Christian Jarrett - BBC Future - 17 fevereiro 2019
Você, sem dúvida, já passou por
isso: em meio a um lugar barulhento e lotado, cruza seu olhar com o de outra
pessoa. É quase como uma cena de filme ‒ o resto do mundo vai desaparecendo e
você e essa outra alma estão momentaneamente conectados pelo conhecimento mútuo
de que vocês estão se olhando.
É claro que o contato visual nem
sempre é tão empolgante ‒ afinal, é algo natural na maioria das conversas
casuais ‒, mas ele é quase sempre importante.
Fazemos suposições sobre as
personalidades das pessoas baseadas se elas nos olham no olho ou se desviam o
olhar durante a conversa. E quando passamos por estranhos na rua ou em algum
outro lugar público, podemos nos sentir rejeitados se eles não fizerem contato
visual.
Psicólogos e neurocientistas têm
estudado o contato visual há décadas e suas descobertas revelam muito mais
sobre seu poder, incluindo o que nossos olhos revelam e como o olho no olho
muda o que pensamos sobre a outra pessoa que nos mira.
O mundo ao redor para
Por exemplo, uma constatação
recorrente é que o olhar fixo no outro prende a nossa atenção, tornando-nos
menos conscientes do que está acontecendo ao nosso redor (aquele
"desaparecendo" que mencionei anteriormente).
Além disso, encontrar o olhar de
alguém quase imediatamente envolve uma série de processos cerebrais, pois
entendemos o fato de estarmos lidando com a mente de outra pessoa que está
olhando para nós.
Como consequência, nos tornamos
mais conscientes da ação dessa outra pessoa, de que ela tem uma mente e uma
perspectiva própria ‒ e isso nos torna mais autoconscientes.
Você pode ter notado esses
efeitos de maneira mais evidente se você já foi observado pelo olhar intenso de
um macaco em um zoológico: é quase impossível não ter a sensação de que eles
são seres conscientes que estão te julgando e examinando.
Até mesmo olhar para um retrato
pintado que parece estar fazendo contato visual com você mostrou desencadear
uma série de atividades cerebrais relacionadas à cognição social ‒ isto é, em
regiões envolvidas em pensar em nós mesmos e nos outros.
Não surpreendentemente, o drama
de perceber que somos o objeto de outra mente é muito perturbador.
Medo do contato
visual
Considere um estudo recente de
pesquisadores japoneses.
Voluntários olharam para um
vídeo de um rosto e, ao mesmo tempo, completaram um desafio que envolvia a
criação de verbos para combinar vários substantivos (para dar um exemplo: se
eles ouviam o substantivo "leite", uma resposta adequada seria
"bebida").
Os voluntários sofreram mais
nesse desafio de palavras (mas apenas com os substantivos mais complicados)
quando o rosto no vídeo parecia estar fazendo contato visual com eles.
Os pesquisadores acham que esse
efeito ocorreu porque o contato visual ‒ mesmo com um estranho em um vídeo ‒ é
tão intenso que ele suga nossas reservas cognitivas.
Uma pesquisa semelhante
descobriu que encontrar o olhar direto do outro também interfere em nossa
memória de trabalho (nossa capacidade de manter e usar informações em mente por
curtos períodos de tempo), na nossa imaginação e no nosso controle mental, no
sentido de nossa capacidade de suprimir informações irrelevantes.
Pode ajudar na
concentração
Você deve ter vivido esses
efeitos em primeira mão, talvez sem perceber, sempre que manteve contato visual
com outra pessoa para se concentrar melhor no que estava dizendo ou pensando.
Alguns psicólogos até recomendam desviar o olhar como uma estratégia para
ajudar crianças pequenas a responder perguntas.
Além de fazer nosso cérebro
trabalhar mais, a pesquisa também mostra que o contato visual molda a percepção
da pessoa que está nos olhando.
Por exemplo, geralmente
percebemos que as pessoas que fazem mais contato visual são mais inteligentes,
mais conscientes e sinceras (pelo menos nas culturas ocidentais) e nos tornamos
mais inclinados a acreditar no que dizem.
É claro que muito contato visual
também pode nos deixar desconfortáveis ‒ e as pessoas que olham fixamente podem
parecer doidas.
Em um estudo recente realizado
em um museu de ciências, psicólogos tentaram estabelecer a duração preferida do
contato visual.
