segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

ANTÔNIO WANTUIL DE FREITAS[1]

 


 

Encarnado a 23 de outubro de 1895 na cidade do Patrocínio do Muriaé (MG), filho do Capitão Joaquim Olinto de Freitas e de D. Virgínia Maria de Freitas, e desencarnado aos 11 de março de 1974, no Rio de Janeiro (RJ). Foi de muita luta a sua vida, pois ficara órfão de pai aos 5 anos de idade, e de mãe, aos 22, mas graças à ajuda dos irmãos pôde diplomar-se em Farmácia em 1913, na então famosa Escola de Farmácia e Odontologia de “O Granbery”, de Juiz de Fora (MG). Após dirigir farmácias em várias cidades mineiras, veio para o Rio de Janeiro em 1924, aí se instalando como farmacêutico-industrial.

Casou em 1919 com D. Zilfa Fernandes de Freitas, com quem teve sete filhos, e sobre a qual externou este agradecimento: “(...) sua valiosa cooperação muito contribuiu para o meu encorajamento nos momentos difíceis da vida”.

Leitor assíduo de tudo que dissesse respeito a religiões e filosofias, nelas buscava, em vão, a doutrina que realmente atendesse aos seus mais recônditos anseios, tornando-se até mesmo meio cético de tudo, até que em 1932, convidado por um velho amigo para assistir a uma sessão espírita, aí presenciou tantos fatos inexplicáveis que ele resolveu estudar o Espiritismo, fazendo-o meses e meses seguidos, através de incansável leitura de um sem-número de obras espíritas, entre nacionais e estrangeiras. Surgiu, ao mesmo tempo, no seu próprio lar, uma série de fenômenos mediúnicos, de indiscutível força comprobatória da teoria haurida nos livros. Tomou-se, então, um espírita convicto.

Ainda em 1932, ingressou como sócio remido da Federação Espírita Brasileira. Já em 1933 participava como delegado de uma Associação Espírita do Rio de Janeiro no Conselho Federativo da FEB. Eleito sócio efetivo em 1936, Guillon Ribeiro, então Presidente da Casa Máter, vendo nele um espírita de vasto cabedal de conhecimentos doutrinários, muito ativo e possuidor de lúcida inteligência, convidou-o às eleições de 9 de agosto de 1936, sendo eleito e empossado no cargo de Gerente de Reformador, onde ficou até 1943, quando ascendeu à presidência da Casa de Ismael, neste posto permanecendo até 22 de agosto de 1970, ininterruptamente reeleito todos os anos, quase sempre por unanimidade. Foi Presidente da Federação Espírita Brasileira durante vinte e sete anos consecutivos.

As realizações de Antônio Wantuil de Freitas dentro do Espiritismo são de uma riqueza extraordinária. Sua enorme capacidade de trabalho, aliada a invejável descortino intelectual, fê-lo uma das mais destacadas figuras no Movimento Espírita nacional, um verdadeiro líder, no mais alto sentido.

Em eruditas e substanciosas conferências pronunciadas da tribuna da FEB; em escorreitos escritos, sob variados temas, estampados em Reformador com seu próprio nome ou sob mais de uma dezena de pseudônimos; em livros, opúsculos, folhetos editados pela FEB, Wantuil sempre se revelou uma personalidade forte, intransigente na defesa da verdade, de grande discernimento e de um raciocínio rápido e decisivo.

Em 13 de junho de 1939, ele, sozinho, defendeu o Espiritismo na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, da qual era sócio, contra acirrada campanha movida por alguns dos seus membros, que até dirigiram moções de desagrado ao Presidente da República e ao Ministro da Justiça. O acontecido foi amplamente noticiado por importantes jornais da época, que elogiaram a atitude desassombrada daquele ousado desconhecido.

Outro fato que repercutiu na imprensa de então e demonstrou uma vez mais a coragem, o destemor, à impavidez do Presidente Wantuil de Freitas passou-se no Governo de Getúlio Vargas, entre 1941 e 1945. Recrudescia, nesses anos, mediante Portarias do Chefe de Polícia, um clima de cerceamento, de perseguição às Sociedades Espíritas, inclusive com o fechamento, no Rio de Janeiro, de todas elas (também a Federação Espírita Brasileira), tendo sido criado até mesmo um cadastro policial para o fichamento dos dirigentes espíritas. Tais absurdos levaram uma comissão febiana, em março de 1945, à presença do chefe de Polícia, Ministro João Alberto. Wantuil foi o porta-voz intimorato na defesa dos direitos do Espiritismo, conseguindo derrubar as infelizes Portarias que impediam às Instituições Espíritas o direito de se organizarem e funcionar livremente, como a Constituição prescrevia. Antes disso, certa feita Wantuil teve de comparecer ao Ministério da Justiça, onde seria interrogado por um verdadeiro tribunal, composto de um General, de um Almirante e do próprio Ministro. Ele não se intimidou. Falou o que tinha para falar e, em dado momento, se não fora à intervenção conciliatória do Ministro, Wantuil seria preso pelo Almirante.

