quarta-feira, 31 de março de 2021

DISCURSO PRONUNCIADO JUNTO AO TÚMULO DE ALLAN KARDEC[1]

 


Por Camille Flammarion

 

Senhores:

Aceitando com deferência o convite simpático dos amigos do pensador laborioso cujo corpo terreno jaz agora aos nossos pés, vem-me à mente um dia sombrio do mês de dezembro de 1865, em que pronunciei palavras de supremo adeus junto à tumba do fundador da Livraria Acadêmica, do honrado Didier, que, como editor, foi colaborador convicto de Allan Kardec, na publicação das obras fundamentais de uma doutrina que lhe era cara.

Também ele morreu subitamente, como se o céu houvesse querido poupar a esses dois Espíritos íntegros do embaraço fisiológico de sair desta vida por via diferente da comumente seguida. A mesma reflexão se aplica à morte do nosso ex-colega Jobard, de Bruxelas.

Hoje, maior ainda é a minha tarefa, porquanto eu desejara figurar à mente dos que me ouvem e à das milhões de criaturas que na Europa inteira e no Novo Mundo se têm ocupado com o problema ainda misterioso dos fenômenos chamados espíritas; — eu quisera, digo, poder figurar-lhes o interesse científico e o porvir filosófico do estudo desses fenômenos, ao qual se hão consagrado, como ninguém ignora, homens eminentes dentre os nossos contemporâneos. Estimaria fazer-lhes entrever os horizontes desconhecidos que a mente humana verá rasgar-se diante de si, à medida que ela ampliar o conhecimento positivo das forças naturais que em torno de nós atuam; mostrar-lhes que essas comprovações constituem o mais eficaz antídoto para a lepra do ateísmo, de que parece atacada, principalmente a nossa época de transição; dar, enfim, aqui, testemunho público do eminente serviço que o autor de O Livro dos Espíritos prestou à filosofia, chamando a atenção e provocando discussões sobre fatos que até então pertenciam ao domínio mórbido e funesto das superstições religiosas.

Seria, com efeito, um ato importante firmar aqui, junto deste túmulo eloquente, que o metódico exame dos fenômenos erroneamente qualificados de supranormais, longe de renovar o espírito de superstição e de enfraquecer a energia da razão, ao contrário, afasta os erros e as ilusões da ignorância e serve melhor ao progresso , do que as negações ilegítimas dos que não querem dar-se ao trabalho de ver. Mas, este não é lugar apropriado a estabelecer uma arena às discussões desrespeitosas.

Deixemos apenas que das nossas mentes desçam, sobre a face impassível do homem ora estendido diante de nós, testemunhos de afeição e sentimentos de pesar, que lhe permaneçam ao derredor em seu túmulo, qual embalsamamento do coração! E, pois que sabemos que sua alma eterna sobrevive a estes despojos mortais, do mesmo modo que a eles preexistiu; pois que sabemos que laços indestrutíveis unem o nosso mundo visível ao mundo invisível; pois que esta alma existe hoje tão bem como há três dias e que não é impossível se ache atualmente na minha presença; digamos-lhe que não quisemos se desvanecesse a sua imagem terrena encerrada no sepulcro, sem unanimemente rendermos homenagem a seus trabalhos e à sua memória, sem pagar um tributo de reconhecimento à sua encarnação terrena, tão útil e tão dignamente preenchida.

Traçarei, primeiro, num esboço rápido, as linhas principais da sua carreira literária. Morto na idade de 65 anos, Allan Kardec consagrara a primeira parte de sua vida a escrever obras clássicas, elementares, destinadas, sobretudo, ao uso dos educadores da mocidade. Quando, pelo ano de 1855, as manifestações, novas na aparência, das mesas girantes, das pancadas sem causa ostensiva, dos movimentos insólitos de objetos e móveis começaram a prender a atenção pública, determinando mesmo, nós de imaginação aventureira, uma espécie de febre, devida à novidade de tais experiências, Allan Kardec, estudando ao mesmo tempo o magnetismo e seus singulares efeitos, acompanhou com a maior paciência e clarividência judiciosa as experimentações e as tentativas numerosas que então se faziam em Paris. Recolheu e pôs em ordem os resultados conseguidos dessa longa observação e com eles compôs o corpo de doutrina que publicou em 1857, na primeira edição de O Livro dos Espíritos. Todos sabeis que êxito alcançou essa obra, na França e no estrangeiro. Havendo atingido a 16ª edição, tem espalhado em todas as classes esse corpo de doutrina elementar que, na sua essência, não é absolutamente novo, porquanto a escola de Pitágoras, na Grécia, e a dos druidas, em a nossa pobre Gália, ensinavam os seus princípios fundamentais, mas que agora reveste uma forma de verdadeira atualidade, pelo corresponder aos fenômenos. Depois dessa primeira obra apareceram, sucessivamente, O Livro dos Médiuns, ou Espiritismo experimental; O que é o Espiritismo? Ou resumo sob a forma de perguntas e respostas; O Evangelho segundo o Espiritismo; O Céu e o Inferno; A Gênese. A morte o surpreendeu no momento em que, com a sua infatigável atividade, trabalhava noutra sobre as relações entre o Magnetismo e o Espiritismo. Pela Revista Espírita e pela Sociedade de Paris, cujo presidente ele era, se constituíra, de certo modo, o centro a que tudo ia ter, o traço de união de todos os experimentadores. Faz alguns meses, sentindo próximo o seu fim, preparou as condições de vitalidade de tais estudos para depois de sua morte e instituiu a Comissão Central que lhe sucede. Suscitou rivalidades; fez escola de feição um pouco pessoal, havendo ainda alguns dissídios entre os “espiritualistas” e os “espíritas”. Doravante, Senhores (tal, pelo menos, o voto que formulam os amigos da verdade), devemos unir-nos todos por uma solidariedade fraterna, pelos mesmos esforços em prol da elucidação do problema, pelo desejo geral e impessoal do verdadeiro e do bem. Disseram, Senhores, do digno amigo a quem rendemos hoje as derradeiras homenagens, que ele não era o que se chama um sábio, que não fora, primeiro, físico, naturalista, ou astrônomo e que preferira constituir um corpo de doutrina moral, antes de haver submetido à discussão científica a realidade e a natureza dos fenômenos.

Talvez, Senhores, se deva preferir que as coisas tenham começado assim.

Nem sempre se deve recusar valor ao sentimento. Quantos corações já foram consolados por esta crença religiosa! Quantas lágrimas hão secado!

Quantas consciências se abriram às irradiações da beleza espiritual! Nem toda a gente é ditosa neste mundo. Muitas afeições aí são despedaçadas!

Muitas almas têm adormecido no cepticismo! Então, nada é o haver trazido ao espiritualismo tantos seres que flutuavam na dúvida e que já não amavam a vida, nem a vida física, nem a intelectual?

Fora Allan Kardec um homem de ciência e de certo não houvera podido prestar este primeiro serviço e dilatá-lo até muito longe, como um convite a todos os corações. Ele, porém, era o que eu denominarei simplesmente “o bom-senso encarnado”. Razão reta e judiciosa, aplicava sem cessar à sua obra permanente as indicações íntimas do senso comum.

Não era essa uma qualidade somenos, na ordem de coisas com que nos ocupamos. Era, ao contrário, pode-se afirmá-lo, a primeira de todas e a mais preciosa, sem a qual a obra não teria podido tornar-se popular, nem lançar pelo mundo suas raízes imensas. A maioria dos que se têm dado a estes estudos lembram-se de que na mocidade, ou em certas circunstâncias, foram testemunhas de manifestações inexplicadas. Poucas são as famílias que não contem na sua história provas desta natureza. O ponto de partida era aplicar-lhes a razão firme do simples bom-senso e examiná-las segundo os princípios do método positivo. Conforme o seu próprio organizador previu, esse estudo, que foi lento e difícil, tem que entrar agora num período científico. Os fenômenos físicos, sobre os quais a princípio não se insistia, hão de tornar-se objeto da crítica experimental, a que devemos a glória dos progressos modernos e as maravilhas da eletricidade e do vapor. Esse método tem de tomar os fenômenos de ordem misteriosa a que assistimos para os dissecar, medir e definir. Porque, meus Senhores, o Espiritismo não é uma religião, mas uma ciência, da qual apenas conhecemos o abecê. Passou o tempo dos dogmas. A Natureza abrange o Universo, e o próprio Deus, feito outrora à imagem do homem, a moderna Metafísica não o pode considerar senão como um espírito na Natureza. O sobrenatural não existe. As manifestações obtidas com o auxílio dos médiuns, como as do magnetismo e do sonambulismo, são de ordem natural e devem ser severamente submetidas à verificação da experiência. Não há milagres. Assistimos ao alvorecer de uma ciência desconhecida. Quem poderá prever a que consequências conduzirá, no mundo do pensamento, o estudo positivo desta nova psicologia?

