve ter uma causa. Se for constatado que não se trata de nenhum subterfúgio, o que é fácil garantir, e se as leis conhecidas são impotentes para o explicar, é evidente que revela a existência de uma nova força. Ora, a descoberta de um princípio novo pode ser fecunda em resultados. O que é pelo menos tão surpreendente quanto este fenômeno, é ver homens de inteligência ter por semelhantes fatos apenas uma altiva indiferença e zombarias de mau gosto. Entretanto, nem se tratava de Espíritos, nem de Espiritismo. Que convicção esperam pessoas que não têm nenhuma, que não a buscam e não a desejam? Que estudo sério é possível esperar disto? Esforçar-se por convencê-los não é perder tempo, usar inutilmente forças que poderiam ser mais bem empregadas com os homens de boa vontade, que não faltam?

Temos dito sempre: Com pessoas preconceituosas, que não querem ver nem ouvir, o que há de melhor a fazer é deixá-las tranquilas e provar-lhes que não se precisa delas. Se alguma coisa deve triunfar de sua incredulidade, os Espíritos saberão bem encontrá-lo e empregá-lo quando chegar o momento.

Para voltar à jovem, seus pais, que estão numa posição precária, vendo a sensação que ela produzia e o concurso de pessoas notáveis que ela atraía, sem dúvida pensaram que para eles havia uma fonte de fortuna. Não se deve querê-los mal, porquanto, ignorando até o nome do Espiritismo e dos médiuns, não podiam compreender as consequências de uma exploração deste gênero.

Para eles sua filha era um fenômeno; resolveram, pois, instalá-la nos boulevards, entre os outros fenômenos. Fizeram melhor: instalaram-na no Grand-Hôtel, lugar mais conveniente para a aristocracia produtiva. Mas, ah! Os sonhos dourados logo se desvaneceram. Os fenômenos não se reproduziram mais senão em raros intervalos, e de maneira tão irregular que foi preciso abandonar quase que imediatamente a esplêndida habitação e voltar ao atelier. Exibir uma faculdade tão caprichosa que falha justamente no momento em que os espectadores, que pagaram suas entradas, estão reunidos e esperam que lhe mostrem por seu dinheiro! Como fenômeno, mais vale para a especulação ter uma criança com duas cabeças, porque, ao menos, lá ela está. Que fazer se não se têm cordões para substituir os atores invisíveis? O partido mais honroso é retirar-se. Entretanto, conforme a carta publicada num jornal, parece que a jovem não perdeu inteiramente o seu poder, mas é sujeita a tais intermitências que se torna difícil captar o momento favorável.

Um de nossos amigos, espírita esclarecido e profundo observador, pôde testemunhar o fenômeno e ficou mediocremente satisfeito com o resultado. “Creio – disse-nos ele – na sinceridade dessas pessoas, mas, para os incrédulos, o efeito não se produz, neste momento, em condições que desafie qualquer suspeita. Não nego, pois sei que a coisa é possível; apenas constato minhas impressões. Como apanhei supostos médiuns de efeitos físicos em flagrante delito de fraude, dei-me conta das manobras pelas quais certos efeitos podem ser simulados, iludindo as pessoas que não conhecem as condições dos efeitos reais, de sorte que só afirmo com conhecimento de causa, não confiando em meus olhos. No próprio interesse do Espiritismo, meu primeiro cuidado é examinar se a fraude é possível, com auxílio da sagacidade, ou se o efeito pode ser devido a uma causa material vulgar. Aliás, acrescentou ele, lá é proibido ser espírita, agir pelos Espíritos e até neles acreditar.

É de notar que desde o infortúnio dos irmãos Davenport, todos os exibidores de fenômenos extraordinários repelem qualquer participação dos Espíritos em seu negócio, e fazem bem; o Espiritismo só tem a ganhar em não ser metido nessas exibições. É um serviço a mais prestado por esses senhores, porque não é por tais meios que o Espiritismo recrutará prosélitos.

