sábado, 29 de junho de 2019

O HOSPITAL TOCA AS FERIDAS DAS PESSOAS[1]



Fernando Rossit[2]

Recebi uma mensagem pelo WhatSapp que dizia mais ou menos o seguinte: Paredes de Hospitais já ouviram preces mais honestas do que igrejas.
Já viram despedidas e beijos mais sinceros que aeroportos.
É fato: a dor e o desespero nos tornam mais humanos e cientes de nossas limitações.
Não enxergamos outra saída senão recorrermos a um Ser Supremo.
Aquele que nos deu a vida se torna o Único com o poder de nos salvar.
E as pessoas capazes de nos ajudar são enviadas por Ele, são Seus representantes junto de nós.
É no Hospital que vemos um homofóbico ser salvo por um médico gay.
Uma médica fria e que teve tudo fácil na vida, salvando a vida de um mendigo.
É lá também que vemos na UTI um enfermeiro judeu cuidando de um racista.
Na mesma enfermaria é possível encontrar o policial e o criminoso recebendo os mesmos cuidados.
No hospital vemos um rico aguardando um transplante de um pobre desconhecido, muitas vezes esquecido e desprezado por ele.
Nessas horas o Hospital toca na ferida das pessoas, expondo a fragilidade humana.
Universos que se cruzam em um propósito Divino.
E nessa comunhão de destinos nos damos conta de que sozinhos não somos ninguém.
A verdade absoluta das pessoas, na maioria das vezes, só aparece no momento da dor ou na ameaça da perda.


Fonte: Kardec Rio Preto

sexta-feira, 28 de junho de 2019

TRAJES NOS RECINTOS ESPÍRITAS[1]



Jorge Hessen - jorgehessen@gmail.com

Em determinada ocasião, à tarde, visitei uma casa espírita localizada num certo estado do litoral brasileiro. Naquele espaço “doutrinário” senti um grande desconforto quando desfilaram diante de mim algumas pessoas trajando vestuários arrojados e sensuais que avaliamos impróprios para o local.
Compreendemos que não há nos códigos espíritas quaisquer prescrições com regulamentos proibitivos, todavia, será que em nome da liberdade podemos fazer o que “der na telha” dentro do ambiente kardeciano?
Atualmente não há muitos textos debatendo sobre o “uso de roupa adequada no recinto de uma instituição espírita”. Apesar de ser assunto desinteressante para alguns, estamos convencidos de que os trabalhadores de uma casa espírita devem utilizar vestes de conformidade com os desígnios do ambiente. O bom senso determina isso!
Nos espaços do centro espírita é indispensável que seja cultivada a decência e o respeito entre frequentadores e trabalhadores, a fim de que decorra a máxima atenção às tarefas que são ofertadas na instituição. Os que aí convivem necessitam desenvolver discernimento e de maneira muito especial os que estão compromissados nos setores das reuniões mediúnicas, estes devem obrigatoriamente usar roupas aconselhadas.
Assim como em qualquer ambiente respeitável, deve ser sustentada a seriedade e o comedimento com o vestuário. Até mesmo nas programações de mutirões de limpeza, consertos e conservação das instalações os trajes devem ser sóbrios e adequados para a ocasião.
Por questões de sensatez deve-se evitar: shorts, bermudas, blusas decotadas sensuais, vestidos ou saias curtas, minissaias, calças apertadas seja para homens e seja para mulheres. Uma casa espírita não é passarela para espetáculos de vaidades terrenas e sim abrigo para meditações do espírito. Por isso, é importante vestir-se com decoro e simplicidade, sem prender-se à veneração do próprio corpo.
Critério e moderação garantem o equilíbrio e o bem-estar.
É inaceitável as pessoas procurarem as paragens de reflexões do Espirito envergando trajes lascivos. Até porque os Centros Espíritas são prontos-socorros para os doentes do espírito.
Os ensinamentos Espíritas respeitam o nosso livre arbítrio, mas isso não equivale afirmar que o Espiritismo aguente a baderna.
Centro Espírita sem boa orientação doutrinária é reduto de espíritos malévolos e o comportamento dos frequentadores e trabalhadores estabelece a harmonia ou a algazarra geral.
Devemos chegar a elas com trajes discretos e que não façam desviar a atenção dos frequentadores para a nossa pessoa. Uma roupa sensual pode causar transtornos em algum espírito menos evoluído.
As vestimentas sensuais não são apropriadas para quem deseja orar. Ao contrário do que se imagina, os mais pertinazes obsessores são os encarnados voluptuosos. Estes, na verdade, é que amofinam os Espíritos aventureiros do além.
Uma instituição espírita não é recinto para se aguçar a imaginação erotizante das pessoas improvidentes e sim paragem para aperfeiçoamento e sustentação da FÉ RACIONAL.


