Carta do Sr. Dellanne
Nosso colega, Sr. Delanne, escreve-nos em data de 2 de abril
de 1865:
Caríssimo mestre,
Revi nossos irmãos
de Barcelona. Lá, como na França, a doutrina se propaga, os adeptos são zelosos
e fervorosos. Num grupo que visitei, vi dignos êmulos desse caro Sr. Dombre, de
Marmande. Constatei a cura completa de uma senhora, atacada por terrível
obsessão, que já durava no mínimo quinze anos, muito antes que se falasse de
Espíritos. Médicos, padres, exorcismos, tudo fora empregado inutilmente. Hoje
essa mãe de família voltou aos seus, que não cessam de dar graças a Deus por
tão miraculosa cura.
Bastaram dois meses
para obter esse resultado, tanto pela evocação do obsessor, quanto pela
influência de preces coletivas e simpáticas.
Numa outra sessão
foi feita a evocação do Espírito que, há oito anos, obsedia um operário chamado
Joseph, agora em vias de cura. Nunca me havia emocionado tão penosamente senão quando
presenciei as dores do paciente no momento da evocação.
A princípio calmo,
de repente é tomado de sobressaltos, de espasmos e de tremores nervosos.
Colhido por seu inimigo invisível, agita-se em horríveis convulsões; o peito
infla, o doente sufoca e, depois, retomando a respiração, ele se retorce como
uma serpente, rola no chão, ergue-se de um salto e se bate na cabeça. Só pronunciava
palavras entrecortadas, sobretudo a palavra: Não! Não!
O médium, que é uma
senhora, estava em prece; toma da pena e eis que o invisível, deixando sua
presa por um instante, apodera-se de sua mão e a teria maltratado, se o
tivessem deixado.
Há quinze dias que
evocam esse Espírito da pior espécie; jamais ele quis dizer o motivo de sua
vingança. Premido por mim com perguntas, enfim confessou que esse Joseph lhe
havia roubado aquela a quem ama. Nós lhe fizemos compreender que se não o
quisesse mais atormentar e mostrasse o menor sinal de arrependimento, Deus lhe
permitiria revê-la.
– Por ela, diz ele, farei tudo.
– Pois bem! Então
dizei: Meu Deus, perdoai minhas faltas.
– Depois de hesitar,
ele nos disse: Vou tentar; mas ai dele se não me fizerdes vê-la! E escreveu: Meu Deus, perdoai minhas
faltas.
O momento era
crítico; que ia acontecer? Consultados, os guias disseram: Fizestes bem em pôr
toda a vossa confiança em Deus e em nós; tendes a chave para trazê-lo a vós.
Ele verá mais tarde aquela a quem ama; nada temais. É uma promessa que deveis aproveitar,
a fim de que ele seja reconduzido ao bem. Depois desta cena, Joseph, esgotado
como um lutador, extenuado de fadiga, se ressente da terrível possessão de seu
inimigo invisível. Então o Sr. B..., operando enérgicos passes magnéticos,
termina por acalmá-lo completamente. Queira Deus que esta cura seja tão
estrondosa quanto a precedente.
Eis a que se aplicam
esses caros irmãos! Quanta energia, quanta convicção, quanta coragem não são
precisas para fazer semelhantes curas! Somente a fé, a esperança e, sobretudo,
a caridade podem vencer tão grandes obstáculos e afrontar com tamanha
temeridade uma malta de tão terríveis adversários. Saí dali exausto!
Alguns dias mais
tarde eu assisti em Carcassonne a emoções de outro gênero. Visitei o Sr.
presidente Jaubert. Disse-me ele: ‒ Temos numerosos casos de transportes desde
algum tempo. Vou levar-vos à senhorita que é objeto dessas manifestações.
Como se de
propósito, a moça estava indisposta; o estômago estava intumescido, a ponto de
não poder afivelar o vestido. Consultados os guias, a sessão foi adiada para o
dia seguinte, às oito horas da noite. O Sr. C..., capitão reformado, houve por
bem colocar seu salão à nossa disposição. É uma grande peça vazia, apenas
atapetada. Como toda decoração, só dispõe de um espelho sobre a lareira, uma
cômoda e cadeiras; nada de quadros, cortinas ou forro de papel nas paredes: um
verdadeiro apartamento de rapaz. Éramos ao todo nove pessoas, todos adeptos
convictos.
Assim que entramos,
uma chuva de bombons caiu com estrondo num ângulo do aposento! Seria difícil
falar-vos da minha emoção, porquanto a honorabilidade dos assistentes, aquela
sala vazia e escolhida, tudo parecia preparado de propósito pelos Espíritos
para tirar qualquer dúvida, nada havendo
que pudesse fazer suspeitar uma manobra fraudulenta. Apesar desse prodígio, eu
não deixava de olhar, de perscrutar as paredes com o olhar e lhes perguntar se
não eram cúmplices de um conchavo qualquer.
A médium doente toma
seu lápis e escreve: ‒ Dize a Delanne que ponha sua mão na boca de teu estômago
e essa inflamação desaparecerá. Orai antes.
Eis-nos todos em
prece. Eu estava na extremidade da sala quando, em meio ao recolhimento geral,
uma nova chuva de bombons se produziu no ângulo oposto àquele de onde partira
na primeira vez. Julgai de nossa alegria.
