Allan Kardec
Um dos nossos correspondentes nos escreve de Milianah
(Argélia):
“... A propósito do desprendimento do Espírito, que se opera em todo o
mundo durante o sono, meu guia espiritual me exercita em vigília. Enquanto o
corpo está entorpecido, o Espírito se transporta para longe, visita as pessoas
e os locais que aprecia, e a seguir volta sem esforço. O que me parece mais
surpreendente é que, enquanto estou como em catalepsia, tenho consciência desse
desprendimento. Exercito-me também no recolhimento, o que me proporciona a
agradável visita de Espíritos simpáticos, encarnados e desencarnados. Este
último estudo só ocorre durante a noite, cerca de duas ou três horas e quando o
corpo, repousado, desperta.
Fico alguns instantes à espera, como depois de uma evocação.
Então sinto a presença do Espírito por uma impressão física e logo surge
em meu pensamento uma imagem que me faz reconhecê-lo.
Estabelece-se um diálogo mental, como na comunicação intuitiva, e esse
gênero de conversa tem algo de adoravelmente íntimo.
Muitas vezes meu irmão e minha irmã encarnados me visitam, às vezes
acompanhados por meu pai e minha mãe, do mundo dos Espíritos.
“Há poucos dias tive a vossa visita, caro mestre, e pela doçura do
fluido que me penetrava, eu julgava que fosse um dos nossos bons protetores
celestes. Imaginai a minha alegria ao reconhecer em meu pensamento, ou, antes,
em meu cérebro, como o próprio timbre de vossa voz. Lamennais nos deu uma comunicação
a esse respeito e deve encorajar os meus esforços. Eu não vos poderia dizer do
encanto que dá esse gênero de mediunidade. Se tiverdes junto a vós alguns
médiuns intuitivos, habituados ao recolhimento e à tensão de espírito, eles
podem ensaiar também. Evoca-se e, em vez de escrever, conversa-se, exprimindo
bem as ideias, sem verborragia.
“Muitas vezes meu guia me fez a
observação de que eu tinha um Espírito sofredor, um amigo que vem instruir-se
ou buscar consolações. Sim, o Espiritismo é um benefício inapreciável; abre
vasto campo à caridade, e aquele que está inspirado de bons sentimentos, se não
pode vir em socorro de seu irmão materialmente, sempre o pode espiritualmente”.
Esta mediunidade, à qual damos o nome de mediunidade mental, por certo não é própria para convencer os
incrédulos, porque nada tem de ostensiva, nem desses efeitos que chocam os sentidos;
é toda para a satisfação íntima de quem a possui. Mas também é preciso
reconhecer que ela se presta muito à ilusão e que é o caso de desconfiar das
aparências. Quanto à existência da faculdade, não se poderia pô-la em dúvida;
pensamos mesmo que deve ser a mais frequente, porque é considerável o número
das pessoas que, em estado de vigília, sofrem a influência dos Espíritos e
recebem a inspiração de um pensamento, que sentem não ser o seu. A impressão
agradável ou penosa que por vezes se sente à vista de alguém que se vê pela
primeira vez; o pressentimento que se tem da aproximação de uma pessoa; a
penetração e a transmissão do pensamento são outros tantos efeitos que se
prendem à mesma causa e constituem uma espécie de mediunidade, que se pode
dizer universal, pois cada um lhe possui, ao menos, os rudimentos. Mas para
experimentar seus efeitos marcantes é necessário uma aptidão especial ou,
melhor, um grau de sensibilidade mais ou menos desenvolvido conforme os
indivíduos. A esse título, como temos dito desde longo tempo, todos são
médiuns, e Deus não deserdou ninguém da preciosa vantagem de receber os
salutares eflúvios do mundo espiritual, que se traduzem de mil maneiras
diferentes. Mas as variedades que existem no organismo humano não permitem a todo
o mundo obter efeitos idênticos e ostensivos.
