Polypterus senegalus
Evanildo da Silveira - De São Paulo para a BBC News Brasil -
16 julho 2019
Uma pesquisa liderada por
cientistas brasileiros poderá fazer com que os seres humanos, assim como as
salamandras, tenham a capacidade de regenerar membros perdidos e até a medula
espinhal danificada. Não é para já, mas o caminho está aberto. Eles estudaram o
programa genético que dá a esses anfíbios e a algumas espécies de peixe essa
incrível característica, que faz renascer pernas e nadadeiras, quando
amputadas, e descobriram um grupo de genes que dá início a esse processo.
O trabalho foi coordenado pelo
biólogo Igor Schneider e seu grupo de pesquisa do Laboratório de Evolução e
Desenvolvimento (LED), da Universidade Federal do Pará (UFPA), e contou ainda
com a participação de cientistas do Instituto Tecnológico Vale, do Museu
Paraense Emilio Goeldi (MPEG), do Museu de História Natural de Berlin, da
Alemanha, da James Madison University e da Michigan State University, ambas dos
Estados Unidos. "Começamos o estudo em 2015, quando iniciamos o
sequenciamento dos genes que salamandras e peixes ativam durante a regeneração,
e concluímos este ano", conta o pesquisador brasileiro.
Igor diz que seu grupo na UFPA
tem como eixo central de pesquisa entender a origem dos vertebrados terrestres,
também conhecidos como tetrápodes (animais com quatro patas ou membros), que
compreendem os anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Particularmente, ele estuda
quais as características que esses organismos herdaram de seus ancestrais
peixes. Sabia-se que entre os integrantes desse grupo de seres, apenas
anfíbios, como as salamandras, são capazes de regenerar suas patas.
Sua mulher e colega de
profissão, Patrícia Schneider, que também participou da pesquisa, lembra que a
origem evolutiva da regeneração de membros em salamandras permaneceu por muito
tempo um mistério. "O que se perguntava era se elas teriam adquirido esta
capacidade recentemente ou, em vez disso, a herdado dos seus ancestrais, os
primeiros tetrápodes", explica.
O objetivo do grupo, portanto,
era desvendar este mistério. E conseguiu. "Mostramos que a origem da
regeneração de membros pode ser mais antiga ainda, tendo surgido no ancestral
de todos os peixes, antes da origem dos tetrápodes", diz Patrícia. Para
chegar a essa conclusão, primeiro os pesquisadores buscaram identificar quais
grupos desses animais que vivem hoje possuem capacidade de recriar nadadeiras
peitorais, que são equivalentes aos braços ou patas dianteiras de tetrápodes.
Para isso, realizaram amputações
de nadadeiras em sete espécies de peixe que ocupam posições chave na árvore
evolutiva de animais vertebrados: peixe-espátula (Polyodon spathula),
gar-pintado ou boca-de-jacaré, (Lepisosteus oculatus), gourami-azul
(Trichogaster trichopterus), acará-do-congo (Amatitlania nigrofasciata), oscar
(Astronotus ocellatus), peixe-dourado (Carassius auratus) e bichir-de-senegal
(Polypterus senegalus).
Isso gerou uma segunda
descoberta. "Verificamos que a regeneração de nadadeiras é comum e
amplamente difundida entre esses animais", conta Igor. "Antes do
nosso trabalho se pensava que os peixes só eram capazes de recriar uma das duas
partes das nadadeiras, os raios. Demonstramos que eles podem reconstruir também
a segunda, o endoesqueleto, que fica mais próximo corpo e é semelhante ao de
nossos braços e pernas. Ou seja, provamos que eles recriam a nadadeira inteira".
Em seguida, por meio do
sequenciamento dos genes ativos (transcriptoma) de uma das espécies, a africana
Polypterus senegalus, popularmente conhecida também como bichir-de-cuvier e
bichir-cinza e muito usada em pesquisas no mundo todo, mostramos que o programa
genético utilizado por salamandras para regenerar suas patas é muito semelhante
àquele que peixes usam para fazer o mesmo com suas nadadeiras".
O trabalho dos pesquisadores
revelou ainda que salamandras e o peixe Polypterus ativam a expressão de
aproximadamente 200 genes em comum para iniciar a regeneração. Vários deles
estão relacionados com resposta a inflamações e a estresse. "Vimos também
que esses genes não são usados durante a formação dos membros no
desenvolvimento embrionário, ou seja, são utilizados apenas durante a recriação
deles em animais já nascidos", conta Igor.
De acordo com ele, o estudo abre
caminho para a identificação de um programa genético evolutivamente conservado,
responsável pela regeneração de membros e nadadeiras em tetrápodes. "Pretendemos
no futuro descobrir qual a bateria de genes fundamental para iniciar a
recriação dessas estruturas e assim possivelmente induzi-la em mamíferos que,
como sabemos, não possuem esta incrível capacidade", diz o pesquisador.
Em outras palavras, se o estopim
para a regeneração for de fato genético, provavelmente os genes que
desencadeiam esse processo são ativados em peixes e salamandras toda vez que
ocorre uma lesão ou perda das nadadeiras e membros, respectivamente. "Se
conseguirmos identificar aqueles que agem no início da cascata de ações,
poderemos testar se a ativação deles é suficiente para induzir a regeneração em
outras espécies, como camundongos, por exemplo", diz Igor.
O grupo também tem interesse em
identificar a base genética responsável pela recriação de cauda em salamandras
e de nadadeira caudal em peixes pulmonados. "Ao fazer ressurgir essas
estruturas, esses animais reconstroem diversos tecidos, incluindo a medula
espinhal", explica o cientista. "Como sabemos, seres humanos não possuem
capacidade de realizar reparo nela, o que pode causar paralisia ou a morte. É
possível que estudos em salamandras e peixes também nos ajudem a descobrir os
genes responsáveis pela regeneração da medula espinhal".
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