Doravante, o mundo é regido pela ciência e, Senhores, não virá fora de propósito, neste discurso fúnebre, assinalar-lhe a obra atual e as induções novas que ela nos patenteia, precisamente do ponto de vista das nossas pesquisas. Que os que têm a vista restringida pelo orgulho ou pelo preconceito não compreendam absolutamente os anseios de nossas mentes ávidas de conhecer e lancem sobre este gênero de estudos seus sarcasmos ou anátemas, pouco importa. Colocamos mais alto as nossas contemplações!... Foste o primeiro, oh! Mestre e amigo! Foste o primeiro a dar, desde o princípio da minha carreira astronômica, testemunho de viva simpatia às minhas deduções relativas à existência das humanidades celestes, pois, tomando do livro sobre a “Pluralidade dos Mundos Habitados”, o puseste imediatamente na base do edifício doutrinário com que sonhavas. Muito amiúde conversávamos sobre essa vida celeste tão misteriosa; agora, oh! Alma, sabes, por visão direta, em que consiste a vida espiritual a que voltaremos e que esquecemos durante a existência na Terra.

Voltaste a esse mundo donde viemos e colhes o fruto de teus estudos terrestres. Aos nossos pés dorme o teu envoltório, extinguiu-se o teu cérebro, fecharam-se-te os olhos para não mais se abrirem, não mais ouvida será a tua palavra... Sabemos que todos havemos de mergulhar nesse mesmo último sono, de volver a essa mesma inércia, a esse mesmo pó. Mas, não é nesse envoltório que pomos a nossa glória e a nossa esperança. Tomba o corpo, a alma permanece e retorna ao Espaço. Encontrar-nos-emos num mundo melhor e no céu imenso onde usaremos das nossas mais preciosas faculdades, onde continuaremos os estudos para cujo desenvolvimento a Terra é teatro por demais acanhado.

É-nos mais grato saber esta verdade, do que acreditar que jazes todo inteiro nesse cadáver e que tua alma se haja aniquilado com a cessação do funcionamento de um órgão. A imortalidade é a luz da vida, como este refulgente Sol é a luz da Natureza.

Até à vista, meu caro Allan Kardec, até à vista.

terça-feira, 30 de março de 2021

LIVRE-PENSAMENTO E LIVRE-CONSCIÊNCIA[1]

 

O PENSADOR - Rodin

Allan Kardec

 

Num artigo do nosso último número, intitulado: Olhar retrospectivo sobre o Movimento Espírita, apresentamos duas classes distintas de livres-pensadores: os incrédulos e os crentes, e dissemos que, para os primeiros, ser livre-pensador não é apenas crer no que se quer, mas não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do temor de Deus e do futuro; para os segundos, é subordinar a crença à razão e libertar-se do jugo da fé cega. Estes últimos têm por órgão de publicidade a Livre-consciência, título significativo; os outros, o jornal Livre-pensamento, qualificação mais vaga, mas que se especializa pelas opiniões formuladas e que vem em todos os pontos corroborar a distinção que fizemos. Aí lemos no 2, de 28 de outubro de 1866:

 

As questões de origem e de fim até aqui têm preocupado a Humanidade a ponto de, por vezes, lhe perturbar a razão. Esses problemas, que foram qualificados de temíveis, e que julgamos de importância secundária, não são do domínio imediato da Ciência. Sua solução científica não pode oferecer senão uma semicerteza. Tal qual é, entretanto, ela nos basta, e não tentaremos completá-la por argúcias metafísicas. Aliás, nosso objetivo é só nos ocuparmos de assuntos abordáveis pela observação. Pretendemos ficar na terra. Se, por vezes, dela nos afastamos para responder aos ataques dos que não pensam como nós, a incursão fora do real será de curta duração. Teremos sempre presente à lembrança este sábio conselho de Helvécio: ‘É preciso ter coragem de ignorar o que não se pode saber’.

Um novo jornal, a Livre-consciência, nosso irmão mais velho, como faz notar, deseja-nos boas-vindas em seu primeiro número. Nós lhe agradecemos pela maneira cortês por que usou o seu direito de progenitura. Nosso confrade pensa que, malgrado a analogia dos títulos, nem sempre estaremos em ‘completa afinidade de ideias’. Após a leitura de seu primeiro número estamos certos disso; também não compreendemos a livre-consciência senão como o livre-pensamento com um limite dogmático previamente assinalado. Quando se declara claramente discípulo da Ciência e campeão da livre-consciência, é irracional, em nossa opinião, estabelecer como dogma uma crença qualquer, impossível de provar cientificamente. A liberdade assim limitada não é liberdade. Por nossa vez, damos as boas-vindas à Livre-consciência e estamos dispostos a ver nela uma aliada, pois declara querer combater por todas as liberdades... Menos uma.

 

É estranho que considerem a origem e o fim da Humanidade como questões secundárias, próprias para perturbar a razão. Que diriam de um homem que, vivendo apenas o dia de hoje, não se inquietasse como viverá amanhã? Passaria por um homem sensato? Que pensariam daquele que, tendo uma mulher, filhos, amigos, dissesse: Que me importa que amanhã estejam vivos ou mortos? Ora, o amanhã da morte é longo; não é, pois, de admirar que tanta gente se preocupe com ele.

Se se fizer a estatística de todos os que perdem a razão, ver-se-á que o maior número está precisamente do lado dos que não creem nesse amanhã, ou que dele duvidam, e isto pela razão muito simples: a maioria dos casos de loucura é produzida pelo desespero e pela falta de coragem moral, que faz suportar as misérias da vida, ao passo que a certeza desse amanhã torna menos amargas as vicissitudes do presente, e os faz considerar como incidentes passageiros, cujo moral não se afeta ou só mediocremente se afeta. Sua confiança no futuro lhe dá uma força, que jamais terá aquele que só tem o nada como perspectiva. Está na posição de um homem que, arruinado hoje, tem a certeza de ter amanhã uma fortuna superior à que acaba de perder. Neste caso, facilmente toma seu partido e fica calmo; se, ao contrário, nada espera, entra em desespero e sua razão pode sofrer com isto.

Ninguém contestará que saber de onde se vem e para onde se vai, o que se fez na véspera e o que se fará amanhã, não seja uma coisa necessária para regular os negócios diários da vida, e que esse princípio não influa na conduta pessoal. Certamente o soldado que sabe para onde o conduzem, que vê o seu objetivo, marcha com mais firmeza, mais disposição, mais entusiasmo do que se o conduzissem às cegas. Dá-se o mesmo do pequeno ao grande, da individualidade ao conjunto. Saber de onde se vem e para onde se vai não é menos necessário para regular os negócios da vida coletiva da Humanidade. No dia em que a Humanidade inteira tivesse certeza de que a morte não tem saída, veria uma confusão geral e os homens se atirando uns contra os outros, dizendo: se não devemos viver senão um dia, vivamos o melhor possível, não importa à custa de quem!

O jornal Livre-pensamento declara que entende ficar na terra, e se dela sai por vezes, será para refutar os que não pensam como ele, mas que suas incursões fora do real serão de curta duração. Compreenderíamos que assim fosse com um jornal exclusivamente científico, tratando de matérias especiais. É evidente que seria intempestivo falar de Espiritualidade, de Psicologia ou de Teologia a propósito de Mecânica, de Química, de Física, de cálculos matemáticos, de comércio ou de indústria; mas, desde que se faz entrar a filosofia em seu programa, não poderia executá-lo sem abordar questões metafísicas. Embora a palavra filosofia seja muito elástica, e tenha sido singularmente desviada de sua acepção etimológica, implica, por sua própria essência, pesquisas e estudos que não são exclusivamente materiais.

O conselho de Helvécio: “É preciso ter a coragem de ignorar o que não se pode saber” é muito sábio e se dirige, sobretudo, aos sábios presunçosos, que pensam que nada pode ser oculto ao homem, e que o que eles não sabem ou não compreendem não deve existir. Entretanto, seria mais justo dizer: É preciso ter a coragem de confessar sua ignorância sobre aquilo que não se sabe. Tal qual está formulado, poder-se-ia traduzi-lo assim:

 

É preciso ter a coragem de conservar a sua ignorância, donde esta consequência: “É inútil procurar saber o que não se sabe”. Sem dúvida há coisas que o homem jamais saberá enquanto estiver na Terra, porque, seja qual for a sua presunção, a Humanidade aqui ainda se acha em estado de adolescência. Mas quem ousaria estabelecer limites absolutos àquilo que pode saber? Já que hoje sabe infinitamente mais que os homens dos tempos primitivos, por que, mais tarde, não saberia mais do que sabe agora? É o que não podem compreender os que não admitem a perpetuidade e a perfectibilidade do ser espiritual. Muitos pensam: Estou no topo da escada intelectual; o que não vejo e não compreendo, ninguém pode ver nem compreender.