Fonte: Artigos Espíritas - Jorge Hessen

quinta-feira, 27 de junho de 2019

FAZER O BEM[1]



Miramez

 Haverá pessoas que, pela sua posição, não tenham possibilidades de fazer o bem?
‒ Não há ninguém que não possa fazer o bem. Só o egoísta não encontra jamais oportunidade. Bastará star em relação com outros homens para encontrar ocasião de fazer o bem, e cada dia da vida dá oportunidade a qualquer que não esteja cego pelo egoísmo, porque fazer o bem não é só ser caridoso, mas ser útil na medida de vosso poder, todas as vezes que vosso concurso pode ser necessário.
Questão 643/Livro dos Espíritos

Não há no mundo quem não possa fazer o bem. Em qualquer situação em que esteja o Espírito, tem ele sempre oportunidade de ser útil às criaturas, e mesmo às coisas. Se não existe nada morto, tudo carece de ser ajudado, na altura em que poderemos servir.
A caridade que desenvolves nos teus caminhos, o bem que sempre pensas e fazes, o amor que já desabrochou em teu coração, isso tudo são atividades espirituais que devem ser feitas, no entanto, não deixes afastar do raciocínio o bom senso. Preciso é que meças as tuas forças, para que não ultrapasses seus limites. Todo exagero desperdiça energias divinas, que serviriam para a tua própria paz. Porém, medita bastante no que podes fazer às criaturas com as quais estás a caminho. Vê em teu próprio lar, o quanto podes fazer pelos que te cercam todos os dias, o bem que podes fazer em favor deles, com uma palavra, com um olhar ou, às vezes, mesmo com o silêncio.
O bem se expande qual essas letras que se reúnem harmoniosamente nestas páginas; todas elas são úteis, desde quando mãos hábeis as coloquem nos devidos lugares, sob a influência de Jesus Cristo. Não há ninguém que, pela sua posição, não possa fazer o bem. As oportunidades para os mais ocupados, para os mais ricos, para os mais sábios, são incontáveis, surgindo de momento a momento. Mesmo que seja uma semente de luz que esteja em teu alcance, lança-a no solo do coração aflito, mas, não passes dos limites do que podes fazer, para não prejudicares a ti mesmo e vires a esmorecer no futuro, nas realizações nobres que fazes aos outros.
Existe sim, quem não possa fazer o bem: é aquele coração que se encontra dominado pelo egoísmo e dirigido pelo orgulho, porém a sua própria consciência responderá pela invigilância.
Todos os que estão no mundo seguros nos liames da carne, vivem porque há muitos vivendo por eles; somos todos elos interligados pelo amor de Deus.
Observa o ensinamento de Jesus, como sendo o segundo da redução dos dez de Moisés; o Mestre nos manda amar ao próximo como a nós mesmos, porque sem esse amor, não poderemos viver felizes. Compete a nós outros nos esforçarmos para amar a tudo e a todos em sequências intermináveis, de modo a fazer nascer a luz em nossos corações, garantida pela luz de Deus.
O bem é lei de Deus; o mal é ignorância dos homens; o amor é harmonia da vida, o ódio é infelicidade que nasce da ignorância; a fraternidade é justiça que nos lega a esperança, a violência nos faz esquecer a luz que temos para desabrochar em nosso coração.
Não há desculpas por permanecermos no mal, nos contrários das virtudes espirituais, porque Deus não se esqueceu de escrever Suas leis na consciência dos seres humanos, assim como na intimidade de todas as coisas. Tu, que nos está lendo, encontra nisso uma oportunidade e medita nos desígnios do Senhor. Pensando no melhor, esse melhor buscar-te-á para a escola, pelos meios compatíveis às tuas forças.
Porque cada um será salgado com fogo. (Marcos, 9:49)
Cada criatura de Deus será salgada com o fogo da verdade, pelos processos que deve suportar, despertando-se as suas qualidades ou talentos, que existem no centro da consciência. O Espiritismo com Jesus se encontra encarregado deste trabalho, agindo dentro dos seres humanos e acendendo a luz de Deus ali depositada por amor.
Fazer o bem na ordem do universo é reconhecer de onde se veio e para onde se vai, na paz da consciência que o Senhor nos deu.




