Uma leitora pergunta-nos se o Evangelho no Lar é uma prática indicada
por Allan Kardec. Caso positivo, quando e onde ele a indicou?
A resposta é sim. O Evangelho no Lar tem sua origem
realmente, em nosso meio, numa sugestão feita por Allan Kardec.
O assunto foi suscitado por uma
questão interessante. Assim que foi publicado o livro O Evangelho segundo o Espiritismo, em abril de 1864, leitores
escreveram a Kardec perguntando que oração seria mais indicada para as preces
da manhã e da noite sugeridas no livro a que nos referimos.
Eis como Kardec tratou do
assunto na Revista Espírita de 1864:
Vários de nossos
assinantes nos testemunharam o lamento de não terem encontrado, em nossa “A
Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo”[2],
uma prece especial, para a manhã e a noite, para o uso habitual. Faremos notar
que as preces contidas nessa obra não constituem um formulário que, para ser
completo, deveria delas conter um muito maior número. Elas fazem parte das
comunicações dadas pelos Espíritos; nós as juntamos, no capítulo consagrado ao
exame da prece, como juntamos, a cada um dos outros capítulos, as comunicações
que poderiam a eles se relacionarem. Omitindo, de propósito, as da manhã e da
noite, quisemos evitar dar, à nossa obra, um caráter litúrgico; por isso nos
limitamos às que têm uma relação direta com o Espiritismo, cada um podendo
encontrar as outras nas de seu culto particular. Todavia, para obtemperar o
desejo que nos foi manifestado, damos a seguir a que nos parece melhor
responder ao objetivo que se propôs. (Revista
Espírita de 1864, pág. 234.)
A prece então sugerida por ele
foi a conhecida “Oração Dominical” [ver
abaixo], que o codificador do Espiritismo recomendou expressamente como
sendo a mais indicada para as preces da manhã e da noite.
Foi então que, na mesma
oportunidade e no mesmo texto, Kardec sugeriu que uma vez por semana, por
exemplo no domingo, poder-se-ia consagrar à prece um tempo mais longo, a isto
acrescentando a leitura de algumas passagens do Evangelho e a de algumas boas
instruções ditadas pelos Espíritos.
Essa recomendação foi, portanto,
o embrião do chamado culto Evangélico no Lar ou, simplesmente, Evangelho no Lar, uma prática que no
seio do Cristianismo teria sido introduzida por Jesus, como Neio Lúcio narra no
cap. 1 do livro “Jesus no Lar”, psicografado por Francisco Cândido Xavier,
texto esse que o leitor pode ler clicando neste link:
http://www.oconsolador.com.br/ano6/299/correiomediunico.html
ORAÇÃO DOMINICAL
Allan Kardec
I. Pai Nosso, que
estás no céu, santificado seja o teu nome!
Cremos em ti, Senhor, porque tudo revela o teu poder e a tua
bondade. A harmonia do Universo dá testemunho de uma sabedoria, de uma
prudência e de uma previdência que ultrapassam todas as faculdades humanas. Em
todas as obras da Criação, desde o raminho de erva minúscula e o inseto
pequenino, até os astros que se movem no espaço, acha-se inscrito o nome de um
ser soberanamente grande e sábio. Por toda parte se nos depara a prova de
paternal solicitude. Cego, portanto, é aquele que te não reconhece nas tuas
obras, orgulhoso aquele que te não glorifica e ingrato aquele que te não rende
graças.
II. Venha o teu
reino!
Senhor, destes aos homens leis plenas de sabedoria e que
lhes dariam a felicidade, se eles as cumprissem. Com essas leis, fariam reinar
entre si a paz e a justiça e mutuamente se auxiliariam, em vez de se
maltratarem, como o fazem. O forte sustentaria o fraco, em vez de o esmagar.
Evitados seriam os males, que se geram dos excessos e dos abusos. Todas as
misérias deste mundo provêm da violação de tuas leis, porquanto nenhuma
infração delas deixa de ocasionar fatais consequências.
Deste ao bruto o instinto, que lhe traça o limite do
necessário, e ele maquinalmente se conforma; ao homem, no entanto, além desse
instinto, deste a inteligência e a razão; também lhe deste a liberdade de
cumprir ou infringir aquelas das tuas leis que pessoalmente lhe concernem, isto
é, a liberdade de escolher entre o bem e o mal, a fim de que tenha o mérito e a
responsabilidade das suas ações.
Ninguém pode pretextar ignorância das tuas leis, pois, com
paternal previdência, quiseste que elas se gravassem na consciência de cada um,
sem distinção de cultos, nem de nações. Se as violam, é porque as desprezam.
Dia virá em que, segundo a tua promessa, todos as
praticarão. A incredulidade, então, terá desaparecido. Todos te reconhecerão
por soberano Senhor de todas as coisas, e o reinado das tuas leis será o teu
reino na Terra.
