sábado, 30 de maio de 2020

GOSTO, DEVER E NECESSIDADE[1]



Orson Peter Carrara

A necessidade se impôs primeiro, talvez o gosto veio em seguida e o dever acabou se desenvolvendo por si mesmo, face a imperativos inadiáveis que se apresentam.
Sim, o trabalho. Exigiu-se trabalhos variados por necessidade inclusive de sobrevivência e proteção. Essa necessidade desenvolveu o gosto e este mostrou o dever.
Os sábios desígnios da Providência conduzem a evolução humana com sabedoria, fazendo-nos gradativamente sentir, descobrir e viver, para finalmente encantar-se com a solidariedade que envolve tudo e todos.
Há uma finalidade na arte de viver. Essa arte vai sendo gradativamente assimilada. Para uns antes, para outros depois, mas todos integrados, ainda que de forma parcial ou nos variados estágios de aprendizado e amadurecimento com que se apresentam os comportamentos humanos. Fatalmente seremos levados a assimilar o que é a Vida, seus objetivos, e especialmente a grandeza da obra da Criação.
Não é por acaso os embates em que nos envolvemos nos relacionamentos, nos desafios da profissão e da ciência, ou mesmo no educandário familiar e seus conflitos. Tudo isso visa amadurecer a mentalidade humana, moral e intelectualmente, para então alcançarmos o perfeito entendimento de nossa condição como filhos do Ser Supremo, quando estaremos integrados na solidariedade plena que é Lei da Vida, solicitando-nos estender mutuamente mãos e sentimentos para equilibrar a sociedade.
O que vivemos atualmente é resultante da indiferença, da omissão e especialmente do egoísmo que nos permitimos, distanciados ainda ou imaturos no entendimento do que é viver e trabalhar pelo próprio desenvolvimento e simultaneamente pelo bem do próximo. Almas amadurecidas empenham-se no bem coletivo, disciplinam a si mesmas e se tornam referência onde atuam. Nós, imaturos ainda, aí estamos a provocar toda série de dificuldades, criando obstáculos, adotando tolices dispensáveis, adiando providências para o próprio bem e especialmente nos deixando seduzir por paixões variadas e interesses marcados pelo egoísmo.
O trabalho, pois, remunerado ou não, é por necessidade (de sobrevivência ou de tantas outras classificações e que desenvolvem a inteligência e a moralidade, beneficiando amplamente a convivência social), por gosto (quando aprendemos a amar o que fazemos ou nos dedicamos com desprendimento a atividades que nos deem satisfação, nos variados campos da existência) ou por dever (quando sentimos que há uma lei de solidariedade que nos pede estendermos nosso tempo, nossa experiência, nosso saber, nossas habilidades, nossos recursos em favor de uma vida social equilibrada).
Pensemos, pois, leitor (a) na importância de nosso trabalho, de nosso conhecimento, de nossa habilidade, de nossa experiência. Quantos benefícios já distribuídos, quantos méritos que no tempo trarão inúmeras alegrias (se é que já não trouxeram). Todos as temos. Basta pensar de que forma fazer isso frutificar em favor uns dos outros. É a consciência da solidariedade.
Por necessidade, por gosto, por dever, trabalhemos! O trabalho é lei da vida. Tudo trabalha e isso mantém a ordem e o equilíbrio. Fruto da Lei do Progresso e da Lei de Conservação, o trabalho convoca cada um de nós onde estamos.
A presente abordagem foi inspirada no subtítulo “O Ponto de Vista”, constante do Capítulo II – Meu Reino não é deste mundo – de Allan Kardec, em O Evangelho Segundo o Espiritismo.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

TEMPOS DE PANDEMIA[1]



Divaldo Pereira Franco

Sabemos, os cristãos, que a Humanidade passará por terríveis aflições, mais ou menos neste período. O Velho como o Novo Testamento referem-se a esses testemunhos mais de uma vez, elucidando que defluirão da conduta das pessoas no seu transcurso carnal.
Ninguém ignora que o Universo é mantido por Leis cosmofísicas extraordinárias, tenha-se ou não religião. A ordem mantém a Natureza dentro do equilíbrio que, em algumas vezes, se apresenta como um caos. E, mesmo nele, existe uma ordem que nos escapa.
Os seres humanos alcançaram em nossa evolução antropológica um nível invejável nas conquistas da ciência e da filosofia, sem que nos fizéssemos acompanhar de grau idêntico de moralidade. Os valores morais foram deixados à margem como castradores e ultrapassados.
As paixões sensoriais dominam a Humanidade que estorcega entre as asselvajadas e o vazio existencial, denominado como falta de sentido para a vida.
De tal maneira foram exauridos os gozos, que se saltou para as aberrações em grande violência contra o próprio viver, a fim de fruir-se prazer, que passou a ser o objetivo existencial, especialmente para os maduros e jovens.
As ansiedades pelas novidades moldam-lhes a cada momento, além das experiências mais chocantes num desrespeito total às resistências e constituições do organismo. Somente interessa o que choca e o que provoca satisfações quase sempre sadistas.
Violentadas as leis de harmonia que devem viger dentro de uma ordem transcendente, elas atendem as ansiedades mentais e emocionais em conteúdos semelhantes aos seus apelos.
... E a COVID-19 surgiu, ameaçadora...
Autoridades e povos desprevenidos e acostumados à desordem e aos seus hábitos não lhe deram valor e deixaram-se contaminar, complicando com as suas demandas políticas de baixo nível moral, tornando muito difícil os comportamentos que já são desvairados, pelo excesso de informações conscientemente equivocadas ou ocultando interesses subalternos da pior qualidade. Uns governantes impõem o isolamento enquanto outros estimulam a convivência perigosa e o horror, como o desprezo por informações que conduzem outros.
As terapias sofrem a interferência de pessoas totalmente desinformadas, mas poderosas, e embora já hajamos alcançado um milhão de curados, estamos sofrendo incertezas devastadoras.
Que fazer? Todos sabemos como ocorre o contágio desse mal: o contato direto com o vírus. Seja qual for a orientação que recebamos, sigamos o bom senso, a cultura já adquirida.
Assim, mantenhamos distância física do nosso próximo, usando máscara, lavando-nos com sabão e álcool em gel (especialmente as mãos) e oremos a Deus, o Supremo Governador do Universo.
Mantenhamos a calma e o respeito ao próximo, no lar ou fora dele.