[1] Filosofia Espírita – Volume 13 – João Nunes Maia

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Útero artificial. Foi criado, testado, e funciona[1]



Soline Roy – Le Figaro Santé

Fetos prematuros de ovelha cresceram normalmente durante 4 semanas no interior de dispositivos que imitam o ventre de sua mãe. O equipamento, que incorpora um saco plástico cheio de nutrientes artificiais reproduzindo a fórmula do líquido amniótico, foi testado com sucesso. Dois lindos cordeirinhos foram salvos graças a essa novíssima tecnologia e um deles hoje já está com um ano de idade. Cientistas acreditam que a placenta artificial para fetos humanos estará pronta para testes dentro de 3 a 4 anos.
Especialistas em neonatologia[2] do Hospital para Crianças da Filadélfia (EUA) desenvolveram um sistema de bolsas de água e de placenta artificial, destinado a acolher bebês prematuros de maneira mais fisiológica que os procedimentos atuais. Os autores, que levaram 5 anos para criar esse dispositivo, falam sobre o processo no site Nature Communications. Testado com bebês de ovelha, o sistema imitou a gestação natural durante 4 semanas suplementares. Uma façanha científica de grande significado e importância: apenas 30% dos bebês humanos nascidos com 25 semanas devido a amenorreias saem do hospital vivos e sem patologias graves. Alguns dias de gestação a mais faz enorme diferença: a taxa de sobrevida sem sequelas passa a 81% para os bebês nascidos com 27 semanas.
O pequeno cordeiro tem uma vida normal desde que foi retirado do útero e placenta artificiais.
O protótipo dos pesquisadores norte-americanos se compõe de 3 elementos: um oxigenador de resistência fraca e um circuito sem bomba permitem ao coração do feto gerar sozinho o fluxo sanguíneo de modo a “imitar o melhor possível a circulação fetal normal”. Um dispositivo específico permite “ligar” a máquina ao cordão umbilical. Finalmente, um saco de polietileno cheio de um sucedâneo de líquido amniótico oferece ao feto um ambiente estéril e próximo das condições in útero.
“O conjunto forma um dispositivo potencialmente revolucionário”, afirma com entusiasmo o professor Philippe Deruelle, ginecologista e obstetra do CHRU de Lille (França) e membro da Federação Hospitalar Universitária “Mil Dias para a Saúde”. “É a primeira vez que vejo um sistema tão próximo do útero natural, e sua simplicidade é realmente sedutora”, comenta o professor Michel Cosson, também ginecologista e obstetra do CHRU de Lille.
 A ilustração, encomendada pelo Children’s Hospital of Philadelphia, mostra o pequeno feto de ovelha sobrevivendo normalmente no interior da bolsa de plástico que faz as vezes de placenta (veja o 1o vídeo abaixo).