Digna-te, Senhor, de apressar-lhe o advento, outorgando aos
homens a luz necessária, que os conduza ao caminho da verdade.
III. Faça-se a tua
vontade, assim na Terra como no Céu.
Se a submissão é um dever do filho para com o pai, do
inferior para com o seu superior, quão maior não deve ser a da criatura para
com o seu Criador! Fazer a tua vontade, Senhor, é observar as tuas leis e
submeter-se, sem queixumes, aos teus decretos. O homem a ela se submeterá,
quando compreender que és a fonte de toda a sabedoria e que sem ti ele nada
pode. Fará, então, a tua vontade na Terra, como os eleitos a fazem no Céu.
IV. Dá-nos o pão de
cada dia.
Dá-nos o alimento indispensável à sustentação das forças do
corpo; mas, dá-nos também o alimento espiritual para o desenvolvimento do nosso
Espírito.
O bruto encontra a sua pastagem; o homem, porém, deve o
sustento à sua própria atividade e aos recursos da sua inteligência, porque o
criaste livre.
Tu lhe hás dito: “Tirarás da terra o alimento com o suor da
tua fronte.” Desse modo, fizeste do trabalho, para ele, uma obrigação, a fim de
que exercitasse a inteligência na procura dos meios de prover às suas
necessidades e ao seu bem-estar, uns mediante o labor manual, outros pelo labor
intelectual. Sem o trabalho, ele se conservaria estacionário e não poderia
aspirar à felicidade dos Espíritos superiores.
Ajudas o homem de boa vontade que em ti confia, pelo que
concerne ao necessário; não, porém, àquele que se compraz na ociosidade e
desejara tudo obter sem esforço, nem àquele que busca o supérfluo.
Quantos e quantos sucumbem por culpa própria, pela sua
incúria, pela sua imprevidência, ou pela sua ambição e por não terem querido
contentar-se com o que lhes havias concedido! Esses são os artífices do seu
infortúnio e carecem do direito de queixar-se, pois que são punidos naquilo em
que pecaram. Mas, nem a esses mesmos abandonas, porque és infinitamente
misericordioso.
Estende-lhes as mãos para socorrê-los, desde que, como o
filho pródigo, se voltem sinceramente para ti.
Antes de nos queixarmos da sorte, inquiramos de nós mesmos
se ela não é obra nossa. A cada desgraça que nos chegue, cuidemos de saber se
não teria estado em nossas mãos evitá-la.
Consideremos também que Deus nos outorgou a inteligência
para tirar-nos do lameiro, e que de nós depende o modo de a utilizarmos.
Pois que à lei do trabalho se acha submetido o homem da
Terra, dá-nos coragem e forças para obedecer a essa lei. Dá-nos também a
prudência, a previdência e a moderação, a fim de não perdermos o respectivo
fruto.
Dá-nos, pois, Senhor, o pão de cada dia, isto é, os meios de
adquirirmos, pelo trabalho, as coisas necessárias à vida, porquanto ninguém tem
o direito de reclamar o supérfluo.
Se trabalhar nos é impossível, à tua divina providência nos
confiamos.
Se está nos teus desígnios experimentar-nos pelas mais duras
provações, a despeito dos nossos esforços, aceitamo-las como justa expiação das
faltas que tenhamos cometido nesta existência, ou noutra anterior, porquanto és
justo. Sabemos que não há penas imerecidas e que jamais castigas sem causa.
Preserva-nos, ó meu Deus, de invejar os que possuem o que
não temos, nem mesmo os que dispõem do supérfluo, ao passo que a nós nos falta
o necessário. Perdoa-lhes, se esquecem da lei de caridade e de amor do próximo,
que lhes ensinaste.
Afasta, igualmente, do nosso espírito a ideia de negar a tua
justiça, ao notarmos a prosperidade do mau e a desgraça que cai por vezes sobre
o homem de bem. Já sabemos, graças às novas luzes que te aprouve conceder-nos,
que a tua justiça se cumpre sempre e a ninguém excetua; que a prosperidade
material do mau é efêmera, quanto a sua existência corpórea, e que
experimentará terríveis reveses, ao passo que eterno será o júbilo daquele que
sofre resignado.
V. Perdoa as nossas
dívidas, como perdoamos aos que nos devem. – Perdoa as nossas ofensas, como
perdoamos aos que nos ofenderam.
Cada uma das nossas infrações às tuas leis, Senhor, é uma
ofensa que te fazemos e uma dívida que contraímos e que cedo ou tarde teremos
de saldar. Rogamos-te que no-las perdoes pela tua infinita misericórdia, sob a
promessa, que te fazemos, de empregarmos os maiores esforços para não contrair
outras.