Artigo publicado no jornal “A Tarde”, coluna Opinião, em 14/05/2020.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

PARALISAR O PROGRESSO[1]



Miramez

É permitido ao homem deter a marcha do progresso?
‒ Não, mas pode entravá-la algumas vezes.
Que pensar dos homens que tentam deter a marcha do progresso e fazer retrogradar a Humanidade?
‒ Pobres seres que Deus castigará; serão arrastados pela torrente que pretende deter.
Questão 781/O Livro dos Espíritos

O progresso é o caminho para o reino de Deus, e as criaturas da Terra, Suas filhas, são um dos pequenos rebanhos, mas, mesmo pequeno, não fica esquecido do Pai.
Devemos sempre consultar o Evangelho quando escrevemos sobre as leis naturais que nos governam e neste momento convém lembrar-se dos escritos de Lucas, no capítulo doze, versículo trinta e dois:

Não temais, ó pequenino rebanho; porque vosso Pai se agradou em dar-vos o Seu reino.

Jesus chamou a humanidade de pequenino rebanho, por existir outros rebanhos no espaço de Deus, outros mundos habitados, mais atrasados ou mais evoluídos do que a Terra, mas com o mesmo destino que o nosso.
Os homens não podem paralisar o progresso; isso é conversa dos homens esmorecidos, dos cegos e surdos, que ainda não têm olhos para ver, nem ouvidos para ouvir a verdade, para crer nas promessas do Senhor, que ama intensamente Seus filhos.
Não temamos, irmãos em caminho! Mesmo com todas as dificuldades na vida, elas passarão; mesmo com todos os problemas, eles cessarão; mesmo com todas as dores em nossos caminhos, elas passarão. Somente o amor é eterno; é a verdadeira felicidade, porque nascemos para a vida em Deus e o Cristo em nós.
O progresso é de natureza divina, mas que age em todas as condições humanas. Ele é um carro que leva todas as criaturas para a vida feliz, e todas as coisas se renovam para o melhor, para melhor posição na escala em que se encontram. Nós todos estamos passando por um período de choque entre as forças do mal e do bem. Estamos em transição de valores, e sempre vence o bem, para que o amor fique mais visível e mais dono dos nossos corações.
Não se pense que, como Espíritos livres da carne, que falamos e ajudamos em muitas escritas para despertar as criaturas, estamos livres dos acontecimentos. Não, nós também devemos na escrita da justiça, e a Doutrina dos Espíritos está nos dando possibilidades de resgatar nossas dividas, de conviver com os nossos irmãos da Terra com mais aconchego, abrindo assim espaço para nossas compreensões, de modo que o amor sustente todos os nossos ideais.
Com a presença do Espiritismo na Terra, a caridade está vivendo momentos felizes, e fazendo parte dessa felicidade estão os Espíritos, que se encontram com milhares de irmãos espíritas, dando as mãos com todos os de boa vontade, para ajudar com mais eficiência, sem olhar credo religioso ou posições políticas. Isso nos agrada o coração. A caridade é mostra, pois, de que o progresso moral está avançando para abraçar o progresso científico, que o intelecto batizou como filho.
Os dois mundos devem estar bem ajustados entre si. Por que separar o mundo espiritual do mundo físico, se um não pode viver sem o outro? Mais tarde poderemos notar, pela própria ciência, que matéria e Espírito se confundem e têm os mesmos ideais, porque o Pai de um, também o é de outro. Paralisar, nunca, o avanço das coisas, por ser o progresso lei de Deus em todos os aspectos.




[1] Filosofia Espírita – Volume 16 – João Nunes Maia

quarta-feira, 27 de maio de 2020

QUER MUDAR SUA PERSONALIDADE? PODE NÃO SER FÁCIL FAZER SOZINHO[1]



Redação do Diário da Saúde

Melhorar a si mesmo
A maioria das pessoas tem um ou mais aspectos de sua personalidade que gostaria de mudar, ‒ mas, sem ajuda, pode ser difícil fazer isso.
Contrariamente à ideia outrora popular de que as personalidades das pessoas são mais "permanentes" ao longo da vida adulta, pesquisas recentes mostraram que, com as intervenções adequadas, você pode melhorar seus traços de personalidade.
Erica Baranski e seus colegas da Universidade do Arizona (EUA) queriam ver se não dava para se tornar melhor com menos trabalho, e se propuseram a testar se as pessoas poderiam mudar intencionalmente aspectos de suas personalidades a qualquer momento, simplesmente porque desejam fazê-lo.
Ela e seus colegas estudaram dois grupos de voluntários: aproximadamente 500 membros da população em geral, com idades entre 19 e 82 anos, por meio de uma interação pela internet; e aproximadamente 360 estudantes universitários em ambiente de laboratório.

O que melhorar
Ambos os grupos fizeram um teste padronizado de 44 itens, que mede cinco traços principais de personalidade: extroversão, consciência, aceitação, abertura à experiência e neuroticismo, também conhecido como estabilidade emocional.
A seguir, todos os participantes respondiam se desejavam alterar algum aspecto de sua personalidade e, se sim, deviam escrever uma descrição livre do que queriam mudar.
Nos dois grupos, a maioria das pessoas disse que desejava aumentar a extroversão, a consciência e a estabilidade emocional.
Então todos foram mandados para casa, e foi agendado um encontro para daí a seis meses (estudantes) ou um ano (público), com todos sabendo que o mesmo assunto seria abordado novamente.

Piorar é mais fácil
Nenhum dos grupos alcançou os objetivos de mudança de personalidade que haviam estabelecido para si mesmos no início do estudo. Pior do que isso, alguns estudantes registraram mudanças na direção oposta.
Ou seja, tornar-se melhor dá trabalho, exige persistência e, muito provavelmente, requer um apoio externo.
"Em ambas as amostras, o desejo de mudar no 'momento 1' não previu a mudança real na direção desejada no 'momento 2'," disse Baranski. "Na amostra geral da população, não constatamos que os objetivos de mudança de personalidade previssem qualquer mudança em qualquer direção".
"Há evidências na psicologia clínica de que o treinamento terapêutico leva a mudanças na personalidade e no comportamento, e há evidências recentes que sugerem que, quando há muita interação regular com um apoiador, a mudança de personalidade é possível. Mas, quando os indivíduos são deixados por conta própria, a mudança pode não ser tão provável," completou a pesquisadora.
A equipe pretende agora analisar quanta intervenção é necessária para ajudar as pessoas a atingirem seus objetivos de melhoria da personalidade e quais tipos de estratégias funcionam melhor para diferentes características pessoais.