Aproximei-me da
doente; o inchaço era muito maior que na véspera. Impus a mão e o edema
desapareceu como por encanto.
Estou curada, disse
ela. Seu vestido, bastante apertado, tornou-se muito folgado. Todos constataram
o fato. Unimo-nos em pensamento para agradecer aos Espíritos bons por tanta
bondade.
Então se sucedeu uma
terceira chuva de bombons. Em minha vida jamais esquecerei estes fatos. Aqueles
senhores estavam encantados, mais por mim do que por eles, habituados a essas formas
de manifestações. Cada um deles possui alguns objetos trazidos pelos Espíritos.
O Sr. Jaubert afirmou ter visto sua mesa virar-se e se erguer várias vezes sem
o concurso das mãos; seu chapéu levado de um a outro canto da sala. Um fato
análogo de cura instantânea igualmente se produziu há alguns meses, sob a mão
do Sr. Jaubert.
A senhorita médium
é, além disso, sonâmbula muito lúcida; estando adormecida, eu lhe disse:
‒ Quereis
acompanhar-me a Paris?
– Sim.
– Tende a
bondade de ir à minha casa.
– Vejo vossa esposa, disse ela; ela me agrada; está deitada
e lê.
Descreveu o apartamento
com perfeita exatidão. Eis a conversa que teve com minha mulher:
‒ Senhora, não
sabeis que o vosso marido está conosco?
– Não, mas dizei
a ele que me escreva.
– Vede! Eu não tinha
visto vosso filho; ele é gentil. Vossa senhora me diz que tem outro filho,
também muito gentil.
– Pedi-lhe que
vos diga sua idade.
– Ele tem nove
meses.
– Exatamente.
Como eu sabia que
havia reunião em vossa casa, pedi-lhe que vos fosse ver. Ela não ousava entrar,
tamanha era a quantidade de gente e de grandes Espíritos. Ela vos detalhou
muito bem, caro presidente, assim como vários de nossos colegas.
Observação –
Antes de mais, prestemos um justo tributo de elogios aos nossos irmãos de
Barcelona, por seu zelo e devotamento. Como diz o Sr. Delanne, para realizar
tais coisas é preciso coragem e perseverança, que somente a fé e a caridade podem
dar. Que aqui recebam o testemunho de fraterna simpatia da Sociedade de Paris.
Os fatos de Carcassonne farão sorrir os incrédulos, que não
deixarão de dizer que é a representação de uma comédia; caso contrário, dirão,
seriam milagres, e o tempo dos milagres já passou.
Respondemos-lhe que não há nisto nenhum milagre, mas simples
fenômenos naturais, cuja teoria compreenderão quando quiserem se dar ao
trabalho de estudá-los, razão por que não nos esforçamos para lhes explicar.
Quanto à comédia, seria preciso saber em benefício de quem foi representada.
Certamente a prestidigitação pode operar coisas igualmente surpreendentes, até
mesmo a cura de uma inchação simulada por uma bexiga cheia. Mas, ainda uma vez,
em benefício de quem? Sempre se é forte quando se pode opor a uma acusação de
charlatanismo o mais absoluto desinteresse; já não seria o mesmo se estivesse
em jogo a mais leve suspeita de interesse material. E, depois, quem
representaria essa comédia? Uma jovem de boa família, que não se exibe em
espetáculo, que nem dá sessões em sua casa, nem na cidade, e não busca falar de
si, o que não é o caso dos charlatães; um vice-presidente de Tribunal; honrados
negociantes; oficiais recomendáveis e recebidos na melhor sociedade; uma tal
suspeita pode atingi-los? Dirão que é no interesse da doutrina e para fazer
adeptos. Mas nem por isso deixa de ser uma fraude, indigna de pessoas que se
respeitam. Aliás, seria um meio singular assentar uma doutrina sobre a
habilidade em enganar, por meio de gente honesta. Mas os nossos contraditores
não olham isto de tão perto, em matéria de contradições; a lógica é a menor de
suas preocupações.
Contudo, há uma importante observação a fazer aqui.
Quem assistia à sessão, da qual dá conta o Sr. Delanne?
Havia incrédulos a quem queriam convencer? Não, nenhum. Todos eram adeptos que
já tinham testemunhado esses fatos várias vezes.
Teriam, pois, escamoteado pelo prazer de enganar a si
mesmos. Por mais que digais, senhores, os Espíritos empregam tantas maneiras diferentes
para atestar sua presença que, em definitivo, os que riem não estarão do nosso
lado. Podeis julgá-lo pelo número sempre crescente de seus partidários. Se
tivésseis encontrado um só argumento sério, não o teríeis omitido; mas caís
precisamente sobre os charlatães e os exploradores, que o Espiritismo
desacredita e com os quais declara nada ter em comum; nisto nos secundais, em
vez de nos prejudicar. Assinalai a fraude, onde quer que a encontreis: é só o
que pedimos. Jamais nos vistes tomar-lhes a defesa, nem sustentar os que, por
sua falta, tiveram problemas com a justiça ou transgrediram a lei. Todo
espírita sincero, que se cinge aos limites dos deveres que lhe traça a
doutrina, concilia a consideração e o respeito, e nada tem a temer.
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