Tu nos impuseste por lei expressa a caridade; mas, a
caridade não consiste apenas em assistirmos os nossos semelhantes em suas
necessidades; também consiste no esquecimento e no perdão das ofensas. Com que
direito reclamaríamos a tua indulgência, se dela não usássemos para com aqueles
que nos hão dado motivo de queixa?
Concede-nos, ó meu Deus, forças para apagar de nossa alma
todo ressentimento, todo ódio e todo rancor. Faze que a morte não nos surpreenda
guardando no coração desejos de vingança. Se te aprouver tirar-nos hoje mesmo
deste mundo, faze que nos possamos apresentar, diante de ti, puros de toda
animosidade, a exemplo do Cristo, cujos últimos pensamentos foram em prol dos
seus algozes.
Constituem parte das nossas provas terrenas as perseguições
que os maus nos infligem. Devemos, então, recebê-las sem nos queixarmos, como
todas as outras provas, e não maldizer dos que, por suas maldades, nos rasgam o
caminho da felicidade eterna, visto que nos disseste, por intermédio de Jesus:
Bem-aventurados os que sofrem pela justiça! Bendigamos, portanto, a mão que nos
fere e humilha, uma vez que as mortificações do corpo nos fortificam a alma e
que seremos exalçados por efeito da nossa humildade. Bendito seja teu nome,
Senhor, por nos teres ensinado que nossa sorte não está irrevogavelmente fixada
depois da morte; que encontraremos, em outras existências, os meios de resgatar
e de reparar nossas culpas passadas, de cumprir em nova vida o que não podemos
fazer nesta, para nosso progresso.
Assim se explicam, afinal, todas as anomalias aparentes da
vida. É a luz que se projeta sobre o nosso passado e o nosso futuro, sinal
evidente da tua justiça soberana e da tua infinita bondade.
VI. Não nos deixes
entregues à tentação, mas livra-nos do mal.
Dá-nos, Senhor, a força de resistir às sugestões dos
Espíritos maus, que tentem desviar-nos da senda do bem, inspirando-nos maus
pensamentos.
Mas, somos Espíritos imperfeitos, encarnados na Terra para
expiar nossas faltas e melhorar-nos. Em nós mesmos está a causa primária do mal
e os Espíritos maus mais não fazem do que aproveitar os nossos pendores
viciosos, em que nos entretêm para nos tentarem.
Cada imperfeição é uma porta aberta à influência deles, ao
passo que são impotentes e renunciam a toda tentativa contra os seres
perfeitos. É inútil tudo o que possamos fazer para afastá-los, se não lhes
opusermos decidida e inabalável vontade de permanecer no bem e absoluta
renúncia ao mal. Contra nós mesmos, pois, é que precisamos dirigir os nossos
esforços e, se o fizermos, os Espíritos maus naturalmente se afastarão, ao
passo que o bem os repele.
Senhor, ampara-nos em nossa fraqueza; inspira-nos, pelos
nossos anjos guardiães e pelos Espíritos bons, a vontade de nos corrigirmos de
todas as imperfeições a fim de obstarmos aos Espíritos maus o acesso à nossa
alma.
O mal não é obra tua, Senhor, porquanto o manancial de todo
o bem nada de mau pode gerar. Somos nós mesmos que criamos o mal, infringindo
as tuas leis e fazendo mau uso da liberdade que nos outorgaste. Quando os
homens as cumprirmos, o mal desaparecerá da Terra, como já desapareceu de
mundos mais adiantados que o nosso.
O mal não constitui para ninguém uma necessidade fatal e só
parece irresistível aos que nele se comprazem. Desde que temos vontade para o
fazer, também podemos ter a de praticar o bem, pelo que, ó meu Deus, pedimos a
tua assistência e a dos Espíritos bons, a fim de resistirmos à tentação.
VII. Assim seja.
Praza-te, Senhor, que os nossos desejos se efetivem.
Mas, curvamo-nos perante a tua sabedoria infinita. Que em
todas as coisas que nos escapam à compreensão se faça a tua santa vontade e não
a nossa, pois somente queres o nosso bem e, melhor do que nós, sabes o que nos
convém.
Dirigimos-te esta prece, ó Deus, por nós mesmos e também por
todas as almas sofredoras, encarnadas e desencarnadas, pelos nossos amigos e
inimigos, por todos os que solicitem a nossa assistência.
Para todos suplicamos a tua misericórdia e a tua bênção.
Nota – Aqui podem formular-se os agradecimentos que se
queiram dirigir a Deus e o que se deseje pedir para si mesmo ou para outrem.
[1] https://espiritismo-seculoxxi.blogspot.com/2014/04/como-surgiu-no-meio-espirita-o-culto-do.html#:~:text=O%20Evangelho%20no%20Lar%20tem,suscitado%20por%20uma%20quest%C3%A3o%20interessante.
[2] Título da edição inicial do livro O Evangelho segundo o Espiritismo, o qual foi depois modificado. A
obra está completando nesta semana 150 anos de existência.
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