Checagem com artigo científico:
Artigo: From desire to development? A multi-sample, idiographic examination of volitional personality change
Autores: Erica Baranski, Jacob Gray, Patrick Morse, William Dunlop
Publicação: Journal of Research in Personality
Vol.: 85, 103910
DOI: 10.1016/j.jrp.2019.103910

terça-feira, 26 de maio de 2020

O ESPIRITISMO SEGUNDO OS ESPÍRITAS[1]



Allan Kardec

Impresso em Bruxelas, o jornal hebdomadário político e financeiro Discussion não é uma dessas folhas levianas que, pelo fundo e pela forma, visam ao divertimento do público frívolo. É um jornal sério, acreditado principalmente no mundo financeiro e que se acha no seu undécimo ano[2]. Sob o título: “O Espiritismo segundo os espíritas”, o número de 31 de dezembro de 1865 contém o seguinte artigo:

Espíritas e Espiritismo são agora duas palavras bem conhecidas e frequentemente empregadas, conquanto fossem ainda ignoradas apenas há alguns meses. Entretanto, a maioria das pessoas que delas se servem está a perguntar o que exatamente significam, porque, embora cada um faça essa pergunta a si mesmo, ninguém a manifesta, pois todos querem passar por capazes de matar a charada.
Algumas vezes, contudo, a curiosidade intriga a ponto de trazer a pergunta aos lábios e, conforme o desejo, cada um vos esclarece.
Alguns pretendem que o Espiritismo é o truque do armário dos irmãos Davenport [vide artigo publicado neste blog sob o título IRMÃOS DAVENPORT, em 10/12/2018]; outros afirmam que não passa da magia e da feitiçaria de outrora, que querem reabilitar sob um novo nome. Segundo as comadres de todos os bairros, os espíritas entretêm conversas misteriosas com o diabo, com o qual fizeram um compromisso prévio. Enfim, lendo-se os jornais, fica-se sabendo que todos os espíritas são loucos ou, pelo menos, deixam-se iludir por certos charlatães chamados médiuns. Esses charlatães veem, com ou sem armário, dar representações a quem os queira pagar e, para tornar mais verossímil suas trapaças, dizem operar sob a influência oculta dos Espíritos de além-túmulo.
Eis o que eu tinha aprendido nestes últimos tempos. Considerando a discordância dessas respostas, resolvi, para me esclarecer, ir ver o diabo, ainda que me vencesse, ou me deixar enganar por um médium, mesmo que tivesse de perder a razão. Lembrei-me então, muito a propósito, de um amigo que suspeitava fosse espírita, e fui procurá-lo, a fim de me proporcionar meios de satisfazer a minha curiosidade.
Comuniquei-lhe as diversas opiniões que eu havia recolhido e expus o objetivo de minha visita. Mas meu amigo riu muito do que chamava a minha ingenuidade e me deu, mais ou menos, a seguinte explicação:

O Espiritismo não é, como se crê vulgarmente, uma receita para fazer as mesas dançar ou para executar truques de escamoteação, e é um equívoco que nisto cada um queira encontrar o maravilhoso.
O Espiritismo é uma Ciência ou, melhor dizendo, uma Filosofia espiritualista, que ensina a moral.
 Não é uma Religião, pois não tem dogmas, nem culto, nem sacerdotes, nem artigos de fé; é mais que uma filosofia, porque sua doutrina é estabelecida sobre a prova certa da imortalidade da alma. É para fornecer esta prova que os espíritas evocam os Espíritos de além-túmulo.
Os médiuns são dotados de uma faculdade natural, que os torna aptos a servir de intermediários aos Espíritos e a produzir com eles os fenômenos que passam por milagres ou por prestidigitação, aos olhos de quem quer que lhes ignore a explicação. Mas a faculdade mediúnica não é privilégio exclusivo de certos indivíduos; é inerente à espécie humana, embora cada um a possua em diferentes graus, ou sob diferentes formas.
Assim, para os que conhecem o Espiritismo, todas as maravilhas de que acusam esta doutrina não passam de fenômenos de ordem física, isto é, de efeitos cuja causa reside nas leis da Natureza.
Entretanto, os Espíritos não se comunicam com os vivos unicamente com o objetivo de lhes provar a sua existência: eles ditaram e desenvolvem todos os dias a filosofia espiritualista.
Como toda filosofia, esta tem o seu sistema, que consiste na revelação das leis que regem o Universo e na solução de um grande número de problemas filosóficos, diante dos quais, até agora, a Humanidade impotente foi obrigada a inclinar-se.
É assim que o Espiritismo demonstra, entre outras coisas, a natureza da alma, seu destino, a causa de nossa existência na Terra; desvenda o mistério da morte; dá razão dos vícios e virtudes do homem; diz o que são o homem, o mundo, o Universo; enfim, faz o quadro da harmonia universal etc.
Este sistema repousa em provas lógicas e irrefutáveis que têm, elas próprias, por árbitro de sua verdade, fatos palpáveis e a mais pura razão. Assim, em todas as teorias que expõe, age como a Ciência e não avança um ponto senão quando o precedente esteja completamente certificado. O Espiritismo não impõe a confiança porque, para ser aceito, não precisa senão da autoridade do bom-senso.
Uma vez estabelecido este sistema, dele se deduz, como consequência imediata, um ensinamento moral.
Esta moral não é outra senão a moral cristã, a moral que está escrita no coração de todo ser humano; e é de todas as religiões e de todas as filosofias, pertencendo, por isso mesmo, a todos os homens. Mas, isenta de todo fanatismo, de toda superstição, de todo espírito de seita ou de escola, resplandece em toda a sua pureza.
É a esta pureza que ela deve toda a sua grandeza e toda a sua beleza, de sorte que é a primeira vez que a moral nos aparece revestida de um brilho tão majestoso e tão esplêndido.
O objetivo de toda moral é ser praticada; mas esta, sobretudo, considera tal condição como absoluta, porque chama espíritas não os que aceitam seus preceitos, mas os que põem as suas regras em ação.
Dizer quais são as suas doutrinas? Aqui não pretendo ensinar, já que o enunciado das máximas me conduziria, necessariamente, ao seu desenvolvimento.
Apenas direi que a moral espírita nos ensina a suportar a desgraça sem a desprezar, a fruir a felicidade sem a ela nos apegarmos; ela nos rebaixa sem nos humilhar, e nos eleva sem nos envaidecer; coloca-nos acima dos interesses materiais, sem por isto os marcar com o aviltamento, porque nos ensina, ao contrário, que todas as vantagens com que somos favorecidos são outras tantas forças que nos são confiadas e por cujo emprego somos responsáveis para conosco e para com os outros.
 Vem, então, a necessidade de especificar esta responsabilidade, as penas ligadas à infração do dever e as recompensas de que desfrutam os que obedeceram. Mas, também aí, as asserções não são tiradas senão dos fatos e podem verificar-se até a perfeita convicção.
Tal é esta filosofia, onde tudo é grande, porque aí tudo é simples; onde nada é obscuro, porque tudo é provado; onde tudo é simpático, porque cada questão interessa intimamente a cada um de nós.
Tal é esta ciência que, projetando viva luz sobre as trevas da razão, de repente desvenda os mistérios que julgávamos impenetráveis, recuando até o infinito o horizonte da inteligência.
Tal é esta doutrina, que pretende tornar felizes, melhorando-os, todos os que concordam em segui-la, e que, enfim, abre à Humanidade uma estrada segura para o progresso moral.
“Tal é, finalmente, a loucura de que estão acometidos os espíritas e a feitiçaria que praticam.”