Tendo sido discutida esta
questão na Sociedade de Paris, foram dadas as seguintes instruções sobre o
assunto, por diversos Espíritos:
I
O sentido espiritual pode ser
desenvolvido, como diariamente se vê desenvolver-se uma aptidão por um trabalho
constante. Ora, sabeis que a comunicação do mundo incorpóreo com os vossos
sentidos é constante; ela se dá a cada hora, a cada minuto, pela lei das
relações espirituais. Que os encarnados ousem negar aqui uma lei da própria
Natureza!
Acabam de dizer-vos que os
Espíritos se veem e se visitam uns aos outros durante o sono, e disto tendes
muitas provas. Por que quereríeis que isto não ocorresse em vigília? Os Espíritos
não têm noite. Não; constantemente estão ao vosso lado; eles vos vigiam; vossos
familiares vos inspiram, vos suscitam pensamentos, vos guiam; falam-vos e vos
exortam; protegem os vossos trabalhos, ajudam-vos a elaborar os vossos
desígnios formados pela metade, vossos sonhos ainda indecisos; tomam nota de
vossas boas resoluções, lutam quando lutais. Lá estão esses bons amigos, no
começo de vossa encarnação; eles vos riem no berço, vos esclarecem nos estudos;
depois se imiscuem em todos os atos de vossa passagem aqui na Terra; oram
quando vos veem em preparo para ir encontrá-los.
Oh! Não, jamais negueis vossa
assistência diária! Jamais negueis vossa mediunidade espiritual, porque
blasfemais Deus e sereis tachados de ingratidão pelos Espíritos que vos amam.
H. Dozon (Médium: Sr. Delanne)
II
Sim, esse gênero de comunicação
espiritual é mesmo uma mediunidade, como, aliás, tendes ainda outros a
constatar, no curso de vossos estudos espíritas. É uma espécie de estado cataléptico,
muito agradável para quem lhe é objeto; proporciona todas as alegrias da vida
espiritual à alma prisioneira, que aí encontra um encanto indefinível, que
gostaria de experimentar sempre. Mas é preciso voltar de qualquer modo; e,
semelhante ao prisioneiro ao qual permitem tomar ar num pátio, a alma entra constrangida
na célula humana.
É uma mediunidade muito
agradável está que permite a um Espírito encarnado ver seus velhos amigos,
poder conversar com eles, comunicar-lhes suas impressões terrestres e poder expandir
o coração no seio de amigos discretos, que não buscam o ridículo no que lhes
confiais, mas antes vos dar bons conselhos, se vos forem úteis. Esses
conselhos, dados assim, têm mais peso para os médiuns que os recebe, pois o
Espírito que lhes dá, a ele se mostrando, deixou uma impressão profunda em seu
cérebro e, por este meio, gravou melhor em seu coração a sinceridade e o valor desses
conselhos.
Esta mediunidade existe em
estado inconsciente em muitas pessoas. Sabeis que há sempre perto de vós um
amigo sincero, sempre pronto a sustentar e a encorajar aquele cuja direção lhe
é confiada pelo Todo-Poderoso. Não, meus amigos, este apoio jamais vos faltará.
Cabe a vós saber distinguir as boas inspirações entre todas as que se chocam no
labirinto de vossas consciências.
Sabendo compreender o que vem do
vosso guia, não vos podeis afastar do reto caminho que deve seguir toda alma
que aspira à perfeição.
Espírito protetor (Médium: Sra. Causse)
III
Já vos foi dito que a
mediunidade se revelaria por diferentes formas. Esta que o vosso Presidente
qualificou de mental está bem
designada. É o primeiro grau da mediunidade vidente e falante.
O médium falante entra em
comunicação com os Espíritos que o assistem; fala com eles; seu espírito os vê,
ou melhor, os adivinha; apenas não faz senão transmitir o que lhe dizem, ao
passo que o médium mental pode, se for bem formado, dirigir perguntas e receber
repostas, sem intermédio da pena ou do lápis, mais facilmente que o médium
intuitivo, pois aqui o Espírito do médium, estando mais desprendido, é um
intérprete mais fiel.