No parágrafo narrado acima e relativo ao jornal Livre-consciência, está dito: Também não compreendemos a livre-consciência senão como o livre-pensamento com um limite dogmático previamente assinalado. Quando se declara discípulo da Ciência, é irracional estabelecer como dogma uma crença qualquer, impossível de provar cientificamente. A liberdade assim limitada não é liberdade.

 

Toda a doutrina está nestas palavras: a profissão de fé é clara e categórica. Assim, porque Deus não pode ser demonstrado por uma equação algébrica e a alma não é perceptível com o auxílio de um reativo, é absurdo crer em Deus e na alma. Em consequência, todo discípulo da Ciência deve ser ateu e materialista. Mas, para não sair da materialidade, a Ciência é sempre infalível em suas demonstrações? Não se viu tantas vezes dar como verdades o que mais tarde se reconheceu serem erros e vice-versa? Não foi em nome da Ciência que o sistema de Fulton foi declarado uma quimera? Antes de conhecer a lei da gravitação, não a demonstrou cientificamente que não podia haver antípodas[2]?

Antes de conhecer a da eletricidade, não demonstrou por a + b que não existia velocidade capaz de transmitir um despacho a quinhentas léguas em alguns minutos?

Tinha-se experimentado muito a luz e, no entanto, há poucos anos ainda, quem teria suspeitado os prodígios da fotografia? Contudo, não foram os cientistas oficiais que fizeram essa prodigiosa descoberta, como não fizeram as do telégrafo elétrico, nem das máquinas a vapor. Ainda hoje conhece a Ciência todas as leis da Natureza? Sabe todos os recursos que podem ser tirados das leis conhecidas? Quem ousaria dizê-lo? Não é possível que um dia o conhecimento de novas leis torne a vida extracorpórea tão evidente, tão racional, tão inteligível quanto a dos antípodas? Um tal resultado, pondo termo a todas as incertezas, seria então para desdenhar? Seria menos importante para a Humanidade do que a descoberta de um novo continente, de um novo planeta, de um novo engenho de destruição? Pois bem! Esta hipótese tornou-se realidade; é ao Espiritismo que a devemos, e é graças a ele que tanta gente, que acreditava morrer para sempre, agora está certa de viver sempre.

Falamos da força de gravitação, desta força que rege o Universo, desde o grão de areia até os mundos. Mas, quem a viu? Quem a pôde seguir e analisar? Em que consiste? Qual a sua natureza, sua causa primeira? Ninguém o sabe e, contudo, ninguém hoje dela duvida. Como reconheceram? Por seus efeitos; dos efeitos concluíram a causa. Fez-se mais: calculando a força dos efeitos, calculou-se a força da causa, que jamais foi vista. Dá-se o mesmo com Deus e a vida espiritual, que também se julga por seus efeitos, conforme o axioma:

 

Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito.

 

Crer em Deus e na vida espiritual não é, pois, uma crença puramente gratuita, mas o resultado de observações, tão positivas quanto as que fizeram crer na força da gravitação.

Depois, em falta de provas materiais, ou concorrentes a estas, não admite a filosofia as provas morais que, por vezes, têm tanto ou mais valor que as outras? Vós, que não tomais por verdade senão o que está provado materialmente, que diríeis se, sendo injustamente acusado de um crime, cujas aparências fossem todas contra vós, como se vê com frequência na justiça, os juízes não levassem em nenhuma conta as provas morais que vos fossem favoráveis? Não seríeis os primeiros a invocá-las? A fazer valer sua preponderância sobre efeitos puramente materiais, que podem criar uma ilusão? A provar que os sentidos podem iludir o mais clarividente? Se, pois, admitis que as provas morais devem pesar na balança de um julgamento, não seríeis consequentes convosco mesmo negando seu valor quando se trata de formar uma opinião sobre as coisas que, por sua natureza, escapam à materialidade.

Que de mais livre, de mais independente, de menos perceptível por sua própria essência, do que o pensamento? E, contudo, eis uma escola que pretende emancipá-lo, subjugando-o à matéria; que avança, em nome da razão, que o pensamento circunscrito sobre as coisas terrenas é mais livre que a que se atira no infinito e quer ver além do horizonte material! Tanto valeria dizer que o prisioneiro, que só pode dar alguns passos em sua cela, é mais livre que o que corre os campos. Se não sois livre para crer nas coisas do mundo espiritual, que é infinito, o sois cem vezes menos, vós que vos circunscreveis no estreito limite do tangível, que dizeis ao pensamento: Não sairás do círculo que te traçamos; e se dele saíres, declaramos que não és mais pensamento são, mas a loucura, a tolice, o contrassenso, porque só a nós cabe discernir o falso do verdadeiro.

A isto responde o espiritualismo: Nós formamos a imensa maioria dos homens, dos quais sois apenas a milionésima parte. Com que direito vos atribuís o monopólio da razão? Dizeis que quereis emancipar nossas ideias impondo-nos as vossas? Mas não nos ensinais nada; sabemos o que sabeis; cremos sem restrição em tudo que credes: na matéria e no valor das provas tangíveis, e mais que vós: em algo fora da matéria; numa força inteligente, superior à Humanidade; em causas inapreciáveis pelos sentidos, mas perceptíveis pelo pensamento; na perpetuidade da vida espiritual, que limitais à duração da vida do corpo. Nossas ideias são, pois, infinitamente mais largas que as vossas; enquanto circunscreveis vosso ponto de vista, o nosso abarca horizontes sem limites. Como aquele que concentra o pensamento sobre uma determinada ordem de fatos, que põe um ponto de parada em seus movimentos intelectuais, em suas investigações, pode pretender emancipar aquele que se move sem entraves, e cujo pensamento sonda as profundezas do infinito? Restringir o campo de exploração do pensamento é restringir a liberdade, e é o que fazeis.

Dizeis ainda que quereis arrancar o mundo ao jugo das crenças dogmáticas. Fazeis, ao menos, uma distinção entre suas crenças? Não, porque confundis na mesma reprovação tudo quanto não é do domínio exclusivo da Ciência, tudo quanto não se vê pelos olhos do corpo, numa palavra, tudo que é de essência espiritual, por conseguinte Deus, a alma e a vida futura. Mas se toda crença espiritual é um entrave à liberdade de pensar, dá-se o mesmo com toda crença material; aquele que crê que uma coisa é vermelha, porque a vê vermelha, não é livre de julgá-la verde. Desde que o pensamento é detido por uma convicção qualquer, já não é livre. Para ser consequente com a vossa teoria, a liberdade absoluta consistiria em nada crer, nem mesmo em sua própria existência, porque isto seria ainda uma restrição. Mas, então, em que se tornaria o pensamento?

Encarado deste ponto de vista, o livre-pensamento seria um contrassenso. Ele deve ser entendido num sentido mais largo e mais verdadeiro, isto é, do livre uso que se faz da faculdade de pensar, e não de sua aplicação a uma ordem qualquer de ideias. Consiste não em crer numa coisa, em vez de outra, nem em excluir tal ou qual crença, mas na liberdade absoluta da escolha das crenças. É, pois, abusivamente que alguns deles fazem aplicação exclusiva às ideias antiespiritualistas. Toda opinião racional, que não é imposta nem subjugada cegamente à de outrem, mas que é voluntariamente adotada em virtude do exercício do raciocínio pessoal, é um pensamento livre, quer seja religioso, político ou filosófico.

Em sua acepção mais vasta, o livre-pensamento significa: livre-exame, liberdade de consciência, fé raciocinada; simboliza a emancipação intelectual, a independência moral, complemento da independência física; não quer mais escravos do pensamento, pois o que caracteriza o livre-pensador é que este pensa por si mesmo, e não pelos outros; em outros termos, sua opinião lhe é própria. Assim, pode haver livres-pensadores em todas as opiniões e em todas as crenças. Neste sentido, o livre-pensamento eleva a dignidade do homem, dele fazendo um ser ativo, inteligente, em vez de uma máquina de crer.

No sentido exclusivo que alguns lhe dão, em vez de emancipar o espírito, restringe a sua atividade, fazendo-o escravo da matéria. Os fanáticos da incredulidade fazem num sentido o que os fanáticos da fé cega fazem em outro. Então estes dizem: Para ser segundo Deus é preciso crer em tudo o que cremos; fora de nossa fé não há salvação. Os outros dizem: Para ser segundo a razão, é preciso pensar como nós, não crer senão no que cremos; fora dos limites que traçamos à crença, não há liberdade, nem bom-senso, doutrina que se formula por este paradoxo: Vosso espírito só é livre com a condição de não crer no que quer, o que significa para o indivíduo: Tu és o mais livre de todos os homens, desde que não vás mais longe do que a ponta da corda à qual te amarramos.

