Allan Kardec
Vários jornais falaram de uma
jovem dotada da singular faculdade de atrair a si os móveis e outros objetos
colocados num certo raio e erguer, pelo simples contato, uma cadeira sobre a
qual estivesse sentada uma pessoa. O Petit
Journal de 4 de novembro, trazia a respeito o seguinte artigo:
A pega branca de Dinan não é mais surpreendente como
fenômeno do que a senhorita magnética indicada na correspondência seguinte:
Senhor,
Venho assinalar-vos
um fato que poderia apresentar muito interesse aos vossos leitores. Se
quiserdes vos dar ao trabalho de o verificar, nele encontrareis ampla matéria
para numerosos artigos.
Uma jovem, a
senhorita Dumesnil, de treze anos, possui um fluido de uma força atrativa
extraordinária, que faz virem a ela todos os objetos de madeira que a cercam. Assim, as cadeiras, as mesas e tudo
quanto é de madeira se dirigem instantaneamente para ela. Esta faculdade se
revelou nesta jovem há cerca de três semanas. Até agora este fenômeno
extraordinário, que ainda não puderam explicar, só se manifestou às pessoas do
meio social da moça, vizinhos etc., que constataram o fato há alguns dias. A
faculdade surpreendente da senhorita espalhou-se e, conforme me garantem, ela
está em vias de tratar com um empresário, que se propõe exibir publicamente o
fenômeno.
Desde ontem ela foi
à casa de uma grande personagem a quem a indicaram; a publicidade não tardará
em apoderar-se deste acontecimento, e eu me apresso em vos prevenir, para que tenhais
as primícias.
Esta moça exerce o
ofício de polidora de metais e mora com os pais, que é gente pobre.
Na expectativa de
que nos explicareis este mistério inexplicável, peço que recebais minhas
saudações muito sinceras.
Brunet,
Empregado, Casa Christoffe, 56, rue de Bondy
Não sei mais do que vós, meu caro correspondente, em
matéria de ciência magnética, e olho como simples curiosidade vossa encantadora
do carvalho, da faia e do acaju, a quem aconselho, neste inverno, não queimar
na lareira... senão carvão...
Eis, certamente, um fenômeno
estranho, muito digno de atenção, e que deve ter uma causa. Se for constatado
que não se trata de nenhum subterfúgio, o que é fácil garantir, e se as leis
conhecidas são impotentes para o explicar, é evidente que revela a existência
de uma nova força. Ora, a descoberta de um princípio novo pode ser fecunda em
resultados. O que é pelo menos tão surpreendente quanto este fenômeno, é ver
homens de inteligência ter por semelhantes fatos apenas uma altiva indiferença
e zombarias de mau gosto. Entretanto, nem se tratava de Espíritos, nem de
Espiritismo. Que convicção esperam pessoas que não têm nenhuma, que não a
buscam e não a desejam? Que estudo sério é possível esperar disto? Esforçar-se
por convencê-los não é perder tempo, usar inutilmente forças que poderiam ser
mais bem empregadas com os homens de boa vontade, que não faltam?
Temos dito sempre: Com pessoas
preconceituosas, que não querem ver nem ouvir, o que há de melhor a fazer é
deixá-las tranquilas e provar-lhes que não se precisa delas. Se alguma coisa
deve triunfar de sua incredulidade, os Espíritos saberão bem encontrá-lo e
empregá-lo quando chegar o momento.
Para voltar à jovem, seus pais,
que estão numa posição precária, vendo a sensação que ela produzia e o concurso
de pessoas notáveis que ela atraía, sem dúvida pensaram que para eles havia uma
fonte de fortuna. Não se deve querê-los mal, porquanto, ignorando até o nome do
Espiritismo e dos médiuns, não podiam compreender as consequências de uma
exploração deste gênero.
Para eles sua filha era um
fenômeno; resolveram, pois, instalá-la nos boulevards, entre os outros
fenômenos. Fizeram melhor: instalaram-na no Grand-Hôtel, lugar mais conveniente
para a aristocracia produtiva. Mas, ah! Os sonhos dourados logo se desvaneceram.
Os fenômenos não se reproduziram mais senão em raros intervalos, e de maneira
tão irregular que foi preciso abandonar quase que imediatamente a esplêndida
habitação e voltar ao atelier. Exibir uma faculdade tão caprichosa que falha
justamente no momento em que os espectadores, que pagaram suas entradas, estão
reunidos e esperam que lhe mostrem por seu dinheiro! Como fenômeno, mais vale
para a especulação ter uma criança com duas cabeças, porque, ao menos, lá ela
está. Que fazer se não se têm cordões para substituir os atores invisíveis? O
partido mais honroso é retirar-se. Entretanto, conforme a carta publicada num
jornal, parece que a jovem não perdeu inteiramente o seu poder, mas é sujeita a
tais intermitências que se torna difícil captar o momento favorável.