Alan Flake, o diretor do estudo
O interesse do dispositivo está no fato de que ele contorna os principais empecilhos aos quais se choca a reanimação neonatal no caso de grandes prematuros. “A transição da vida intrauterina para a vida extrauterina é, provavelmente, o acontecimento mais violento que um ser humano precisa enfrentar no decurso da sua vida”, explica o professor Deruelle. Os grandes prematuros não estão prontos para esse sacudimento e os procedimentos atuais permanecem muito invasivos. A ideia agora é prolongar a sua “vida líquida”, durante o tempo necessário para que seus pulmões estejam prontos para a “vida aérea”.
O dispositivo permitiu a “maturação”, durante 28 dias, de 8 cordeiros extraídos do ventre de suas mães 105 a 120 dias após o início da gestação. O equivalente, em termos de maturidade pulmonar, a 22 ou 24 semanas de amenorreia humana. No interior da placenta artificial, os cordeiros pareceram se desenvolver corretamente: as trocas de substâncias eram comparáveis ao fluxo placentário normal, os fetos se moviam, abriam os olhos, dormiam, em nenhum momento pareciam estressados e sua lã começava a crescer. A autopsia não revelou alterações ou danificações, em particular as de tipo neurológico. Um dos cordeiros foi mantido vivo, e hoje ele está com cerca de um ano, perfeitamente saudável. “Outros cordeiros que passaram depois pelos nossos biobags (sacos biológicos) são normais”, explica Alan Flake, que dirigiu o estudo. “Não existe, que eu saiba, testes de inteligência para cordeiros. Mas os nossos sobreviventes parecem ser bastante espertos”, brinca Flake.
 Muitas melhorias e aperfeiçoamentos deverão ser alcançados em breve. A conexão com o cordão umbilical, por exemplo, terá de ser adaptada para bebês humanos que são bem menores do que os cordeiros até agora utilizados. “Será também necessário desenvolver uma metodologia para transferir os fetos de modo seguro ao biobag”, observa o professor Olivier Baud, chefe do serviço de neonatologia do Hospital Ribert-Debré e pesquisador do Inserm. A utilização do dispositivo só é pensável, por enquanto, no caso de nascimento por cesariana, para evitar a contaminação bacteriana inevitável nos casos de parto normal. E acontece que “a cesariana é uma cirurgia complexa e que não favorece a operação, pois ela deixa no útero da mãe uma cicatriz que poderá dificultar uma próxima gravidez”, explica Michel Cosson.
 Aí está o primeiro cordeiro que, como feto, foi criado no interior da barriga da mamãe. Vide o vídeo em:  https://www.youtube.com/watch?v=dt7twXzNEsQ

Melhorar os estudos sobre as trocas placentárias
Além disso tudo, acrescenta Philippe Deruelle, “as paredes do útero de uma mulher são bem mais espessas que as de um útero de ovelha, e isso dificulta a incisão para a retirada do feto”. Será necessário melhorar a composição do líquido amniótico sintético, pois até agora utilizou-se uma simples mistura de água ionizada. “Conhecemos perfeitamente a composição do líquido amniótico, mas não temos certeza se tudo o que ele contem é necessário”, explica Olivier Baud. Os pesquisadores, por fim, nutriram os fetos de ovelha de modo muito empírico, explica Deruelle: “Ainda não sabemos exatamente como ocorrem e funcionam as trocas feto-placentárias e o que é realmente necessário para o bom crescimento do feto”.
A tecnologia do útero artificial significa também uma nova revolução nos estudos da vida fetal. Como explica Deruelle, “Poderemos gerar as carências, testar o impacto dos medicamentos etc. Esses são conhecimentos indispensáveis!”
Os autores pretendem que seu dispositivo possa ser aplicado aos fetos humanos dentro de dez anos. “Por que não?, comenta Michel Cosson. Sabemos hoje como salvar bebês de 23 semanas, enquanto que há 15 anos fazê-los vir à luz com 28 semanas já era uma empreitada que beirava a ficção científica! O útero artificial para humanos poderá perfeitamente em breve deixar de ser uma utopia”.