Certamente não contestamos aos incrédulos o direito de não crer em coisa alguma além da matéria; mas hão de convir que há singulares contradições na sua pretensão em se atribuir o monopólio da liberdade de pensar.

Dissemos que pela qualidade do livre-pensador, certas pessoas procuram atenuar o que a incredulidade absoluta tem de repulsivo para a opinião das massas. Com efeito, suponhamos que um jornal se intitule abertamente: O Ateu, O Incrédulo, O Materialista; pode-se julgar da impressão que este título deixaria no público. Mas se abrigar as mesmas doutrinas sob a capa de Livre-pensador, dirão a esta insígnia: É a bandeira da emancipação moral; deve ser a da liberdade de consciência e, sobretudo, da tolerância. Vejamos. Vê-se que nem sempre é preciso reportar-se à etiqueta.

Aliás, seria erro aterrorizar-se além da medida com as consequências de certas doutrinas; momentaneamente podem seduzir certos indivíduos, mas jamais seduzirão as massas, que a elas se opõem por instinto e por necessidade. É útil que todos os sistemas venham à luz, a fim de que cada um possa julgar o lado forte e o fraco e, em virtude do direito de livre-exame, possa adotá-los ou rejeitá-los com conhecimento de causa. Quando as utopias tiverem sido vistas em ação e quando tiverem provado a sua impotência, cairão para não mais se erguer. Por seu próprio exagero, agitam a sociedade e preparam a renovação. Ainda nisto está o sinal dos tempos.

O Espiritismo é, como pensam alguns, uma nova fé cega, que substituiu outra fé cega? Em outras palavras, uma nova escravidão do pensamento sob nova forma? Para crê-lo, é preciso ignorar os seus primeiros elementos. Com efeito, o Espiritismo estabelece como princípio que antes de crer é preciso compreender. Ora, para compreender é necessário que se faça uso do raciocínio; eis por que ele procura dar-se conta de tudo antes de admitir alguma coisa, a saber, o porquê e o como de cada coisa. É por isso que os espíritas são mais cépticos do que muitos outros, em relação aos fenômenos que escapam do círculo das observações habituais. Não se baseia em nenhuma teoria preconcebida ou hipotética, mas na experiência e na observação dos fatos; em vez de dizer: “Crede primeiro, e depois compreendereis, se puderdes”, diz: “Compreendei primeiro, e depois acreditareis, se quiserdes”. Não se impõe a ninguém; diz a todos: “Vede, observai, comparai e vinde a nós livremente, se isto vos convém”. Falando assim, ele entra com grande chance no número dos concorrentes. Se muitos vão a ele, é porque satisfaz a muitos, mas ninguém o aceita de olhos fechados. Aos que não o aceitam, ele diz: “Sois livres e não vos quero; tudo o que vos peço é que me deixeis minha liberdade, como vos deixo a vossa. Se procurais me excluir, temendo que vos suplante, é que não estais muito seguros de vós”.

Não procurando o Espiritismo afastar nenhum dos concorrentes na liça aberta às ideias que devem prevalecer no mundo regenerado, está nas condições do verdadeiro livre-pensamento; não admitindo nenhuma teoria que não seja fundada na observação, está, ao mesmo tempo, nas do mais rigoroso positivismo; enfim, tem sobre seus adversários das duas extremadas opiniões contrárias, a vantagem da tolerância.

Nota – Algumas pessoas nos censuraram as explicações teóricas que, desde o princípio, temos procurado dar dos fenômenos espíritas. Essas explicações, baseadas numa observação atenta, remontando dos efeitos à causa, provavam, por um lado, que queríamos nos dar conta, e não crer cegamente; por outro lado, que queríamos fazer do Espiritismo uma ciência de raciocínio, e não de credulidade. Por estas explicações, que o tempo desenvolveu, mas que consagrou em princípio, porque nenhuma foi contraditada pela experiência, os espíritas creram porque compreenderam, e não há dúvida de que é a isto que se deve atribuir o aumento rápido do número de adeptos sérios. É a estas explicações que o Espiritismo deve o ter saído do domínio do maravilhoso, e de se ter ligado às ciências positivas; por elas demonstrou aos incrédulos que não é uma obra da imaginação; sem elas ainda estaríamos por compreender os fenômenos que surgem diariamente. Era urgente estabelecer o Espiritismo, desde o começo, no seu verdadeiro terreno. A teoria fundada sobre a experiência foi o freio que impediu a incredulidade supersticiosa, tanto quanto a malevolência, de desviá-lo de sua rota. Por que os que nos censuram por havermos tomado esta iniciativa, não a tomaram eles mesmos?



[1] Revista Espírita – Fevereiro/1867 – Allan Kardec

[2] Que ou o que constitui o oposto de algo. Contrário.

segunda-feira, 29 de março de 2021

BOANERGES VIEIRA[1]

 


Nasceu em 14 de maio de 1920, na cidade de Campinas, em São Paulo. Sua família era de origem católica, por isso sua formação religiosa deu-se na infância e adolescência também dentro do catolicismo.

Chegando à idade adulta, engajou-se no serviço militar, de onde só saiu para a reserva, como 1º Tenente. Nas idas e vindas que a vida militar proporciona, o Tenente Boanerges foi transferido para a cidade da Lapa-PR. Em 1948, sem ainda conhecer o Espiritismo, foi vítima de obsessão que, intensificada, provocava-lhe ideias de suicídio.

Foi dentro desse tormento mental que um amigo, também militar, lhe indicou o Centro Espírita. Ele, então, procurou o recurso do passe, que lhe aliviou a angústia momentaneamente, para recomeçar em seguida. Procurou novamente o passe e mais uma vez identificou a melhora.

Então, os livros de Allan Kardec chegaram a suas mãos. Estudou com afinco. Mais tarde, recebeu uma mensagem do plano espiritual de que precisava se preparar, pois Jesus lhe enviaria tarefas. Foi o suficiente para mergulhar com maior afinco no estudo da Codificação Espírita e se tornar espírita.

Transferido pelo Exército, para a cidade de Castro, logo procurou o Centro Espírita da cidade. Encontrou um ambiente simples, com companheiros também muito simples e sem conhecimento. O grupo estava se desfazendo, mas com a sua participação, novos ânimos nasceram, e o Presidente da época resolveu, depois de alguns meses, entregar a Direção da Casa a Boanerges, confiante no potencial daquele jovem de apenas 29 anos.

Desde 1954 até 2006, quando desencarnou, Boanerges esteve no trabalho no Centro Espírita Jesus Perante a Cristandade, de Castro. Fundou, em 1972, em Castro, o Lar Mariliana Barbosa, para senhoras em risco social e, em 1996, a Casa da Esperança, instituição com oficinas profissionalizantes.

Era disciplinado, dedicado. Viu gerações nascerem, crescerem e, para muitos foi mestre, mentor, conselheiro, muitas vezes o Pai, o Irmão. Era carinhosamente chamado de Avô Boanerges pelas crianças da evangelização e de Paizão pelos que com ele conviveram por tanto tempo.

Boanerges partiu para a vida espiritual, no dia 1º de agosto de 2006.

sábado, 27 de março de 2021

BONS PENSAMENTOS[1]

 

Nilton Moreira

 

Procuramos dias melhores. Que tudo aconteça positivamente com um final feliz para todos que nos cercam, principalmente para aqueles que amamos. Para tanto, tem uma gama de pessoas que procuram nos locais religiosos, templos, igrejas, capelas a harmonia almejada, outros procuram ajuda indo consultar-se com pessoas que se propõem trazer soluções rápidas e até num estalar de dedos. Tem aquelas que vão a ambiente de relaxamento para conseguir alívio para as tensões, enquanto que outros vão para retiros espirituais e até isolam-se do mundo por muito tempo em meditação profunda.

Tudo isso são medidas que realmente mexem com o psíquico e de fato podem trazer alguma melhora, pois acima de tudo está nossa mente que tem poder de fazer com que a matéria orgânica que é nosso corpo, produza substâncias que vão proporcionar melhora e bem estar geral.

Nossa mente está mergulhada nas ondas hertzianas e quando emitimos pensamentos bons, salutares, vibramos numa frequência onde se encontra esse tipo de energia e, é nesse ambiente invisível que também estão envoltos os Benfeitores Espirituais de maior elevação. Os Espíritos amigos que quando permitimos em razão de nossa conduta, entrem em contato conosco nos intuindo e ajudando na solução de melhores dias.

Jesus nas suas exemplificações dizia que “pedi e obtereis, busca e acharás”. Devemos fazer tudo que é possível para nossa melhoria e se empreendermos toda força possível para fazer merecer o que almejamos, realmente haverá mudanças.