Assim, sorrindo, terminou meu amigo que, a meu pedido, agendou um encontro para, juntos, participarmos de algumas reuniões espíritas onde, às experiências, se alia o ensino.
Voltando para casa, lembrei o que havia dito, concordando com todo o mundo, contra o Espiritismo, antes de nem sequer conhecer o significado desta palavra, e essa lembrança encheu-me de amarga confusão.
Então pensei que, malgrado os severos desmentidos infligidos ao orgulho humano pelas descobertas da ciência moderna, quase não pensávamos, na época de progresso em que vivemos, em tirar proveito dos ensinamentos da experiência; e que estas palavras escritas por Pascal, há duzentos anos, ainda por muitos séculos serão de rigorosa exatidão:
É uma doença natural ao homem crer que possui a verdade diretamente; é por isto que está sempre disposto a negar aquilo que lhe é incompreensível.
A. Briquel

Como se vê, o autor deste artigo quis apresentar o Espiritismo sob sua verdadeira luz, isento das distorções com que a crítica o constrange, numa palavra, tal como o admitem os espíritas, e sentimo-nos felizes ao dizer que o conseguiu perfeitamente. Com efeito, é impossível resumir a questão de maneira mais clara e precisa. Devemos, também, felicitar a direção do jornal que, com aquele espírito de imparcialidade que gostaríamos de ver em todos os que fazem profissão de liberalismo e se apresentam como apóstolos da liberdade de pensar, acolheu uma profissão de fé tão explícita.
Aliás, suas intenções a respeito do Espiritismo estão claramente formuladas no artigo seguinte, publicado no número de 28 de janeiro:

Como ouvimos falar do Espiritismo
“O artigo sobre o Espiritismo, publicado em nosso número de 31 de dezembro, provocou numerosas perguntas, com o fito de saber se nos propomos tratar posteriormente desta questão e se nos transformamos em seu porta-voz. A fim de evitar qualquer equívoco, torna-se necessária uma explicação categórica.

Eis nossa resposta:

O Discussion é um jornal aberto a todas as ideias progressistas. Ora, o progresso não pode ser feito senão pelas ideias novas que, de vez em quando, vêm mudar o curso das ideias preconceituosas. Repeli-las porque destroem aquelas em que fomos acalentados, é, aos nossos olhos, faltar à lógica. Sem nos tornarmos apologistas de todas as elucubrações do espírito humano, o que não seria mais racional, consideramos como um dever de imparcialidade pôr o público em condições de julgá-las. Para tanto, basta apresentá-las tais quais são, sem tomar, prematuramente, partido pró ou contra; porque, se forem falsas, não será a nossa adesão que as tornará justas, e se forem justas, nossa desaprovação não as tornará falsas. Em tudo, é a opinião pública e o futuro que se pronunciam em última instância. Contudo, para apreciar o lado forte e o fraco de uma ideia, é preciso conhecê-la em sua essência, e não tal qual a apresentam os interessados em combatê-la, no mais das vezes truncada e desfigurada. Se, pois, expusermos os princípios de uma teoria nova, não queremos que os seus autores ou os seus partidários possam censurar-nos por lhes fazermos dizer o contrário do que dizem. Agir assim não é assumir a sua responsabilidade: é dizer o que é e reservar a opinião de todo o mundo. Destacamos a ideia em toda a sua verdade. Se for boa, fará o seu caminho e nós lhe teremos aberto a porta; se for má, teremos fornecido os meios para ser julgada com conhecimento de causa.
É assim que procederemos em relação ao Espiritismo. Seja qual for a maneira de ver a seu respeito, ninguém pode esconder a extensão que ele tomou em alguns anos. Pelo número e pela qualidade de seus partidários conquistou lugar entre as opiniões aceitas. As tempestades que provoca a obstinação com que o combatem em certo meio são, para os menos clarividentes, o indício de que ele encerra algo de grave, já que causa perturbação em tanta gente. Que pensem dele o que quiserem; é, incontestavelmente, uma das grandes questões na ordem do dia. Assim, não seríamos consequentes com o nosso programa se o passássemos em silêncio. Nossos leitores têm o direito de pedir que lhes informemos o que é essa doutrina, que provoca tão grande celeuma; é nosso interesse satisfazê-los, e nosso dever fazê-lo com imparcialidade. Pouco lhes importa nossa opinião sobre a coisa; o que esperam de nós é um relato exato dos fatos e das atitudes de seus partidários, sobre os quais possam formar sua própria opinião. Como procederemos? É muito simples: iremos à própria fonte; faremos pelo Espiritismo o que fazemos pelas questões de política, de finanças, de ciência, de arte ou de literatura; ou seja, para isto encarregaremos homens especiais. As questões de Espiritismo serão, pois, tratadas por espíritas, como as de Arquitetura por arquitetos, a fim de que não nos qualifiquem de cegos discorrendo sobre as cores e que não nos apliquem estas palavras de Fígaro: Precisavam de um calculista e tomaram um dançarino.
Em suma, o Discussion não se arvora como órgão, nem como apóstolo do Espiritismo; abre a ele as suas colunas, como a todas as ideias novas, sem pretender impor essa opinião aos seus leitores, sempre livres de controlá-la, de aceitá-la ou de rejeitá-la.
Deixa aos seus redatores especiais inteira liberdade de discutir os princípios, cuja responsabilidade só eles assumem. Mas o que repelirá sempre, no interesse de sua própria dignidade, é a polêmica agressiva e pessoal.