Entretanto, ainda pendiam sobre a cabeça dos espíritas os artigos 282 e 284 do Código Penal, podendo ser aplicados a qualquer hora e a bel-prazer das autoridades públicas. Wantuil não aceitava isto, e, a 16 de julho de 1945, estava frente a frente com o Presidente da República, Getúlio Vargas, em audiência no Palácio do Catete. Da conversa que manteve, sanadas as incompreensões, resultou um clima menos inflexível para com os adeptos do Espiritismo e, se não fora à deposição de Getúlio, em outubro de 1945, talvez caíssem por terra os tais famigerados artigos do Código Penal.

Wantuil de Freitas foi diretor de Reformador durante os vinte e sete anos de sua presidência, levando esse órgão da Federação a uma tiragem recorde, naquele tempo, de 40.000 exemplares, tiragem que ele alcançou graças a uma escolha ponderada de todos os artigos, submetidos a uma revisão rigorosa, seja quanto ao fundo, seja quanto à forma.

Em 1946 criou o Departamento Editorial da FEB, no bairro de S. Cristóvão, iniciando a construção de prédios que formariam a “Cidade do Livro”, como ele denominou o conjunto das edificações. Em 1948 (9 de setembro) começaram a funcionar ali as máquinas impressoras, “dando início ao período áureo da divulgação do livro e a incrementação da propaganda em geral”. Só esse empreendimento seria suficiente para consagrar-lhe à memória ao agradecimento de todos os espíritas.

Outro acontecimento, de importância vital no Movimento Espírita Brasileiro, foi à realização, a 5 de outubro de 1949, da Grande Conferência Espírita, no Rio de Janeiro, de que resultou a Ata de Unificação, pouco depois denominada “Pacto Áureo”. Wantuil foi o autor dos dezoito itens com que se lavrou essa Ata. Entre suas disposições estava a criação do Conselho Federativo Nacional, oficialmente instalado em lº de janeiro de 1950, que continua a pautar suas atividades dentro do que disse Leopoldo Machado: “Unidade de ação para maior expansão e esplendor da Doutrina que a todos nos irmana.” Desde a sua instalação até 1º de agosto de 1970 Wantuil presidiu-lhe as então reuniões mensais, com dedicação e sabedoria, com paciência, bom ânimo e firmeza.

A ele se devem os únicos quatro selos postais espíritas emitidos no Mundo, tendo o primeiro, de grande tiragem, sobre o Centenário da Codificação do Espiritismo, em 1957, alcançando retumbância internacional, através da imprensa e dos mais importantes meios filatélicos do Planeta. Para conseguir esse selo, Wantuil chegou a ir pessoalmente ao Diretor Geral dos Correios e ao próprio Ministro das Comunicações.

Em 1944 surgiu o rumoroso “caso Humberto de Campos”, em que a viúva do escritor promoveu em Juízo uma ação declaratória contra a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier. Wantuil imediatamente se pôs em ação, coordenou um grupo de valiosos colaboradores para ajudarem o patrono da causa, Dr. Miguel Timponi, na defesa, que ficou pronta em pouco mais de dez dias e fez parte do livro “A Psicografia ante os Tribunais”. Poucos sabem que durante esse período Wantuil varou noites adentro no exame de toda a matéria que lhe chegava às mãos, alterando, acrescentando, suprimindo, sugerindo, para que a peça contestatória fosse jurídica e doutrinariamente uma obra impecável.

Graças aos esforços do Presidente Wantuil, assessorado por dedicados companheiros como Antônio Fernandes Soares, nasceu a sede da Federação Espírita Brasileira em Brasília (DF), num terreno doado pela Novacap, com escritura assinada, em 1965. A partir de 1984, a sede central da Federação transferiu-se para Brasília, ficando no Rio de Janeiro sua sede seccional.

Vários outros episódios em que Wantuil tomou parte relevante estão arrolados no histórico do Espiritismo no Brasil, conquanto alguns só sejam conhecidos de reduzido número de espíritas[2].

“Deve-se a Wantuil, com seu largo tirocínio administrativo e impressionante intuição dos acontecimentos futuros, a sólida estrutura montada na FEB para servir à Doutrina e ao Movimento”, assim se expressou o atual Presidente Juvanir Borges de Souza.

Cinco dias antes de sua desencarnação, Bittencourt Sampaio, pelo médium Olímpio Giffoni, declarava:

“Podemos afirmar-vos que bem poucos deram tanto em favor da causa espírita: sua dedicação transformou-se em renúncia do homem comum, para tão somente cuidar da Casa de Ismael”.

E pela médium Maria Cecília Paiva, um dia após a desencarnação de Wantuil, assim finalizava Bezerra de Menezes uma mensagem:

“Possa o nosso irmão Wantuil ser lembrado como o discípulo fiel do Senhor, abençoado por suas mãos generosas e divinas”.



[2] Para maior e mais detalhado conhecimento da vida e obra de Wantuil de Freitas, indicamos os seguintes números de REFORMADOR: 1970, pág. 239; 1974, págs. 101, 112,139; 1976, págs. 63, 93 e 131.

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