Uma outra observação é que, cada vez que se trata de alguma manifestação espontânea, ou de um fenômeno qualquer atribuído a uma causa oculta, geralmente são tomados para peritos, pessoas, por vezes sábios, que não sabem patavina do que devem observar e que vêm com uma ideia preconcebida de negação. Quem se encarrega de decidir se há ou não intervenção dos Espíritos ou uma causa espiritual? Precisamente os que negam a espiritualidade, que não creem nos Espíritos e não querem que existam. Tem-se certeza prévia de sua resposta. Evitam tomar a opinião de quem quer que seja suspeito de Espiritismo, primeiro porque seria acreditar na coisa e, depois, porque temem uma solução contrária à que querem. Não refletem que só um espírita esclarecido é apto a julgar circunstâncias nas quais os fenômenos espíritas podem produzir-se, como só um químico é apto para conhecer a composição de um corpo e que, a este respeito, os espíritas são mais cépticos do que muita gente; que, longe de darem crédito a um fenômeno apócrifo, eles têm todo o interesse em o assinalar como tal e em desmascarar a fraude.

Todavia, disto ressalta uma instrução: a própria irregularidade dos fatos é uma prova de sinceridade; se resultassem de qualquer meio artificial, produzir-se-iam no momento desejado.

É a reflexão que faz um jornalista que fora convidado a ir ao Grand-Hôtel. Havia naquele dia alguns outros convidados notáveis e, a despeito de duas horas de espera, a moça não obteve o menor efeito. “A pobre menina – disse o jornalista – estava desolada, e seu rosto traía inquietude. Tranquilizai-vos, lhe falou ele; não só este insucesso não me desencoraja, mas me leva a crer que vosso relato é sincero. Se houvesse algum charlatanismo ou truque de vossa parte, vosso golpe não teria falhado. Eu voltarei amanhã”. Com efeito, voltou cinco vezes, sem mais resultados. Na sexta vez ela tinha deixado o hotel. “De onde concluo – acrescentou o jornalista – que a pobre senhorita Dumesnil, depois de haver construído belos castelos à custa de suas virtudes eletromagnéticas, foi obrigada a retomar seu lugar nos ateliês de polimento do Sr. Ruolz”.

Tendo sido constatados os fatos, é certo que havia nela uma disposição orgânica especial, que se prestava a esse gênero de fenômeno; mas, pondo de lado qualquer subterfúgio, é certo que se sua faculdade dependesse apenas de seu organismo, ela a teria tido, como os peixes-elétricos, sempre à sua disposição. Considerando-se que sua vontade, seu mais ardente desejo eram impotentes para produzir o fenômeno, é porque havia, no fato, uma causa que lhe era estranha. Qual é esta causa? Evidentemente a que rege todos os fenômenos mediúnicos: o concurso dos Espíritos, sem o qual os médiuns mais bem dotados nada obtêm. A senhorita Dumesnil é um exemplo de que eles não estão às ordens de ninguém. Por mais efêmera que tenha sido sua faculdade, ela fez mais para convicção de certas pessoas do que se se tivesse produzido em dias e horas fixas, ao seu comando diante do público, como nas manobras de prestidigitação.

É verdade que nada atesta de maneira ostensiva a intervenção dos Espíritos nesta circunstância, porque não há efeitos inteligentes, a não ser a impotência da moça em agir à sua vontade. A faculdade, como em todos os efeitos mediúnicos, é inerente a ela; o exercício da faculdade pode depender de uma vontade estranha. Mas, mesmo admitindo que os Espíritos nada tenham a ver com isto, não deixa de ser um fenômeno destinado a chamar a atenção para as forças fluídicas que regem o nosso organismo, e que tanta gente se obstina em negar.

Se essa força aqui fosse puramente elétrica, denotaria, não obstante, uma importante modificação na eletricidade, já que age sobre a madeira, com exclusão dos metais. Só isto valeria bem a pena de ser estudado.



[1] Revista Espírita – Dezembro/1866 – Allan Kardec

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