[1] Revista Espírita – Fevereiro/1866 – Allan Kardec
[2] Redação em Bruxelas, 17, Montagne de Sion; Paris, 31, rue Bergère. – Preço para a França, 12 fr. por ano; 7 fr. por semestre. Cada número de oito páginas grande in-fólio: 25 centavos.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

WILLIAM F. BARRETT[1]





Sir William Fletcher Barrett, nasceu em 10 de fevereiro de 1844, na Jamaica e faleceu em 26 de maio de 1925, na cidade de Londres, Reino Unido. Foi casado com Florence Barrett.
Professor de Física no Royal College of Science de Dublin de 1873 a 1910 e um dos primeiros pesquisadores psíquicos de destaque. De fato, foi Barrett quem iniciou a fundação da Sociedade Americana e Britânica de Pesquisa Psíquica. Estudos em transe hipnótico despertaram sua curiosidade pelos fenômenos físicos do espiritualismo.
Ele iniciou suas primeiras investigações em 1874. Dois anos depois, ele enviou um artigo sobre “Alguns Fenômenos Associados a Condições Mentais Anormais” à Associação Britânica para o Avanço da Ciência. O Comitê Biológico recusou e a Subseção Antropológica a aceitou apenas no voto de qualidade do presidente, Dr. Alfred Russel Wallace. O artigo continha uma exposição dos experimentos do professor em telepatia, cuja existência ele considerava comprovada, sustentando que o método de comunicação provavelmente é explicável por alguma forma de indução nervosa. Quanto aos fenômenos físicos, ele estava inclinado a atribuir os mais maravilhosos (levitação, teste de fogo) à alucinação. Mas ele declarou que testemunhava raps em plena luz do dia, ao ar livre, sob condições que tornavam o truque impossível.
Em conclusão, ele recomenda a nomeação de um comitê para mesmerismo e espiritualismo. Sir William Crookes , Dr. Alfred Russel Wallace, Lord Rayleigh e Coronel Lane Fox apoiaram o movimento, mas ‒ provavelmente devido à sensação produzida pelo escândalo de Lankester Slade ‒ nenhuma ação foi tomada.
Em janeiro de 1882, Barrett convocou uma conferência nos escritórios da Associação Nacional Britânica de Espiritualistas. Nesta conferência, nasceu a Society for Psychical Research (SPR). Durante uma visita aos Estados Unidos em 1885, ele deu um impulso à fundação da SPR americana.
Sua teoria da alucinação em relação aos fenômenos físicos maiores logo foi deixada de lado. Ele encontrou médiuns em amigos pessoais que estavam acima da suspeita e ele poderia realizar experimentos à luz do dia. A senhorita Florrie Clark e os Lauders, uma fotógrafa profissional de Dublin e sua sobrinha, foram fundamentais para convencê-lo do erro de sua antiga teoria.

Fonte (com pequenas modificações): Uma Enciclopédia da Ciência Psíquica de Nandor Fodor (1934).

sábado, 23 de maio de 2020

EXTERIORIZAÇÃO DA ALMA[1]



 A boca fala do que está cheio o coração[2]

Essa afirmativa de Jesus encerra grande sabedoria.
Significa que não somente as palavras, mas tudo o que vem do interior do homem é, de certa forma, a exteriorização de sua alma.
As cidades são a expressão de quem as constrói, de quem as habita, de quem as conserva.
Uma canção é a exteriorização da alma do compositor, assim como a escultura, a arquitetura, as artes plásticas, retratam a intimidade do seu criador.
Uma peça literária é a alma do escritor que se mostra em forma de palavras, frases, ideias...
É assim que pelo conteúdo das mais variadas formas de expressão, conhecemos a natureza daquele que as produz.
Almas sábias exteriorizam bondade, beleza, sabedoria...
Almas ignóbeis se revelam pelas produções corrompidas na base, ideias desconexas, infelizes, viciosas... Suas expressões artísticas denotam baixeza e futilidade. São contraditórias e desprovidas de beleza.
Nas canções, a letra é carregada de palavras torpes. As notas, geralmente de melodia pobre, expressam o desarranjo da alma que através da música se exterioriza.
Os escultores dessa categoria apresentam sua intimidade nas formas retorcidas, grotescas, sem graciosidade. Comumente não causam bem-estar em quem as contempla.
Todavia, muito diversa é a expressão artística das almas nobres...
As composições musicais expressam sua grandeza d'alma. Produzem, em quem as ouve, profunda harmonia íntima, pois tocam as cordas mais sutis do ser, promovendo estesia e bem-estar.
As notas musicais têm sonoridade agradável e penetrante. A alma do artista se exterioriza, e sua sabedoria sensibiliza quem as sente, provocando emoções nobres e salutares.
É assim que a alma se mostra através das palavras, das artes, das ciências, e de todas as formas de expressão.
Às vezes, pessoas iletradas se apresentam com extremada beleza, através de palavras que brotam da alma como de uma fonte cristalina, plenas de sabedoria, de afeto, de ternura.
Trabalhadores simples, devotados, que realizam suas tarefas com dedicação e seriedade, demonstram trazer no íntimo uma fonte de riquezas.
Poetas, escritores, compositores, escultores, engenheiros, médicos, jardineiros, pedreiros, arquitetos, donas de casa, paisagistas e outros tantos cidadãos, mostram a alma através de suas realizações.

* * *

E a sua alma, como tem se exteriorizado?
Nas tarefas singelas que você realiza...
Nas muitas palavras que você pronuncia...
Nos conselhos que dá ao filho ou a um amigo...
Numa carta comercial que você escreve, ou numa declaração de amor, sua alma se exterioriza e se deixa ver...
Com suas ações, o mundo ao seu redor fica mais belo ou mais feio? Mais alegre, ou mais triste, mais nobre, ou mais pobre?
Para se conquistar a excelência nas ações cotidianas, é preciso considerar as quatro dimensões da experiência humana:
·         a dimensão intelectual, que almeja a verdade;
·         a dimensão estética, que almeja a beleza,
·         a dimensão moral, que almeja a bondade,
·         a dimensão espiritual, que almeja a unidade.

E gravitar para a unidade divina, é o objetivo final da humanidade.
Busque plantar em sua alma a verdade, a bondade e a beleza.
Mas considere que a verdade é o solo mais propício para que germinem a bondade e beleza.
Pense nisso! Vale a pena!
Invista na sua alma!