Um de nossos amigos, espírita
esclarecido e profundo observador, pôde testemunhar o fenômeno e ficou
mediocremente satisfeito com o resultado. “Creio – disse-nos ele – na
sinceridade dessas pessoas, mas, para os incrédulos, o efeito não se produz,
neste momento, em condições que desafie qualquer suspeita. Não nego, pois sei
que a coisa é possível; apenas constato minhas impressões. Como apanhei
supostos médiuns de efeitos físicos em flagrante delito de fraude, dei-me conta
das manobras pelas quais certos efeitos podem ser simulados, iludindo as
pessoas que não conhecem as condições dos efeitos reais, de sorte que só afirmo
com conhecimento de causa, não confiando em meus olhos. No próprio interesse do
Espiritismo, meu primeiro cuidado é examinar se a fraude é possível, com
auxílio da sagacidade, ou se o efeito pode ser devido a uma causa material
vulgar. Aliás, acrescentou ele, lá é proibido ser espírita, agir pelos
Espíritos e até neles acreditar.
É de notar que desde o
infortúnio dos irmãos
Davenport, todos os exibidores de fenômenos extraordinários repelem
qualquer participação dos Espíritos em seu negócio, e fazem bem; o Espiritismo
só tem a ganhar em não ser metido nessas exibições. É um serviço a mais
prestado por esses senhores, porque não é por tais meios que o Espiritismo
recrutará prosélitos.
Uma outra observação é que, cada
vez que se trata de alguma manifestação espontânea, ou de um fenômeno qualquer
atribuído a uma causa oculta, geralmente são tomados para peritos, pessoas, por
vezes sábios, que não sabem patavina do que devem observar e que vêm com uma ideia
preconcebida de negação. Quem se encarrega de decidir se há ou não intervenção
dos Espíritos ou uma causa espiritual? Precisamente os que negam a
espiritualidade, que não creem nos Espíritos e não querem que existam. Tem-se
certeza prévia de sua resposta. Evitam tomar a opinião de quem quer que seja
suspeito de Espiritismo, primeiro porque seria acreditar na coisa e, depois,
porque temem uma solução contrária à que querem. Não refletem que só um
espírita esclarecido é apto a julgar
circunstâncias nas quais os fenômenos espíritas podem produzir-se, como só um
químico é apto para conhecer a composição de um corpo e que, a este respeito,
os espíritas são mais cépticos do que
muita gente; que, longe de darem crédito a um fenômeno apócrifo, eles têm todo
o interesse em o assinalar como tal e em desmascarar a fraude.
Todavia, disto ressalta uma instrução:
a própria irregularidade dos fatos é uma prova de sinceridade; se resultassem
de qualquer meio artificial, produzir-se-iam no momento desejado.
É a reflexão que faz um
jornalista que fora convidado a ir ao Grand-Hôtel. Havia naquele dia alguns outros
convidados notáveis e, a despeito de duas horas de espera, a moça não obteve o
menor efeito. “A pobre menina – disse o jornalista – estava desolada, e seu
rosto traía inquietude. Tranquilizai-vos, lhe falou ele; não só este insucesso
não me desencoraja, mas me leva a crer que vosso relato é sincero. Se houvesse
algum charlatanismo ou truque de vossa parte, vosso golpe não teria falhado. Eu
voltarei amanhã”. Com efeito, voltou cinco vezes, sem mais resultados. Na sexta
vez ela tinha deixado o hotel. “De onde concluo – acrescentou o jornalista –
que a pobre senhorita Dumesnil, depois de haver construído belos castelos à
custa de suas virtudes eletromagnéticas, foi obrigada a retomar seu lugar nos
ateliês de polimento do Sr. Ruolz”.
Tendo sido constatados os fatos,
é certo que havia nela uma disposição orgânica especial, que se prestava a esse
gênero de fenômeno; mas, pondo de lado qualquer subterfúgio, é certo que se sua
faculdade dependesse apenas de seu
organismo, ela a teria tido, como os peixes-elétricos, sempre à sua
disposição. Considerando-se que sua vontade, seu mais ardente desejo eram
impotentes para produzir o fenômeno, é porque havia, no fato, uma causa que lhe
era estranha. Qual é esta causa? Evidentemente a que rege todos os fenômenos
mediúnicos: o concurso dos Espíritos, sem o qual os médiuns mais bem dotados
nada obtêm. A senhorita Dumesnil é um exemplo de que eles não estão às ordens de ninguém. Por mais efêmera que tenha
sido sua faculdade, ela fez mais para convicção de certas pessoas do que se se
tivesse produzido em dias e horas fixas, ao seu comando diante do público, como
nas manobras de prestidigitação.
É verdade que nada atesta de
maneira ostensiva a intervenção dos Espíritos nesta circunstância, porque não
há efeitos inteligentes, a não ser a impotência da moça em agir à sua vontade.
A faculdade, como em todos os efeitos mediúnicos, é inerente a ela; o exercício
da faculdade pode depender de uma vontade estranha. Mas, mesmo admitindo que os
Espíritos nada tenham a ver com isto, não deixa de ser um fenômeno destinado a chamar
a atenção para as forças fluídicas que regem o nosso organismo, e que tanta
gente se obstina em negar.
Se essa força aqui fosse
puramente elétrica, denotaria, não obstante, uma importante modificação na
eletricidade, já que age sobre a madeira, com exclusão dos metais. Só isto
valeria bem a pena de ser estudado.
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