Allan Kardec
(Douai, 13 de outubro de 1865)
Num grupo modelo, que punha em
prática os deveres espíritas, notava-se com surpresa que certos Espíritos de
escol, frequentadores habituais, desde algum tempo se abstinham de dar
instruções, o que motivou a seguinte pergunta:
– Por que os Espíritos elevados, que habitualmente nos
assistem, comunicam-se mais raramente conosco?
– Caros amigos, há
duas causas para este abandono de que vos queixais. Em primeiro lugar não é um
abandono; é apenas um afastamento momentâneo e necessário. Sois como escolares
que, bem instruídos e bem dotados de repetições preliminares, são obrigados a
fazer os seus deveres sem o concurso dos professores; buscam na memória;
espreitam um sinal, espiam uma palavra de socorro: nada vem, nada deve vir.
Esperais nossos
encorajamentos, nossos conselhos sobre a vossa conduta, sobre as vossas
determinações: nada vos satisfaz, porque nada vos deve satisfazer. Fostes
contemplados com ensinamentos sábios, afetuosos, encorajamentos frequentes,
cheios de amenidade e de verdadeira sabedoria; tivestes inúmeras provas de
nossa presença, da eficácia da nossa ajuda; a fé vos foi dada, comunicada; vós
a tomastes, raciocinastes, adotastes; numa palavra, como o escolar, fostes
dotados para o dever. É preciso fazê-lo sem erros, com os vossos próprios
recursos, e não mais com o nosso concurso. Onde estaria o vosso mérito? Não
poderíamos senão repetir incessantemente a mesma coisa. Cabe-vos agora aplicar
o que vos ensinamos. É preciso voar com as próprias asas e marchar sozinho.
Em dado momento,
Deus fornece uma arma e uma força a cada homem, a fim de que estes continuem a
vencer novos perigos. O momento em que uma força nova se lhe revela é sempre
para ele uma hora de alegria, de entusiasmo. Então a fé ardente aceita toda dor
sem analisá-la, porque o amor não conta as penas; mas depois destas
instantaneidades, que são a festa, é preciso o trabalho, e o trabalho só. A
alma acalmou-se, o coração abrandou-se e eis que chegam a luta e a provação;
eis o inimigo; é preciso aguentar o choque; é o momento decisivo. Então, que o
amor vos transporte e vos faça desprezar a Terra! É preciso que o vosso coração
fique vitorioso dos vis instintos do egoísmo e do abatimento; é a prova.
Desde muito tempo
vos temos advertido que teríeis necessidade de estreitar os vossos laços, de
vos unir, de vos fortalecer para a luta. O momento é chegado, e nele já estais.
Como ireis sustentá-la? Nada mais podemos fazer, do mesmo modo que o professor
não pode soprar a composição ao aluno. Ganhará o prêmio? Isto depende do
proveito que tiver extraído das lições que recebeu. Assim é convosco. Possuis
um código de instruções suficientes para vos conduzir até um determinado ponto.
Lede novamente essas instruções, meditai-as e não peçais outras antes de as ter
aplicado seriamente, pois só nós somos os juízes; e quando chegardes ao ponto
em que elas forem insuficientes, em relação ao vosso progresso moral, nós bem
saberemos dar-vos outras.
A segunda razão
desta espécie de isolamento de que vos queixais é esta: muitos de vossos
conselheiros simpáticos têm, junto a outros homens, missões análogas às que, de
início, quiseram desempenhar junto a vós; e essa quantidade de evocações de que
são objeto muitas vezes os desviam de serem assíduos em vosso grupo. Vossa
amiga Madalena desempenha longe um mandato difícil, e suas solicitudes, estando
junto a vós, alcançam também aqueles a quem ela se sacrifica para salvar. Mas
todo o vosso mundo vos voltará; em dado momento reencontrareis os vossos amigos
reunidos como outrora, no mesmo pensamento de simpático concurso junto aos seus
protegidos. Aproveitai esse tempo para o vosso melhoramento, a fim de que, quando
vierem, eles possam dizer: estamos contentes convosco.
Pamphile, Espírito protetor
Observação – Esta
comunicação é uma resposta aos que se queixam da uniformidade do ensino dos
Espíritos. Se refletirmos no número de verdades que nos ensinaram, veremos que
nos oferecem vastíssimo campo à meditação, até que as tenhamos assimilado e
deduzido todas as suas aplicações. Que diriam de um doente que diariamente
pedisse um novo remédio ao seu médico, sem seguir as suas prescrições? Se os Espíritos não nos ensinam novidades
todos os dias, com o auxílio da chave que nos puseram nas mãos, e das leis que
nos revelaram, por nós mesmos aprendemos novidades todos os dias, explicando o
que, para nós, era inexplicável.
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