Mas devemos também considerar que nem tudo que buscarmos ou pedirmos nos será concedido efetivamente, pois que Deus só permite que algo aconteça da maneira que realmente queremos quando merecemos ou se esse algo possibilitará nosso crescimento moral. Não raro o que pedimos não é bom para nós ali adiante e como somos ainda imperfeitos perante o Criador, sempre desejamos que as coisas se processem da maneira mais cômoda, e geralmente esta não é a visão que Ele tem para conosco.

Certo é que ao emitirmos bons pensamentos e termos uma vida comprometida com o comportamento mais correto possível, vamos canalizar energias necessárias que vão melhorar a saúde do nosso corpo físico e harmonizar nosso corpo astral, ocasionando agrado a Deus.

Quanto mais nos elevarmos nos ensinamentos espirituais, menos nos incomodarão as imperfeições materiais da Terra.

 

Energia a todos.

 

Artigo da Semana - Estrada Iluminada

Fonte: Espirit Book



[1] https://gecasadocaminhosv.blogspot.com/2021/03/bons-pensamentos-nilton-moreira.html

sexta-feira, 26 de março de 2021

LUTO NA INFÂNCIA - O SOFRIMENTO DA CRIANÇA[1]

 

Cristiane de Carvalho Neves - Psicóloga Especialista em Luto

 

Pouco se sabe sobre o luto na infância. Comumente nos perguntamos: A criança fica enlutada? Como se manifesta o luto na criança? A criança sofre pela perda como o adulto? Alguns adultos têm dificuldades em perceber a criança enquanto um ser em desenvolvimento e em outro formato de pensar e agir no mundo. Na situação de perda por morte ou por abandono/negligência, como a criança é dependente do adulto para sua sobrevivência física e psíquica, ela tende a se sentir ameaçada ou em perigo e se pergunta: “Quem vai cuidar de mim agora”? Essa é a dimensão do luto que a criança vive, um tanto diferente da complexidade do luto adulto.

É muito importante compreendermos que a criança também vivencia o luto, pois ela sente a dor das suas perdas, e atentarmos à suas necessidades, inclusive práticas, como por exemplo, providenciar que ela continue com a sua rotina de escola, cuidados com higiene, alimentação e hora de dormir. Muitas vezes, em função de a criança manifestar sua dor de forma diferente do adulto, este entende que ela não está sofrendo, o que não é verdade! Podemos identificar sofrimento na criança quando ela se isola e evita o brincar, quando fica mais chorosa, tem pesadelos, quando luta contra o sono, quando há expressão de raiva, irritação, medo e culpa mais intensos.

Quando há um luto por morte na família, sempre orientamos a família a tratar o assunto com transparência e verdade. Contar o fato à criança de forma breve, sem detalhes dramáticos da causa da morte. Não utilizar metáforas, como por exemplo, dizer que a pessoa está descansando. Contando a verdade, você diz para a criança que é possível lidar com a morte de um ente querido, sobreviver a esta perda e que ela não está só na sua dor. Após contar para a criança sobre a perda, é muito importante deixá-la falar o que pensa e sente a respeito, assim como também, responder a qualquer outra pergunta que ela fizer. A criança acima de 4 anos, deve ser perguntada se quer ir ou não ao velório para se despedir daquela pessoa da família que morreu, e com a qual, a criança tinha apego. E não deve ser forçada a nada, por exemplo, a chegar perto do caixão.

Seja em situações de separações por morte ou temporárias, a raiva e a agressividade são reações comuns no período de luto da criança. Entretanto, ao contrário do que acreditamos, a raiva funciona no sentido de promover a ligação com a pessoa perdida. Se esta raiva for intensificada, torna-se disfuncional e isto, geralmente, acontece em crianças e adolescentes que sofreram repetidas separações e são expostos a constantes ameaças de abandono. A ameaça de perda de um vínculo afetivo gera sentimentos de ansiedade; e a perda real gera medo, tristeza e angústia. Podemos constatar que as pessoas angustiadas e medrosas, em geral, tiveram experiência familiar marcada por perdas, conflitos e a incerteza do apoio dos pais ou cuidadores.

Das situações mais amedrontadoras que podemos sentir em toda a nossa vida, a experiência de não acesso a nossa figura de apego, ou seja, não poder contar com o nosso cuidador quando criança, é a experiência que mais gera medo intenso e que fica registrada na nossa mente. Quando esta figura de apego – pai, mãe, cuidador – se encontra indisponível afetivamente, mesmo que esteja presente, a criança estará mais sujeita ao medo intenso e crônico. Portanto, essa figura de apego precisa estar disponível para proteger e confortar a criança para que ela se desenvolva saudavelmente e consiga lidar com as suas experiências de perdas.

 

Fonte: Medicina e Espiritualidade

quinta-feira, 25 de março de 2021

PROGRESSO NO MUNDO TRANSITÓRIO[1]

 

Miramez

 

Os mundos transitórios são, por sua natureza especial, perpetuamente destinados aos Espíritos errantes?

‒ Não, sua posição é apenas temporária.

a. São eles ao mesmo tempo habitados por seres corpóreos?

‒ Não, sua superfície é estéril. Os que os habitam não precisam de nada.

b. Essa esterilidade é permanente e se liga à sua natureza especial?

‒ Não; são estéreis transitoriamente.

c. Esses mundos seriam, então, desprovidos de belezas naturais?

‒ A Natureza se traduz pelas belezas da imensidade, que não são menos admiráveis do que as que chamais belezas naturais.

d. Sendo transitório o estado desses mundos, a Terra terá um dia de estar entre eles?

‒ Já esteve.

e. Em que época?

‒ Durante a sua formação.

 

Nada existe de inútil na Natureza: cada coisa tem a sua finalidade, a sua destinação; nada é vazio, tudo é habitado, a vida se expande por toda parte. Assim durante a longa série de séculos que se escoou antes da aparição do homem sobre a Terra durante os lentos períodos de transição atestados pelas camadas geológicas, antes mesmo da formação dos primeiros seres orgânicos, sobre essa massa informe, nesse árido caos em que os elementos se confundiam não havia ausência de vida. Seres que não tinham as nossas necessidades, nem as nossas sensações físicas, ali encontravam refúgio. Deus quis que, mesmo nesse estado imperfeito, ela servisse para alguma coisa. Quem, pois, ousaria dizer que entre os bilhões de mundos que circulam na imensidade apenas um, e um dos menores, perdido na multidão, teve o privilégio exclusivo de ser povoado? Qual seria a utilidade dos outros? Deus os teria feito só para recrear os nossos olhos?

Suposição absurda, incompatível com a sabedoria que brilha em todas as suas obras, inadmissível quando se pensa em todas as que não podemos perceber. Ninguém poderá negar que há, nesta ideia dos mundos ainda impróprios para a vida material e, entretanto povoados de seres apropriados ao seu estado, alguma coisa de grande e sublime, onde talvez se encontre a solução de muitos problemas. (Allan Kardec)

Questão 236/O Livro dos Espíritos

 

Deus, na sua grandiosidade e sendo a Inteligência Suprema do Universo, não iria criar os mundos somente para Sua satisfação e dos Espíritos; todos eles têm sua missão em variados esquemas que o progresso aciona.

Os mundos transitórios, que recebem Espíritos de todas as naturezas, evoluem com as almas que nele habitam temporariamente. Nada estaciona; há leis para governar tudo que existe na criação.

Os Espíritos errantes habitam mundos nos quais, por vezes, permanecem em Espírito, visto que essas casas do universo ainda não se encontram com capacidade para lhes fornecer corpos materiais. Somente com a marca do tempo e as bênçãos do Criador eles vão se preparando gradativamente para tal empreendimento. É, pois, a Geena[2] tanto falada nos livros sagrados, capaz de educar as almas, ou dar algum toque de transformação aos Espíritos endurecidos. São escolas divinas, na dignidade do amor.

No entanto, nada no universo tem somente uma utilidade; existem mundos habitados por uma gama de Espíritos inferiores, onde eles tomam corpos materiais para se educarem com mais eficiência. Como exemplo, mostramos a Terra: aí estão inúmeros desses Espíritos aos quais se pode reconhecer pelos seus atos e pelas suas paixões desenfreadas, principalmente nestes fins de tempos apocalípticos.

Basta um pouco de razão, para que se possa cientificar dessas verdades anunciadas. Vários planetas, que descrevem a órbita solar, são mundos que não têm condições de fornecer corpos materiais para os Espíritos, porém se prestam como presídios onde a justiça cobra de todos as reações aos seus feitos em outras casas planetárias.

As condições de todos os mundos são temporárias, como as condições íntimas de todos os Espíritos, porque constantemente estamos mudando de costumes, exigidos pelo progresso.