Eles concluíram que, em média,
são três segundos de duração (e ninguém preferia olhares com mais de nove
segundos).
Fusão de seres
Outro efeito registrado do olho
no olho pode ajudar a explicar por que esse momento de contato visual em uma
sala pode às vezes parecer tão atraente.
Um estudo recente descobriu que
a troca mútua de olhares leva a uma espécie de fusão parcial das pessoas:
achamos os estranhos com os quais fizemos contato visual mais parecidos conosco
em termos de personalidade e aparência.
Talvez, no contexto certo,
quando todos estejam ocupados conversando com outras pessoas, esse efeito
aumente a sensação de que você e a pessoa que te olha estão compartilhando um
momento especial.
A química do contato visual não
termina aí.
Caso vocês decidam se olhar mais
de perto, você e seu parceiro de olhar descobrirão que o contato visual também
conecta vocês de outra maneira, em um processo conhecido como "mímica de
pupila" ou "contágio de pupila" ‒ que mostra como as pupilas dos
dois se dilatam e se contraem em sincronia.
Isso foi interpretado como uma
forma de mimetismo social subconsciente, uma espécie de dança ocular, e essa
seria a visão mais romântica desse ocorrido.
Mas recentemente essa teoria foi
vista com ceticismo, com os pesquisadores dizendo que o fenômeno é meramente
uma resposta a variações no brilho dos olhos da outra pessoa (de perto, quando
as pupilas da outra pessoa se dilatam, isso aumenta a escuridão da cena,
fazendo suas pupilas se dilatarem também).
Pupilas
Isso não quer dizer que a
dilatação da pupila não tenha um significado psicológico.
Voltando aos anos 1960, os
psicólogos estudaram o modo como nossas pupilas se dilatam quando estamos mais
excitados ou estimulados (em um sentido fisiológico), seja por interesse
intelectual, emocional, estético ou sexual.
Isso levou a um debate sobre se
rostos com pupilas mais dilatadas (às vezes tomadas como um sinal de interesse
sexual) são percebidos pelos espectadores como mais atraentes.
Pelo menos alguns estudos de
outras décadas e alguns mais recentes sugerem que isso acontece ‒ e também
sabemos que nossos cérebros processam automaticamente a dilatação das pupilas
de outras pessoas.
De qualquer maneira, séculos
antes desta pesquisa, a sabedoria popular certamente considerava as pupilas
dilatadas atraentes.
Em vários momentos da história,
as mulheres usaram até mesmo um extrato vegetal para dilatar deliberadamente
suas pupilas como forma de torná-las mais atraentes (daí o nome coloquial da
planta: "beladona").
Janelas da alma
Mas quando você olha outra
pessoa profundamente nos olhos, não pense que são apenas as pupilas que mandam
uma mensagem.
Outra pesquisa recente sugere
que podemos ler emoções complexas dos músculos dos olhos ‒ isto é, se uma
pessoa está fechando ou abrindo bem os olhos. Então, por exemplo, quando uma
emoção como nojo nos faz estreitar os olhos, essa "expressão do
olho", como uma expressão facial, também sinaliza o nosso desgosto para os
outros.
Outra característica importante
dos olhos são os anéis limbares: o contorno mais escuro que temos ao redor da
íris.
Evidências recentes sugerem que
esses anéis limbais são mais visíveis em pessoas mais jovens e saudáveis, e que
os espectadores sabem disso de alguma maneira. Por isso, algumas mulheres
heterossexuais que procuram um caso a curto prazo acham que homens com anéis do
limbo mais visíveis seriam mais saudáveis e desejáveis.
Todos esses estudos sugerem que
há mais do que um pingo de verdade no velho ditado sobre os olhos serem uma
janela para a alma.
De fato, há algo incrivelmente
poderoso em olhar profundamente nos olhos de outra pessoa. Dizem que nossos
olhos são a única parte do nosso cérebro que está diretamente exposta ao mundo.
Quando você olha outra pessoa
nos olhos, pense apenas: é talvez o mais próximo que você chegará de
"tocar os cérebros" ‒ ou tocar as almas, se quiser ser mais poético
sobre essas coisas.
O Dr. Christian Jarrett edita o blog Research Digest da
Sociedade Britânica de Psicologia. Seu próximo livro, Personology, será
publicado em 2019.
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