terça-feira, 17 de novembro de 2020

VISÃO RETROSPECTIVA DAS EXISTÊNCIAS DO ESPÍRITO[1]

 


 

A propósito do Dr. Cailleux

 

Um dos nossos correspondentes de Lyon nos escreve o seguinte:

“Fiquei surpreso que o Espírito Cailleux tenha sido posto em estado magnético para ver desdobrar-se à sua frente o quadro de suas existências passadas [ver VISÃO RETROSPECTIVA DAS VÁRIAS ENCARNAÇÕES DE UM ESPÍRITO (Sono dos Espíritos), publicado neste blog em 10/08/2020].

Isto parece indicar que o Espírito em questão não as conhecia; porque vejo em O Livro dos Espíritos que “Depois da morte, a alma vê e apreende num golpe de vista suas passadas migrações”. (Cap. VI, nº 243). Este fato não parece implicar uma contradição?

Não há aí nenhuma contradição, pois, ao contrário, o fato vem confirmar a possibilidade, para o Espírito, de conhecer suas existências passadas. O Livro dos Espíritos não é um tratado completo do Espiritismo; não faz senão apresentar as bases e os pontos fundamentais, que se devem desenvolver sucessivamente pelo estudo e pela observação. Diz, em princípio, que depois da morte a alma vê suas migrações passadas, mas não diz nem quando, nem como, isto se dá; são detalhes de aplicação, que são subordinados às circunstâncias. Sabe-se que nos Espíritos atrasados a visão é limitada ao presente, ou pouco mais, como na Terra; ela se desenvolve com a inteligência e à medida que adquirem o conhecimento de sua situação. Aliás, não se deveria crer, mesmo nos Espíritos mais adiantados, como o Sr. Cailleux, por exemplo, que tão logo entrem no mundo espiritual, todas as coisas lhe apareçam subitamente, como numa mudança de decoração à vista, nem que tenham constantemente sob os olhos o panorama do tempo e do espaço. Quanto às suas existências anteriores, eles as veem em lembrança, como vemos, pelo pensamento, o que éramos e fazíamos nos anos anteriores, as cenas de nossa infância, as posições sociais que ocupamos. Essa lembrança é mais precisa ou confusa, às vezes nula, conforme a natureza do Espírito e segundo a Providência julga a propósito apagá-la ou reavivá-la, como recompensa, punição ou instrução. É um grande erro acreditar que as aptidões, as faculdades e as percepções são as mesmas em todos os Espíritos. Como na encarnação, eles têm percepções morais e as que podem ser chamadas materiais, que variam conforme os indivíduos.

Se o doutor Cailleux tivesse dito que os Espíritos não podem ter conhecimento de suas existências passadas, aí estaria a contradição, porque seria a negação de um princípio admitido.

Longe disto, ele afirma o fato; apenas as coisas nele se passaram de maneira diferente do que nos outros, sem dúvida por motivos de utilidade para ele; para nós é um motivo de ensinamento, pois nos mostra um dos lados do mundo espiritual. O Sr. Cailleux estava morto há pouco tempo; suas existências passadas, portanto, podiam não se retratar ainda claramente à sua memória. Notemos, além disso, que aqui não era uma simples lembrança; era a própria visão das individualidades que ele tinha animado, a imagem de suas antigas formas perispirituais, que a ele se apresentavam. Ora, o estado magnético no qual ele se encontrou provavelmente era necessário à produção do fenômeno.

O Livro dos Espíritos foi escrito no começo do Espiritismo, numa época em que se estava longe de ter feito todos os estudos práticos que foram feitos depois. As observações ulteriores vieram desenvolver e completar os princípios cujo germe havia lançado, e é mesmo digno de nota que, até hoje, elas apenas as confirmaram, sem jamais as contradizerem nos pontos fundamentais.



[1] Revista Espírita – Julho/1866 – Allan Kardec

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