Somente Deus tem uma estabilidade. Ele foi, é e será sempre o mesmo, naquilo que D'ele conhecemos.

Não existe acídia em nenhum dos mundos, nem nas coisas criadas; tudo se encontra em pleno cinetismo, porque a vida é movimento constante.

Os mundos, tanto na sua formação como na sua decadência, servem como hospedaria para os Espíritos retardatários, como oportunidade de educação e corrigenda.

Nada que existe se encontra na inutilidade, por ser Deus a inteligência das inteligências e ser onisciente das Suas criações. O Cristo de Deus, Governador da Terra, que assistiu a sua formação, está sempre presente e consciente das suas transformações, observando passo a passo o que pode mudar, porque, o que não deve ser, imediatamente será transformado. Não se deve, portanto, temer a destruição total do planeta, pois isso somente acontece na ideia dos homens que vivem no clima de um pária subjugados pelo desânimo e ainda se esforçando para tirar da mente a vida que continuam a viver.

Jesus se encontra na direção do nosso planeta, e Ele sabe o que fazer com os cientistas na direção do nosso planeta, de certos recursos da natureza para alarmarem as consciências que trabalham para a paz dos povos. E o Evangelho é o antídoto de todas essas forças negativas, bem como portador dos meios de fazer da Terra o paraíso onde todos devem alcançar a felicidade, até mesmo os que nela não creem. Os mundos habitados são escolas de Deus, para a libertação das almas.



[1] Filosofia Espírita – Volume 5 – João Nunes Maia

 

[2] Lugar de tormentos; Inferno; (figurado) Sofrimento, dor, tortura.

quarta-feira, 24 de março de 2021

APARIÇÕES NO MOMENTO DA MORTE I[1]

 

José Lucas – Óbidos – Leiria – Portugal

 

Momentos antes de morrer, muitas pessoas alegam ver junto de si seres conhecidos, familiares e amigos, também já falecidos. Estes estudos têm tido o interesse de muitos pesquisadores. Iremos iniciar uma série de artigos sobre este assunto. Não perca!

Ernesto Bozzano (1861-1943) foi um dos mais eruditos sábios dos últimos tempos. Foi um famoso escritor italiano, mundialmente conhecido pelas excelentes obras espíritas legadas ao mundo, através de suas investigações. Uma de suas pesquisas denomina-se “Fenómenos Psíquicos no Momento da Morte” e relata muitos casos confirmados e catalogados de pessoas que tiveram contacto visual com seres conhecidos, familiares, amigos, todos eles já falecidos e que viriam então “buscá-los” para a sua nova vida. Factos muito interessantes que acontecem amiúde, e que os mais desavisados facilmente consideram ser apenas uma alucinação visual, não dando a menor importância aos mesmos.

Ao longo dos próximos artigos iremos dissecar, neste espaço, algumas das nuanças existentes neste tipo de fenómenos psíquicos, no momento da morte do corpo físico.

Ensina-nos o Espiritismo (ver O Livro dos Espíritos de Allan Kardec) que as pessoas, quando o corpo físico se vai deteriorando ao ponto de não mais suportar a vida no planeta Terra, começam a desligar-se naturalmente, passo a passo, desse mesmo corpo.

 

... é possível aos falecidos (chamados de desencarnados,

isto é, fora do corpo de carne) tornarem-se visíveis

perante nós encarnados, isto é, ainda no corpo de carne.

 

Sendo o ser humano um espírito eterno, que tem temporariamente um corpo físico, esse ser volta um dia para o mundo espiritual, continuando aí a viver em várias cidades e organizações existentes nesse mesmo mundo espiritual, mas agora, vivendo com o corpo espiritual (denominado de perispírito), que é uma espécie de duplicação do corpo físico, só que em outro estado da matéria.

Nesse sentido, e por um processo de “condensação” molecular desse mesmo corpo espiritual, é possível aos falecidos (chamados de desencarnados, isto é, fora do corpo de carne) tornarem-se visíveis perante nós encarnados, isto é, ainda no corpo de carne. É o que acontece amiúde com pessoas que se encontram em estado de doença prolongada, e que vão assim desligando-se paulatinamente do corpo físico, estando por vezes, no momento da morte, mais “do lado de lá” do que “no lado de cá”, como é usual dizer-se. Essas pessoas, descrevem seres conhecidos já falecidos, que estão ao seu lado, amistosamente, e relatam muitas vezes suas conversas com esses mesmo seres, podendo inclusive prever com alegria o momento da morte do corpo físico.

 

Um caso pessoal

Recordo-me de um caso curioso que aconteceu na minha família. A minha avó materna, excelente pessoa com quem tinha muita afinidade, já bastante idosa, entrou em estado de doença. Sendo diabética, poder-se-ia no entanto dizer que a sua doença seria aquilo a que comumente se designa de velhice. Acamada, e com os extremados zelos da minha mãe, diariamente inteirava-me do seu estado de saúde. Um dia, a minha mãe, muito preocupada, veio dizer-me que a minha avó começara a delirar, isto é, que ao acordar de manhã, falava como se estivesse em outra casa, dizendo que queria ir para a sua casa (onde se encontrava acamada), e relatando com extrema felicidade que o seu marido bem como seus pais (já falecidos), estavam muito luminosos, felizes, e que estavam ali com ela. Depois, com o passar dos minutos lá se apercebia que estava em sua casa, realmente. Neófito no Espiritismo, informei a minha genitora que era muito comum isso acontecer às pessoas que estão para desencarnar (falecer), e que se fosse preparando para o desenlace, pois tudo indicaria que assim acontecesse. De facto, passadas três semanas de consecutivos relatos diários de visitas dos familiares já falecidos, minha avó acabou por desencarnar em muita paz e serenidade.

No próximo artigo, continuaremos com este tema, abordando pesquisas científicas nesta área levadas a cabo pelo genial Ernesto Bozzano.

terça-feira, 23 de março de 2021

OLHAR RETROSPECTIVO SOBRE O MOVIMENTO ESPÍRITA[1]

 

Ser espírita é ser livre pensador

Allan Kardec

 

Não resta dúvida a ninguém, tanto para os adversários quanto para os partidários do Espiritismo, que esta questão, mais que nunca, agita os espíritos. Será esse movimento um fogo de palha, como alguns fingem dizer? Mas esse fogo de palha já dura quinze anos e, em vez de se extinguir, sua intensidade só faz aumentar de ano para ano. Ora, não é este o caráter das coisas efêmeras e que só se dirigem à curiosidade. O último levante com que esperavam sufocá-lo apenas o reavivou, superexcitando a atenção dos indiferentes. A tenacidade desta ideia nada tem que possa surpreender quem quer que haja sondado a profundidade e a multiplicidade das raízes pelas quais se liga aos mais graves interesses da Humanidade. Os que se admiram apenas viram a superfície; a maioria só o conhece de nome, mas não lhe compreendem o objetivo, nem o alcance.

Se uns combatem o Espiritismo por ignorância, outros o fazem precisamente porque lhe sentem toda a importância, pressentem o seu futuro e nele veem um poderoso elemento regenerador. Há que se persuadir de que certos adversários estão perfeitamente convertidos. Se estivessem menos convencidos das verdades que ele encerra, não lhe fariam tanta oposição. Sentem que o penhor de seu futuro está no bem que faz. Fazer ressaltar esse bem aos seus olhos, longe de acalmá-los, é aumentar a causa de sua irritação. Tal foi, no século XV, a numerosa classe de escritores copistas, que de bom grado teriam queimado Gutemberg e todos os impressores. Não seria demonstrando os benefícios da imprensa, que os ia suplantar, que os teria apaziguado.

Quando uma coisa está certa e é chegado o tempo de sua eclosão, ela marcha a despeito de tudo. A força de ação do Espiritismo é atestada por sua persistente expansão, malgrado os poucos esforços que faz para se expandir. Há um fato constante: os adversários do Espiritismo consumiram mil vezes mais forças para abatê-lo, sem o conseguir, do que seus partidários para propagá-lo. Ele avança, por assim dizer, só, semelhante a um curso d’água que se infiltra através das terras, abre uma passagem à direita, se o barram à esquerda, e pouco a pouco mina as pedras mais duras, acabando por fazer desabarem montanhas.

Um fato notório é que, em seu conjunto, a marcha do Espiritismo não sofreu nenhuma interrupção; ela pôde ser entravada, reprimida, retardada em algumas localidades por influências contrárias; mas, como dissemos, a corrente, barrada num ponto, aparece em cem outros; em vez de correr em abundância, divide-se numa porção de filetes. Entretanto, à primeira vista, dir-se-ia que sua marcha é menos rápida do que foi nos primeiros anos. Deve-se concluir que o abandonam? Que encontra menos simpatia? Não; mas simplesmente que o trabalho que ele realiza neste momento é diferente e, por sua natureza, menos ostensivo.

