terça-feira, 15 de dezembro de 2020

PERFECTIBILIDADE DOS ESPÍRITOS[1]

 


Allan Kardec

 

(Paris, 3 de fevereiro de 1866 - Grupo do Sr. Lat... – Médium: Sr. Desliens)

 

Se, conforme o Espiritismo, os Espíritos ou almas se melhoram indefinidamente, devem tornar-se infinitamente aperfeiçoados ou puros. Chegados a esse grau, por que não são iguais a Deus? Isto não se coaduna com a justiça.

O homem é uma criatura realmente singular!

Sempre acha o seu horizonte muito limitado; quer compreender tudo, tudo captar, conhecer tudo! Quer penetrar o insondável e despreza o estudo do que lhe toca imediatamente; quer compreender Deus, julgar seus atos, fazê-lo justo ou injusto; diz como queria que ele fosse, sem suspeitar que ele é tudo isto e mais ainda!... Mas, verme miserável, alguma vez compreendeste de maneira absoluta algo do que te cerca? Sabes por qual lei a flor se colora e se perfuma aos beijos vivificantes do Sol? Sabes como nasces, como vives e porque teu corpo morre?...

Tu vês fatos, mas, para ti, as causas ficam envoltas num véu impenetrável e querias julgar o princípio de todas as causas, a causa primeira, Deus, enfim!

Há muitos outros estudos mais necessários ao desenvolvimento de teu ser, que merecem toda a tua atenção!...

Quando resolves um problema de álgebra não vais do conhecido ao desconhecido e, para compreender Deus, esse problema insolúvel desde tantos séculos, queres dirigir-te a ele diretamente! Então possuis todos os elementos necessários para estabelecer uma tal equação? Não te falta algum documento para julgar teu Criador em última instância? Não vais crer que o mundo seja limitado a esse grão de poeira, perdido na imensidade dos espaços, onde te agitas mais imperceptível que o menor dos infusórios de que o Universo é uma gota d’água?

Entretanto, raciocinemos e vejamos por que, conforme teus conhecimentos atuais, Deus seria injusto não se deixando jamais alcançar por sua criatura.

Em todas as ciências há axiomas ou verdades irrecusáveis, que se admitem como bases fundamentais. As ciências matemáticas e, em geral, todas as ciências, são baseadas no axioma de que a parte jamais poderia igualar o todo. O homem, criatura de Deus, conforme esse princípio, jamais poderia alcançar aquele que o criou.

Suponde que um indivíduo deva percorrer uma estrada de extensão infinita; de uma extensão infinita, pesai bem a expressão.

É esta a posição do homem em relação a Deus, considerado o seu fim.

Dir-me-eis que, por pouco que se avance, a soma dos anos e dos séculos de marcha permitirá atingir o fim. Aí está o erro!... O que fizerdes num ano, num século, num milhão de séculos, será sempre uma quantidade finita; um outro espaço igual não vos permitirá fornecer senão uma quantidade igualmente finita, e assim por diante. Ora, para o mais noviço matemático, uma soma de quantidades finitas jamais poderia formar uma quantidade infinita. O contrário seria absurdo e, neste caso, poder-se-ia medir o infinito, o que o faria perder sua qualidade de infinito.

O homem progredirá sempre e incessantemente, mas em quantidade finita; a soma de seus progressos não será jamais senão de uma perfeição finita, que não poderia alcançar a Deus, o infinito em tudo. Não há, pois, injustiça da parte de Deus em que suas criaturas jamais o possam igualar. A natureza de Deus é um obstáculo intransponível a um tal fim do Espírito; sua justiça também não poderia permiti-lo, porque se um Espírito alcançasse a Deus, seria o próprio Deus. Ora, se dois Espíritos são tais que tenham ambos um poder infinito sob todos os aspectos e um seja idêntico ao outro, eles se confundirão num só e não haverá mais que um Deus; um deveria, pois, perder a sua individualidade, o que seria uma injustiça muito mais evidente do que não poder alcançar um fim infinitamente distanciado, mesmo dele se aproximando constantemente. Deus faz bem o que faz e o homem é muito pequeno para se permitir pesar as suas decisões.

Moki

 

Observação – Se há um mistério insondável para o homem, é o princípio e o fim de todas as coisas. A visão do infinito lhe dá vertigem. Para compreendê-lo, são necessários conhecimentos e um desenvolvimento intelectual e moral que ainda está longe de possuir, malgrado o orgulho que o leva julgar-se chegado ao topo da escala humana. Em relação a certas ideias, está na posição de uma criança que quisesse fazer cálculo diferencial e integral antes de saber as quatro operações. À medida que avançar para a perfeição, seus olhos se abrirão à luz e o nevoeiro que os cobre se dissipará. Trabalhando seu melhoramento presente, chegará mais cedo do que se perdendo em conjecturas.



[1] Revista Espírita – Agosto/1866 – Allan Kardec

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