Equipe de Redação do Momento Espírita

sexta-feira, 22 de maio de 2020

NECESSIDADE DO TRABALHO[1]



José Carlos Leal


“A necessidade do trabalho é uma lei natural?” (OLE 674)
Questão 674 /O Livro dos Espíritos

Com esta pergunta, Allan Kardec abre, em O Livro dos Espíritos, a discussão sobre trabalho. O espírito responde a esta questão do seguinte modo:

O trabalho é uma lei natural, por isso mesmo é uma necessidade e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque aumentam as suas necessidades e seus prazeres.

Examinemos com mais cuidado esta resposta. Em primeiro lugar, ela diz que, de fato, o trabalho é uma lei natural. Esta colocação nos causa espécie porque, de um modo geral, encaramos o trabalho como uma atividade cultural realizada em certos locais, certas horas e subordinadas a determinadas leis. Entretanto, esta concepção de trabalho nos parece demasiadamente estreita.
Para se dizer que o trabalho é uma lei natural, temos que provar que ela pertence à natureza e não nos parece difícil demonstrar tal coisa. Se não, vejamos: as formigas trabalham incansavelmente (são inclusive, símbolos do trabalho) para manter os seus formigueiros organizados; as abelhas, em suas colmeias, fazem o mesmo; outros insetos trabalham fertilizando as flores; os castores constroem nos rios, diques de madeira; os pássaros fazem seus ninhos; os grandes predadores exercem a atividade da caça e assim por diante.
O homem, por sua vez, muito antes que houvesse a civilização, soube o acicate[2] da sobrevivência; aprendeu a trabalhar. Foi, em verdade, o trabalho, que tornou o homem verdadeiramente humano.
Prestemos atenção, porém, à última parte da resposta onde o espírito fala das relações entre o trabalho e a civilização. Ali se diz que a civilização, aumentando as nossas necessidades e ampliando a nossa capacidade de desejar, aumentou também a nossa necessidade de trabalhar.
Esta é uma questão muito interessante e rica em ensinamentos. O animal trabalha para satisfazer as suas necessidades naturais de alimentar-se, agregar-se ou reproduzir-se; mas o homem cria necessidades artificiais e, por isso, aumenta a sua força de trabalho para produzir cada vez mais e adquirir coisas incessantemente.
Com isto, ele se reduz significativamente, trabalhando para ganhar dinheiro e com o dinheiro, conseguir coisas que nem sempre lhe são essenciais. Alguns homens mais espertos ou mais ativos, levam centenas ou mesmo milhares de outros homens a trabalharem para eles, tornando-se cada vez mais ricos materialmente, enquanto seus empregados ficam cada vez mais pobres.
Essa é uma distorção da ideia de trabalho, uma vez em que o ato de trabalhar transforma-se em suplício para o trabalhador e o faz uma pessoa negativista, que vê o trabalho como uma maldição e não como uma benção. Os exploradores se esquecem de que, ao explorarem o trabalho dos outros, perdem o melhor de si mesmos, chegando ao fim de suas vidas com sólidas contas bancárias, mas inteiramente vazios e com incrível débito ante a lei de Deus.
Quando o Espiritismo nos diz que o trabalho é uma lei natural, não está se referindo ao trabalho alienado ou ao trabalho escravo, mas a uma atividade profundamente útil ao progresso dos espíritos.
Se não houvesse o trabalho, mesmo no modelo negativo que ainda o conhecemos, em razão da pouca evolução do planeta, a vida humana seria demasiadamente pobre. O trabalho torna o homem ousado e criativo e, quando feito com prazer, é uma atividade capaz de nos dar felicidade.

Fonte: Correio Espírita

quinta-feira, 21 de maio de 2020

OLHOS PARA VER[1]



Miramez

Os Espíritos fazem do presente uma ideia mais precisa e mais justa do que nós?
‒ Mais ou menos como aquele que vê claramente tem uma ideia mais justa das coisas, do que o cego. Os Espíritos veem o que não vedes, e julgam diferentes de vós. Mas ainda uma vez: isso depende da sua elevação.
Questão 241/O Livro dos Espíritos

Os Espíritos fora da carne têm uma visão mais acentuada do que os encarnados, por estarem mais livres as suas faculdades. Entretanto, é bom que se compreenda que tudo é relativo; o despertamento da alma obedece a uma lei que podemos denominar de merecimento, pelo tamanho espiritual de cada um.
Determinadas entidades espirituais, cuja elevação se encontra nos primeiros degraus na escala de ascensão, por vezes não veem mais que os homens, e muitos deles, nem igual a esses. Isso ocorre igualmente no que tange ao saber. Vejamos o que diz o apóstolo João, em sua primeira epístola, no capítulo quatro, versículo um:

Amados, não deis crédito a qualquer Espírito: antes, provai os Espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora.

Provar o Espírito se ele vem de Deus é examinar o conteúdo da sua fala, se as coisas que ele diz são realmente de natureza evangélica, se procedem do amor.
Como já nos referimos, muitos deles não sabem mais que os próprios homens.
Em relação às coisas do mundo espiritual elevado, os encarnados se encontram cegos, por estarem envolvidos na carne que tira quase por total a sua visão espiritual. Os que estão livres, capacitados para tal, têm realmente olhos para ver e ouvidos para escutar as belezas da criação de Deus.
Devemos observar passo a passo o cortejo da Doutrina dos Espíritos entre os homens, do que ela é portadora para nosso coração, porque o Espiritismo revela muitas verdades antes escondidas, e traz à luz muitas palavras de Jesus que não tinham uma interpretação verdadeira pelas outras filosofias, de maneira que os homens, mesmo na carne, possam ver melhor, sentindo a esperança da vida que os aguarda além do túmulo.
A visão humana sofre muitas restrições, dado o ambiente dos encarnados, onde estão condensados fluidos grosseiros, animalizados pelos próprios inquilinos da Terra. Uma das missões, também, do Espiritismo com Jesus, é limpar a atmosfera terrestre, iluminando os sentimentos humanos com os preceitos do Mestre. Por enquanto, está se estendendo pelo mundo a teoria evangélica, para depois, então, iniciar-se a vivência do que se fala todos os dias acerca de Jesus, o Cristo de Deus.
Quanto mais ascendem os Espíritos rumo à perfeição espiritual, mais visão da verdade e mais tranquilidade consciencial domina a alma, ficando em perfeito estado de felicidade. Não se deve esmorecer, mesmo nos caminhos tortuosos de cada dia. As dificuldades são prenúncio da harmonia que nos espera, desde quando não procuremos os problemas visando rápida ascensão.
O Evangelho de Jesus é, pois, o código valioso que veio como herança para as criaturas. Nele se encontram todos os meios lícitos de dilatar os nossos poderes espirituais, alcançando assim a tranquilidade da consciência. Dentro de nós existem todos os recursos, que por vezes buscamos fora, por nos faltar consciência desses valores. O que nos falta é olhos para ver o que realmente somos e de onde viemos: da Perfeição Soberana.