Como já dissemos, desde o começo o Espiritismo ligou a si todos os homens nos quais estas ideias estavam, de certo modo, no estado de intuição. Bastou-lhe apresentar-se para ser compreendido e aceito. Imediatamente recolheu por toda parte onde encontrou o terreno preparado. Uma vez feita essa primeira colheita, restavam os terrenos incultos, que reclamavam mais trabalho. É agora através das opiniões refratárias que se deve fazer a luz, e é o período em que nos encontramos. Semelhante ao mineiro que retira sem esforço as primeiras camadas de terra móvel, chegou à rocha que é preciso rebentar e no seio da qual só pouco a pouco pode penetrar. Mas não há rocha, por mais dura que seja, que resista indefinidamente a uma ação dissolvente contínua.

Sua marcha é, pois, ostensivamente menos rápida, mas se, num dado tempo, não congrega tão grande número de adeptos francamente confessos, não abala menos as convicções contrárias, que caem, não de um golpe, mas pouco a pouco, até que a brecha esteja feita. É o trabalho a que assistimos, e que marca a fase atual do progresso da doutrina.

Esta fase é caracterizada por sinais inequívocos.

Examinando a situação, torna-se evidente que a ideia ganha terreno diariamente e se aclimata; encontra menos oposição; riem menos e os mesmos que ainda não a aceitam, começam a lhe conceder foros de cidadania entre as opiniões. Os espíritas já não são mostrados a dedo, como outrora, e vistos como animais curiosos; é o que constatam sobretudo os que viajam. Por toda parte encontram mais simpatia ou menos antipatia pela coisa. Não se pode negar que não haja nisto um progresso real.

Para compreender as facilidades e as dificuldades que o Espiritismo encontra em seu caminho, há que se observar a diversidade das opiniões, através das quais deve abrir passagem.

Jamais se impondo pela força ou pelo constrangimento, mas só pela convicção, ele encontrou uma resistência mais ou menos grande, conforme a natureza das convicções existentes, com as quais podia assimilar-se mais ou menos facilmente, sendo recebido de braços abertos por umas, e repelido com obstinação por outras.

Duas grandes correntes de ideia dividem a sociedade atual: o espiritualismo e o materialismo. Embora este último forme uma incontestável minoria, não se pode esconder que tomou grande extensão desde alguns anos. Um e outro se fracionam numa porção de nuanças, que se podem resumir nas principais categorias seguintes:

 

1º – Os fanáticos de todos os cultos. – 0.

2º – Os crentes satisfeitos, com convicções absolutas, fortemente decididos e sem restrições, embora sem fanatismo, sobre todos os pontos do culto que professam e com o qual estão satisfeitos. Esta categoria também compreende as seitas que, por terem aberto cisão e operado reformas, se julgam de posse de toda a verdade e, por vezes, são mais absolutas do que as religiões-mãe. – 0.

3º – Os crentes ambiciosos, inimigos das ideias emancipadoras, que lhes poderiam fazer perder o ascendente que exercem sobre a ignorância. – 0.

4º – Os crentes pela forma que, por interesse, simulam uma fé que não têm, e quase sempre se mostram mais rígidos e mais intolerantes que as religiões sinceras. – 0.

5º – Os materialistas por sistema, que se apoiam numa teoria racional e na qual muitos se obstinariam contra a evidência, por orgulho, para não confessar que puderam enganar-se; são, em maioria, tão absolutos e intolerantes em sua incredulidade quanto os fanáticos religiosos em sua crença. – 0.

6º – Os sensualistas, que repelem as doutrinas espiritualistas e espíritas, temerosos de que elas os venham perturbar em seus prazeres materiais. Fecham os olhos para não ver. – 0.

7º – Os indiferentes, que só vivem para o hoje, sem se preocupar com o futuro. Em sua maior parte não saberiam dizer se são espiritualistas ou materialistas. Para eles o presente é a única coisa séria. – 0.

8º – Os panteístas, que não admitem uma divindade pessoal, mas um princípio espiritual universal, no qual se confundem as almas, como as gotas no oceano, sem conservarem a sua individualidade. Esta opinião é um primeiro passo para a espiritualidade e, por conseguinte, um progresso sobre o materialismo. Embora um pouco menos refratários às ideias espíritas, os que a professam são, em geral, muito absolutos, porque neles é um sistema preconcebido e racional, e muitos não se dizem panteístas senão para não se confessarem materialistas. É uma concessão que fazem às ideias espiritualistas para salvar as aparências. – 1.

9º – Os deístas, que admitem a personalidade de um Deus único, criador e soberano senhor de todas as coisas, eterno e infinito em todas as suas perfeições, mas rejeitam todo culto exterior. – 3.

10º – Os espiritualistas sem sistema, que, por convicção, não pertencem a nenhum culto, sem repelir nenhum, mas que não têm qualquer ideia fixa sobre o futuro. – 5.

11º – Os crentes progressistas, vinculados a um culto determinado, mas que admitem o progresso na religião e o acordo das crenças com o progresso das ciências. – 5.

12º – Os crentes insatisfeitos, nos quais a fé é indecisa ou nula sobre os pontos dogmáticos, que não lhes satisfazem completamente a razão, atormentada pela dúvida. – 8.

13º – Os incrédulos por falta de melhor, dos quais a maior parte passou da fé à incredulidade e à negação de tudo, por não terem encontrado, nas crenças com que foram embalados, uma sanção satisfatória para a sua razão, mas nos quais a incredulidade deixa um vazio penoso. Seriam felizes se pudessem enchê-lo. – 9.

14º – Os livres-pensadores, nova denominação pela qual se designam os que não se sujeitam à opinião de ninguém em matéria de religião e de espiritualidade, que não se julgam atrelados pelo culto em que o nascimento os colocou sem o seu consentimento, nem obrigados à observação de práticas religiosas quaisquer. Esta qualificação não especifica nenhuma crença determinada; pode aplicar-se a todas as nuanças do espiritualismo racional, tanto quanto à mais absoluta incredulidade. Toda crença eclética pertence ao livre-pensamento; todo homem que não se guia pela fé cega é, por isto mesmo, livre-pensador. A este título os espíritas também são livres-pensadores.

Mas para os que podem ser chamados os radicais do livre-pensamento, esta designação tem uma acepção mais restrita e, a bem dizer, exclusiva; para estes, ser livre-pensador não é apenas crer no que vê: é não crer em nada; é libertar-se de todo freio, mesmo do temor de Deus e do futuro; a espiritualidade é um estorvo e não a querem. Sob este símbolo da emancipação intelectual, procuram dissimular o que a qualidade de materialista e de ateu tem de repulsivo para a opinião das massas e, coisa singular, é em nome desse símbolo, que parece ser o da tolerância por todas as opiniões, que atiram pedra a quem quer que não pense como eles. Há, pois, uma distinção essencial a fazer entre os que se dizem livres-pensadores, como entre os que se dizem filósofos. Eles se dividem naturalmente em: Livres-pensadores incrédulos, que entram na 5º categoria – 0; e livres-pensadores crentes, que pertencem a todas as nuanças do espiritualismo racional – 9.

15º – Os espíritas por intuição, aqueles nos quais as ideias espíritas são inatas e que as aceitam como uma coisa que não lhes é estranha. – 10.

 

Tais são as camadas de terreno que o Espiritismo deve atravessar. Lançando uma vista de olhos sobre as diferentes categorias acima, é fácil ver aquelas junto às quais ele encontra um acesso mais ou menos fácil e aquelas contra as quais se choca como a picareta contra o granito. Não triunfará destas senão com a ajuda dos novos elementos que a renovação trará à Humanidade: esta é a obra d’Aquele que dirige tudo e que faz surgirem os acontecimentos, de onde deve sair o progresso.

Os números colocados depois de cada categoria indicam aproximadamente a proporção do número de adeptos sobre 10, que cada um fornece ao Espiritismo.

Se se admitir, em média, a igualdade numérica entre estas diferentes categorias, ver-se-á que a parte refratária, por sua natureza, abrange mais ou menos a metade da população. Como ela possui a audácia e a força material, não se limita a uma resistência passiva: é essencialmente agressiva; daí uma luta inevitável e necessária. Mas esse estado de coisas não pode ter senão um tempo, porque o passado se vai e vem o futuro; ora, o Espiritismo marcha com o futuro.

É, pois, na outra metade que o Espiritismo deve ser recrutado, e o campo a explorar é bastante vasto; é aí que deve concentrar seus esforços e que verá seus limites se ampliarem.