Mas para isto é necessário um
ardente desejo de ser útil, trabalhar em vista do bem com um sentimento puro de
todo pensamento de amor-próprio e de interesse. De todas as faculdades
mediúnicas, é a mais sutil e a mais delicada: basta o menor sopro impuro para manchá-la.
Só nestas condições é que o médium mental obterá provas da realidade das
comunicações. Em pouco vereis surgir entre vós médiuns falantes que vos
surpreenderão por sua eloquência e por sua lógica.
Esperai, pioneiros que tendes
pressa de ver vossos trabalhos crescendo; novos obreiros virão reforçar vossas
fileiras e este ano verá terminar-se a primeira grande fase do Espiritismo e
começar outra não menos importante.
E vós, caro mestre, que Deus
abençoe os vossos trabalhos; que vos sustente e nos conserve o favor especial
que nos concedeu, permitindo-nos vos guiar e vos sustentar em vossa tarefa, que
é também a nossa.
Como Presidente Espiritual da
Sociedade de Paris, velo por ela e por cada um de seus membros em particular,
rogando ao Senhor que espalhe sobre vós todas as suas graças e as suas bênçãos.
São Luís (Médium: Sra. Delanne)
IV
Seguramente, meus amigos, a
mediunidade, que consiste em conversar com os Espíritos, como pessoas que vivem
a vida material, desenvolver-se-á mais à medida que o desprendimento do
Espírito se efetuar com mais facilidade, pelo hábito do recolhimento. Quanto
mais avançados moralmente forem os Espíritos encarnados, maior será esta
facilidade de comunicações. Assim como dizeis, ela não será de uma importância muito
grande do ponto de vista da convicção a dar aos incrédulos, mas tem para aquele
que lhe é objeto uma grande doçura e o ajuda a desmaterializar-se cada vez
mais. O recolhimento, a prece, este ímpeto da alma junto ao seu Autor, para lhe
exprimir seu amor e seu reconhecimento, e também reclamar o seu auxílio, são os
dois elementos da vida espiritual; são eles que derramam na alma esse orvalho
celeste que ajuda o desenvolvimento das faculdades que aí estão em estado
latente. Então, como são infelizes os que dizem que a prece é inútil porque não
muda os desígnios de Deus! Sem dúvida, as leis que regem as diversas ordens de
fenômenos não serão perturbadas ao bel-prazer deste ou daquele, mas a prece não
terá por efeito senão melhorar o indivíduo que, por esse ato, eleva o
pensamento acima das preocupações materiais; por isso ele não deve
negligenciá-la.
É pela renovação parcial dos
indivíduos que a sociedade acabará por ser regenerada, e Deus sabe se ela o necessita!
Ficais revoltados quando pensais
nos vícios da sociedade pagã, ao tempo em que o Cristo veio trazer sua reforma humanitária;
mas em vossos dias os vícios, por serem velados sob formas mais marcadas de
polidez e de urbanidade, não deixam de existir menos. Não têm magníficos
templos como os da Grécia antiga, mas, aí (!) tem o coração da maior parte dos
homens e causam entre eles os mesmos danos que ocasionavam entre os que precederam
a era cristã. Não é, pois, sem grande utilidade que os Espíritos vieram lembrar
os ensinamentos dados há dezoito séculos, porquanto, os tendo esquecido ou mal
compreendido, não os podeis aproveitar e os espalhar segundo a vontade do
divino crucificado.
Agradecei, pois, ao Senhor, vós
todos que fostes chamados a cooperar na obra dos Espíritos, e que vosso desinteresse
e vossa caridade jamais enfraqueçam, porque é nisto que se reconhecem entre vós
os verdadeiros espíritas.
Luís de França (Médium: Sra. Breul)
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