[1] Filosofia Espírita – Volume 5 – João Nunes Maia

quarta-feira, 20 de maio de 2020

TEMPERAMENTO INFANTIL PREVÊ PERSONALIDADE MAIS DE 20 ANOS DEPOIS[1]



Redação do Diário da Saúde

Inibição comportamental
Observe seus filhos pequenos e você terá um quadro bastante fidedigno de como eles serão quando adultos.
A inibição comportamental na infância, por exemplo, conseguiu prever uma personalidade reservada e introvertida aos 26 anos de idade ‒ 20 anos após as observações iniciais ‒, mostrando como o temperamento molda o curso da vida dos adultos.
Para aqueles indivíduos que demonstravam sensibilidade a cometer erros na adolescência, os resultados indicaram maior risco de distúrbios internalizantes (como ansiedade e depressão) na idade adulta.
"Embora muitos estudos vinculem o comportamento da primeira infância ao risco de psicopatologias, os resultados do nosso estudo são únicos. Isso porque nosso estudo avaliou o temperamento muito cedo na vida, vinculando-o a consequências que ocorreram mais de 20 anos depois por meio [da observação] de diferenças individuais nos processos neurais", disse o professor Daniel Pine, do Instituto Nacional de Saúde Mental e da Universidade de Maryland (EUA).

O que é temperamento
Na abordagem adotada pelos pesquisadores, o temperamento refere-se a diferenças individuais, mensuradas biologicamente, na maneira como as pessoas respondem ao mundo em termos emocionais e comportamentais. Durante a infância, o temperamento serve de base para a personalidade posterior. Um tipo específico de temperamento, chamado inibição comportamental, é caracterizado por um comportamento cauteloso, medroso e de esquiva em relação a pessoas, objetos e situações desconhecidos.
Os dados mostram que a inibição comportamental é relativamente estável entre a primeira infância e a infância, e as crianças com inibição comportamental correm maior risco de desenvolver distúrbios de abstinência social e ansiedade do que as crianças sem inibição comportamental.
No início do estudo, os pesquisadores avaliaram a inibição comportamental dos bebês aos 14 meses de idade. Aos 15 anos, esses participantes retornaram ao laboratório para fornecer dados neurofisiológicos.
Essas medidas neurofisiológicas foram usadas para avaliar a "negatividade relacionada a erros", que é uma queda no sinal elétrico registrado no cérebro que ocorre após respostas incorretas em tarefas computadorizadas. A negatividade relacionada a erros reflete o grau em que as pessoas são sensíveis ao fato de cometerem erros.
Os sinais mais fortes foram associados a condições de internalização, como ansiedade, enquanto uma negatividade relacionada a erro muito pequena foi associada a condições de externalização, como impulsividade e uso de substâncias viciantes.

Da criança ao adulto
Finalmente, os participantes retornaram aos 26 anos para avaliações de psicopatologia, personalidade, funcionamento social e avaliação de como haviam se saído na educação e no emprego.
Os pesquisadores descobriram que a inibição comportamental aos 14 meses de idade previa, aos 26 anos, uma personalidade mais reservada, menos relacionamentos românticos nos últimos 10 anos e menor funcionamento social com amigos e familiares.
A inibição comportamental aos 14 meses também previu níveis mais altos de psicopatologia internalizante na idade adulta, mas apenas para aqueles que também apresentaram maiores sinais de negatividade relacionada aos erros aos 15 anos.
A inibição comportamental não mostrou associação à externalização de psicopatologia em geral ou conexão com os resultados na educação e no emprego.
"Estudamos a biologia da inibição comportamental ao longo do tempo e ficou claro que ela tem um efeito profundo que influencia o resultado do desenvolvimento", concluiu o Dr. Nathan Fox, membro da equipe.

Checagem com artigo científico:
Artigo: Infant behavioral inhibition predicts personality and social outcomes three decades later
Autores: Alva Tang, Haley Crawford, Santiago Morales, Kathryn A. Degnan, Daniel S. Pine, Nathan A. Fox
Publicação: Proceedings of the National Academy of Sciences
DOI: 10.1073/pnas.1917376117

terça-feira, 19 de maio de 2020

Antropofagia[1]



Allan Kardec

Lê-se no Siècle de 26 de dezembro de 1865:

O almirantado inglês acaba de dirigir uma circular às cidades marítimas que transportam armamentos para a Oceania, na qual anuncia que, desde algum tempo, nota-se entre os habitantes das ilhas do grande oceano uma recrudescência da antropofagia. Nessa circular, exorta os capitães de navios mercantes a tomarem todas as precauções necessárias para evitar que sua tripulação seja vítima desse horroroso costume.
Desde cerca de um ano a tripulação de quatro navios foi devorada pelos antropófagos das Novas-Hébridas, da baía de Jervis ou da Nova Caledônia, e todas as medidas devem ser tomadas para evitar a repetição de tão cruéis desgraças.

Eis como o jornal Le Monde explica esse recrudescimento da antropofagia:

Tivemos a cólera, a epizootia, a varicela; os legumes, os animais, estão doentes. Eis uma epidemia mais dolorosa ainda, que o almirantado inglês nos dá a conhecer: os selvagens da Oceania, ao que se diz, exacerbam-se na antropofagia. Vários casos horríveis chegaram ao conhecimento dos lordes do almirantado. A tripulação de vários navios ingleses desapareceu. Ninguém duvida que nossas autoridades marítimas também tomem medidas, porque dois navios franceses foram atacados, os tripulantes tomados e devorados pelos selvagens. O espírito se detém diante desses horrores, dos quais foram impotentes para triunfar todos os esforços de nossa civilização. Quem sabe de onde vêm essas criminosas inspirações?
Que palavra de ordem foi dada a todos esses pagãos, disseminados em centenas e milhares de ilhas nas imensidades dos mares do Sul? Sua paixão monstruosa, apaziguada por um momento, reaparece a ponto de chamar a repressão, de inquietar as potências da Terra. É um desses problemas cuja solução só o dogma católico pode dar. Em certos momentos o Espírito das trevas age com toda a liberdade. Antes dos acontecimentos graves ele se agita, impele suas criaturas, sustenta-as e as inspira. Grandes acontecimentos se preparam. A revolução crê chegada a hora de proceder ao coroamento do edifício; recolhe-se para a luta suprema, ataca-se à pedra angular da sociedade cristã. A hora é grave e parece que a Natureza inteira pressente e prevê a sua gravidade.