Entretanto, esta metade ainda está longe de lhe ser inteiramente simpática; ele aí encontra resistências obstinadas, mas não insuperáveis, como na primeira, da qual a maior parte é devida a prevenções que se apagam à medida que o objetivo e as tendências da doutrina forem mais bem compreendidas, e desaparecerem com o tempo. Se nos podemos admirar de uma coisa é que, malgrado a multiplicidade dos obstáculos que ele encontra, das ciladas que lhe armam, tenha ele podido chegar em alguns anos ao ponto em que hoje se encontra.

Outro progresso não menos evidente é o da atitude da oposição. Pondo de lado os ataques violentos lançados de vez em quando por uma plêiade de escritores, quase sempre os mesmos, que em tudo só veem matéria para rir, que ririam mesmo de Deus, e cujos argumentos se limitam a dizer que a Humanidade beira à demência, muito surpreendidos de que o Espiritismo tenha marchado sem sua permissão, é raríssimo ver a doutrina posta em causa numa polêmica séria e sustentada. Em vez disto, como já fizemos notar em artigo precedente, as ideias espíritas invadem a imprensa, a literatura, a filosofia; delas se apropriam sem o confessar, razão por que se vê a todo instante surgir nos jornais, nos livros, nos sermões e no teatro pensamentos que se diriam hauridos na própria fonte do Espiritismo. Por certo seus autores protestariam contra a qualificação de espíritas, mas nem por isso sofrem menos a influência das ideias que circulam e que parecem justas. É que os princípios sobre os quais repousa a doutrina são de tal modo racionais que fermentam numa imensidão de cérebros e transparecem mal grado seu; tocam em tantas questões que, a bem dizer, é impossível entrar na via da espiritualidade sem fazer Espiritismo involuntariamente. É um dos fatos mais característicos que marcaram o ano que acaba de passar.

Disto se deve concluir que a luta acabou? Não, certamente; devemos, ao contrário e mais que nunca, nos manter em guarda, porque teremos que sustentar assaltos de outro gênero; mas, esperando que as fileiras se reforcem e que os passos à frente também sejam ganhos. Guardemo-nos de crer que certos adversários se deem por vencidos, e de tomar o seu silêncio por uma adesão tácita, ou mesmo por neutralidade. Persuadamo-nos bem de que certas pessoas, enquanto viverem, jamais aceitarão o Espiritismo, nem aberta nem tacitamente, como existem as que jamais aceitarão certos regimes políticos. Todos os raciocínios para a ele os levar são impotentes, porque não o querem a nenhum preço; sua aversão pela doutrina cresce em razão do desenvolvimento que ela toma.

Os ataques a céu aberto tornam-se mais raros, porque reconheceram a sua inutilidade; mas não perdem a esperança de triunfar com o auxílio de manobras tenebrosas. Longe de adormecer numa enganosa segurança, mais que nunca é preciso desconfiar dos falsos irmãos que se insinuam em todas as reuniões para espiar e, a seguir, deturpar o que aí se diz e se faz; que semeiam sub-repticiamente[2] elementos de desunião; que, sob a aparência de um zelo artificial e por vezes interessado, procuram empurrar o Espiritismo para fora das vias da prudência, da moderação e da legalidade; que provocam em seu nome atos repreensíveis aos olhos da lei. Não tendo conseguido torná-lo ridículo, porque, por sua essência, é uma coisa séria, seus esforços tendem a comprometê-lo, para o tornar suspeito à autoridade e provocar contra ele e seus aderentes medidas rigorosas. Desconfiemos, pois, dos beijos de Judas e dos que nos querem abraçar para nos sufocar.

É preciso imaginar que estamos em guerra e que os inimigos estão à nossa porta, prontos para aproveitar a ocasião favorável e que arrebanharão inteligências no próprio lugar.

Que fazer nesta ocorrência? Uma coisa muito simples: fechar-se nos estritos limites dos preceitos da doutrina; esforçar-se em mostrar o que ela é por seu próprio exemplo e declinar toda solidariedade com o que pudesse ser feito em seu nome e que fosse capaz de desacreditá-la, porque não seria este o caso de adeptos sérios e convictos. Não basta dizer-se espírita; aquele que o é de coração o prova por seus atos. Não pregando a doutrina senão o bem, o respeito às leis, a caridade, a tolerância e a benevolência para com todos; repudiando toda violência feita à consciência de outrem, todo charlatanismo, todo pensamento interessado no que concerne às relações com os Espíritos e todas as coisas contrárias à moral evangélica, aquele que não se afasta da linha traçada não pode incorrer em censuras fundadas, nem em perseguições legais; mais ainda: quem quer que tome a doutrina como regra de conduta, não pode senão granjear estima e consideração das pessoas imparciais. Diante do bem a própria incredulidade zombeteira se inclina e a calúnia não pode sujar o que está sem mancha. É nessas condições que o Espiritismo atravessará as tempestades que serão amontoadas em sua estrada e que sairá triunfante de todas as lutas.

O Espiritismo também não pode ser responsabilizado pelas faltas daqueles a quem agrada se dizerem espíritas, como a religião não o é pelos atos repreensíveis dos que só têm a aparência de piedade. Antes, pois, de fazer cair a censura de tais atos sobre um doutrina qualquer, seria preciso saber se ela contém alguma máxima, algum ensinamento que os possa autorizar ou até os desculpar. Se, ao contrário, ela os condena formalmente, é evidente que a falta é inteiramente pessoal e não pode ser imputada à doutrina. Mas é uma distinção que os adversários do Espiritismo não se dão ao trabalho de fazer; ao contrário, eles se sentem muito felizes por encontrar uma ocasião de desacreditá-lo com ou sem razão, não se pejando de lhe atribuir o que não lhe pertence, envenenando as coisas mais insignificantes, em vez de lhes buscar as causas atenuantes.

Desde algum tempo as reuniões espíritas vêm sofrendo certa transformação. As reuniões íntimas e de família multiplicaram-se consideravelmente em Paris e nas principais cidades, em razão mesmo da facilidade que acharam em se formar, pelo aumento do número de médiuns e de adeptos. No princípio os médiuns eram raros; um bom médium era quase um fenômeno; era, pois, natural que se agrupassem em torno dele. À medida que esta faculdade se desenvolveu, os grandes centros se fracionaram, como enxames, numa porção de pequenos grupos particulares, que encontram mais facilidade em se reunir, mais intimidade e homogeneidade em sua composição. Esse resultado, consequência da força mesma das coisas, era previsto. Desde a origem havíamos assinalado os escolhos que, inevitavelmente, deveriam encontrar as sociedades numerosas, necessariamente formadas de elementos heterogêneos, abrindo a porta às ambições e, por isto mesmo, alvo das intrigas, das cabalas, das manobras surdas da malevolência, da inveja e do ciúme, que não podem emanar de uma fonte pura. Nas reuniões íntimas, sem caráter oficial, é-se mais senhor de si, conhece-se melhor, recebe-se quem se quer; aí o recolhimento é maior e sabe-se que os resultados são mais satisfatórios.

Conhecemos bom número de reuniões deste gênero, cuja organização nada deixa a desejar. Há, pois, tudo a ganhar nessa transformação.

Além disso, o ano de 1866 viu se realizarem as previsões dos Espíritos sobre vários pontos interessantes da doutrina, entre outros sobre a extensão e os novos caracteres que devem tomar a mediunidade, bem como sobre a produção de fenômenos susceptíveis de chamar a atenção sobre o princípio da espiritualidade, embora aparentemente estranhos ao Espiritismo. A mediunidade curadora revelou-se em plena luz, nas circunstâncias mais propícias a fazer sensação; desabrocha em muitas outras pessoas. Em certos grupos manifestam-se numerosos casos de sonambulismo espontâneo, de mediunidade falante, de segunda vista e outras variedades da faculdade mediúnica que puderam fornecer úteis assuntos de estudo. Sem ser precisamente novas, essas faculdades ainda estão no nascedouro numa porção de indivíduos; só se mostram em casos isolados e, por assim dizer, se ensaiam na intimidade; mas, com o tempo, adquirirão mais intensidade e se vulgarizarão. É sobretudo quando se revelam espontaneamente em pessoas estranhas ao Espiritismo que chamam a atenção mais fortemente, pois não se pode supor conivência nem admitir a influência de ideias preconcebidas.

Limitamo-nos a assinalar o fato, que cada um pode constatar, e cujo desenvolvimento necessitaria de detalhes muito extensos. Aliás, teremos ocasião de a ele voltar, em artigos especiais.

Em resumo, se nada de muito retumbante assinalou a marcha do Espiritismo nestes últimos tempos, podemos dizer que ela prossegue nas condições normais traçadas pelos Espíritos e que só temos que nos felicitar pelo estado das coisas.



[1] Revista Espírita – Janeiro/1867 – Allan Kardec

 

[2] Fraudulentamente.