Ana Pais (@anapais) - BBC News Mundo - 6 março 2019
Afinal, o que é a
vida?
Essa pergunta é tão antiga que
parece estranho que alguém dos dias de hoje consiga uma resposta tão
radicalmente inovadora a ponto de influenciar áreas do conhecimento tão
díspares como a neurociência, a sociologia, a informática, a literatura e a
filosofia.
O biólogo chileno Humberto
Maturana conseguiu. Sua teoria, desenvolvida há quase 50 anos com seu ex-aluno
e compatriota Francisco Varela, chama-se "autopoiesis" e influenciou
muita gente.
"A pergunta básica que me
fiz foi o que é estar vivo e o que é estar morto, o que precisa acontecer em
sua interioridade para que eu, olhando de fora, possa decidir o que é um ser
vivo", disse Maturana à BBC News Mundo, serviço da BBC em espanhol.
Sua teoria, publicada em uma
série de trabalhos no início da década 1970, foi "revolucionária porque
deu uma solução para uma pergunta que até então não tinha resposta", diz.
Não à toa, Maturana foi um dos
23 pesquisadores convidados pela Fundação Nobel para uma conferência há duas
semanas, em Santiago do Chile.
Maturana foi ovacionado quando
subiu ao palco. O neurocientista Anil Seth, com quem o chileno dividia o
painel, agradeceu a oportunidade de estar perto do "lendário
biólogo".
"Li suas obras pela
primeira vez há mais de 20 anos, quando fazia doutorado na Universidade de
Sussex, na Inglaterra, e me inspirei em seu trabalho desde aquela época, como
muitos outros cientistas no mundo", disse Seth.
O trabalho de Maturana, afirmou,
"é um maravilhoso exemplo do legado da ciência chilena".
Crie a si mesmo
A obra de Maturana se concentra
em um termo que ele cunhou unindo duas palavras gregas: "auto" (para
si mesmo) e "poiesis" (criação).
"Os seres vivos são
sistemas autopoiéticos moleculares, ou seja, sistemas moleculares que se
autoproduzem, e a realização dessa produção de si mesmo como sistemas
moleculares constitui a vida", afirmou o biólogo.
Segundo sua teoria, todo ser
vivo é um sistema fechado que está continuamente se transformando,
recuperando-se e se mantendo igual quando necessita.
Uma alegoria mais simples para
essa ideia seria a de uma ferida que se cura sozinha.
A prestigiada Enciclopédia
Britânica, que lista a autopoiese como uma das seis principais definições
científicas para a vida, explica assim a teoria dos chilenos: "Ao
contrário das máquinas, cujas funções de controle são inseridas por projetistas
humanos, os organismos governam a si próprios".
"Os seres vivos",
acrescenta, "mantêm sua forma mediante o contínuo intercâmbio e fluxo de
componentes químicos", que são criados pelo próprio corpo.
Além de uma definição para a vida,
Maturana e Varela também explicam o que é a morte.
A autopoiesis, diz Maturana à
BBC, "tem de ocorrer continuamente, porque quando ela para, nós
morremos".
O cientista filósofo
"Antes, se você perguntasse
a um biólogo o que é um ser vivo, ele não sabia o que responder", diz
Maturana. No entanto, depois da teoria, "viver passou a ter uma
explicação".
"É um fenômeno de uma
dinâmica molecular que constitui entidades discretas que são os seres
vivos", diz o biólogo, que também se define como filósofo.
De fato, as palavras de Maturana
muitas vezes parecem mais uma reflexão intelectual sobre a vida do que uma
definição científica e objetiva dela.
O eixo de sua obra aborda um
tema tão amplo que falar com Maturana necessariamente implica exceder o
estritamente científico e entrar em questões bastante filosóficas.
Sobre a educação, ele opina:
"O fundamental na educação é a conduta dos adultos em relação às crianças,
não somente no espaço relacional e material, mas também no psíquico". Ele
também explica seu pensamento sobre a linguagem: "Não é um sistema de
comunicação ou transmissão de informações, mas um sistema de coexistência na
coordenação de desejos, sentimentos e ações".
Maturana também dá consultorias
de recursos humanos e relações interpessoais para empresas e indivíduos por
meio do Instituto de Formação Matríztica, que há algumas décadas ele fundou com
a professora Ximena Dávila.
É justamente essa diversidade e
combinação de saberes de Maturana que atraíram a simpatia do Dalai Lama.
'Você tem razão'
Há cinco anos, Maturana e a
Ximena Dávila visitaram o Dalai Lama, líder religioso e político que vive na
Índia, cuja extensa oposição à ocupação do Tibet por parte da China lhe rendeu
o prêmio Nobel da Paz em 1989.
Em seu site, Dalai Lama descreve
Maturana como um "cientista cuja santidade sempre cito, uma pessoa que
disse preferir não se ater apenas ao seu campo de pesquisa porque atrapalha a
objetividade".
Embora tenham conversado sobre
temas variados como o funcionamento do cérebro, a linguagem e os sentimentos de
plantas e animais, Maturana lembra de um diálogo particular sobre a vida.
"A conversa foi
essencialmente sobre como vivemos, que tipo de vida estamos levando e como
estamos atuando como seres humanos", contou. "Nesse sentido, foi uma
conversa filosófica e também biológica".
Maturana detalhou: "Ele
disse que havia aprendido comigo o tema do desprendimento, porque em algum
momento havíamos conversados sobre isso".
"Com Ximena mostramos que,
nas relações humanas, o fundamental é ouvir um ao outro, mas para isso temos
que deixar o outro aparecer sem prejulgar preceitos, premissas ou exigências.
Isso é desprendimento, segundo o Dalai Lama", explicou.
De acordo com o biólogo, o líder
tibetano lhe disse: "Você tem razão". E, em caráter filosófico, ainda
acrescentou: "A coisa central na coexistência é ouvir um ao outro para
poder fazer as coisas juntos com respeito mútuo".
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