Admiramos de não ver, entre as causas do agravamento da ferocidade nos selvagens, figurar o Espiritismo, esse bode expiatório de todos os males da Humanidade, como foi outrora o Cristianismo em Roma. Talvez aí esteja implicitamente compreendido, como sendo, segundo uns, obra do Espírito das trevas.
“Só o dogma católico, diz Le Monde, pode dar a explicação desse problema”. Não vemos muita clareza na explicação que ele dá, nem o que tem de comum o espírito revolucionário da Europa com esses bárbaros. Até achamos nesse dogma uma complicação da dificuldade.
Os antropófagos são homens: ninguém jamais o duvidou. Ora, não admitindo o dogma católico a preexistência da alma, mas a criação de uma alma nova ao nascimento de cada corpo, resulta que nalgum lugar Deus cria almas de comedores de homens e aqui almas capazes de se tornarem santos. Por que esta diferença? É um problema cuja solução a Igreja jamais deu e, contudo, é uma pedra angular essencial. Conforme sua doutrina, a recrudescência da antropofagia não se pode explicar senão assim: é que neste momento a Deus apraz criar um maior número de almas antropófagas, solução pouco satisfatória e, sobretudo, pouco consequente com a bondade de Deus.
A dificuldade aumenta se se considerar o futuro dessas almas. Em que se tornam depois da morte? Serão tratadas do mesmo modo que as que têm consciência do bem e do mal? Isto não seria justo nem racional. Com o seu dogma a Igreja, em vez de explicar, fica num impasse, do qual não pode sair senão apelando para o mistério, que não precisa ser compreendido, espécie de non possumus que corta pela raiz as questões embaraçosas.
Pois bem! Esse problema que a Igreja não pode resolver, o Espiritismo encontra sua solução mais simples e racional na lei da pluralidade das existências, à qual todos os seres estão submetidos, e em virtude da qual progridem. Assim, as almas dos antropófagos estão perto de sua origem, suas faculdades intelectuais e morais ainda são obtusas, pouco desenvolvidas e, por isso mesmo, nelas dominam os instintos animais.
Mas essas almas não estão destinadas a ficar perpetuamente nesse estado inferior, que as privaria para sempre da felicidade das almas mais adiantadas; crescem em raciocínio, esclarecem-se, depuram-se, instruem-se e melhoram em existências sucessivas. Revivem nas raças selvagens, enquanto não ultrapassarem os limites da selvageria. Chegadas a um certo grau, deixam esse meio para encarnar-se numa raça um pouco mais adiantada; desta a uma outra e assim por diante, sobem em grau, em razão dos méritos que adquiriram e das imperfeições de que se despojaram, até que tenham atingido o grau de perfeição de que é susceptível a criatura. A via do progresso não está fechada a nenhuma, de tal sorte que a mais atrasada pode aspirar à suprema felicidade. Mas umas, em virtude do seu livre-arbítrio, que é o apanágio da Humanidade, trabalham com ardor por sua depuração e por sua instrução, em se despojar dos instintos materiais e das fraldas da origem, porque, a cada passo que dão para a perfeição veem mais claro, compreendem melhor e são mais felizes. Essas avançam mais prontamente, gozam mais cedo: eis a sua recompensa. Outras, sempre em virtude de seu livre-arbítrio, demoram-se no caminho, como estudantes preguiçosos e de má vontade, ou como operários negligentes; chegam mais tarde, sofrem mais tempo: eis a sua punição ou, se quiserem, o seu inferno. Assim se confirma, pela pluralidade das existências progressivas, a admirável lei de unidade e de justiça que caracteriza todas as obras da Criação. Comparai esta doutrina à da Igreja, sobre o passado e o futuro das almas e vede qual a mais racional, a mais conforme a justiça divina e que melhor explica as desigualdades sociais.
A antropofagia é, seguramente, um dos mais baixos graus da escala humana na Terra, porque o selvagem que não come mais o seu semelhante já está em progresso. Mas de onde vem a recrudescência desse instinto bestial? É de notar, antes de mais, que é apenas local e que, em suma, o canibalismo desapareceu em grande parte da Terra. É inexplicável sem o conhecimento do mundo invisível e de suas relações com o mundo visível. Pelas mortes e nascimentos, eles se alimentam incessantemente um do outro. Ora, os homens imperfeitos não podem fornecer ao mundo invisível almas perfeitas, e as almas perversas, encarnando-se, não podem fazer senão homens maus. Quando as catástrofes e flagelos se apoderam ao mesmo tempo de grande número de homens, há uma chegada em massa no mundo dos Espíritos. Devendo essas mesmas almas reviver, em virtude da lei da Natureza, e para o seu adiantamento, as circunstâncias podem igualmente trazê-las em massa para a Terra.
O fenômeno de que se trata depende, pois, simplesmente da encarnação acidental, nos meios ínfimos, de um maior número de almas atrasadas, e não da malícia de Satã, nem da palavra de ordem dada aos povos da Oceania. Ajudando o desenvolvimento do senso moral dessas almas, durante sua permanência na Terra – e esta é a missão dos homens civilizados – elas melhoram; e quando retomarem uma nova existência corporal, com vistas ao seu progresso, ainda serão homens menos maus do que eram, mais esclarecidos, de instintos menos ferozes, porque o progresso realizado jamais se perde. É assim que gradualmente se realiza o progresso da Humanidade.
Le Monde está com a verdade, dizendo que se preparam grandes acontecimentos. Sim, uma transformação se elabora na Humanidade. Já se fazem sentir os primeiros abalos do parto; o mundo corporal e o mundo espiritual se agitam, porque é a luta entre o que acaba e o que começa. Em proveito de quem será essa transformação? Sendo o progresso a lei providencial da Humanidade, ela não se pode dar senão em benefício do progresso.
Mas os grandes partos são laboriosos; não é sem abalos e sem grandes rasgões no solo que se extirpam dos terrenos a limpar as ervas daninhas, que têm longas e profundas raízes.




[1] Revista Espírita – Fevereiro/1866 – Allan Kardec