[2] Especialidade médica que tem por objeto o estudo do recém-nascido = NEONATALISMO



terça-feira, 25 de junho de 2019

Conversas Familiares Além-Túmulo – Pierre Legay, o Grand-Pierrot[1]



 (Paris, 16 de agosto de 1864 – Médium: Sra. Delanne)

Pierre Legay era um rico cultivador um pouco interesseiro, falecido há dois anos e parente da Sra. Delanne. Era conhecido na região pela alcunha de Grand-Pierrot. A conversa seguinte mostra um dos ângulos mais interessantes do mundo invisível, o dos Espíritos que ainda se julgam vivos. Foi obtida pela Sra. Delanne, que a comunicou à Sociedade de Paris. O Espírito se exprime exatamente como o fazia em vida; a própria trivialidade da linguagem é uma prova de identidade. Tivemos de suprimir algumas expressões que lhe eram familiares, por causa de sua crueza.
Diz a Sra. Delanne:
Desde algum tempo ouvíamos batidas à nossa volta; presumindo que pudesse ser um Espírito, pedimos-lhe se desse a conhecer. Ele logo escreveu: Pierre Legay, cognominado Grand-Pierrot.
 – Eis-vos, então, em Paris, Grand-Pierrot, vós que tínheis tanta vontade de vir aqui?
 Estou aqui, meu caro amigo; vim só, já que ela veio sem mim. E, contudo, eu lhe dissera tanto que me prevenisse... Mas, enfim, aqui estou. Estava aborrecido, porque não me deram atenção.
Observação – O Espírito alude à mãe da Sra. Delanne, que desde algum tempo tinha vindo morar em Paris, na casa de sua filha. Ele a designa por um epíteto que lhe era habitual e que substituímos por ela.
 Sois vós que bateis à noite?
– Onde quereis que eu vá? Não posso deitar-me em frente à porta.
– Então vos deitais em nossa casa?
 – Mas, evidentemente. Ontem fui passear convosco (ver as iluminações). Vi tudo. Ah! Como aquilo é bonito! Ainda bem! Pode dizer-se que fizeram belas coisas. Asseguro-vos que estou muito contente; não lamento o meu dinheiro.
– Por que caminho viestes a Paris? Então pudestes abandonar as vossas paragens?
– Mas, com os diabos! Eu não posso cavar e estar aqui. Estou muito contente por ter vindo. Perguntais como vim; mas vim pela estrada de ferro.
– Com quem estáveis?
– Bem, palavra de honra! Eu não os conhecia.
– Quem vos deu o meu endereço? Dizei, também, de onde vinha a simpatia que tínheis por mim.
– Mas quando fui à casa dela (a mãe da Sra. Delanne) e não a encontrei, perguntei ao guarda onde ela estava. Ele me disse que estava aqui: então eu vim. E, depois, vede, meu amigo, gosto de vós porque sois um bom rapaz; agradastes-me, sois franco e eu gosto de todas essas crianças. Vede, quando se gosta dos parentes também se gosta das crianças.
– Dizei-me o nome da pessoa que guarda a casa de minha sogra, já que ela tem as chaves no bolso.
– Quem lá encontrei? Mas foi o pai Colbert, que me disse que ela lhe havia dito que prestasse atenção.
– Vedes aqui o meu sogro, papai Didelot?
 – Como quereis que o veja, se não está aqui? Sabeis perfeitamente que ele morreu.

(2ª conversa, 18 de agosto de 1864)
Tendo ido passar o dia em Châtillon, o Sr. e a Sra. Delanne ali fizeram a evocação de Pierre Legay.
– Então, viestes a Châtillon?
– Mas eu vou sigo por toda parte.
– Como viestes aqui?
– Sois engraçados! Vim na vossa viatura.
– Não vos vi pagar a passagem!
– Subi com Marianne e depois vossa mulher. Pensei que a tínheis pago. Estava na parte superior; nada me pediram. Não pagastes? Por que o condutor não reclamou?
– Quanto custou a passagem de trem de Ligny a Paris?
– Na estrada de ferro não é a mesma coisa. Fui a pé de Tréveray a Ligny; depois tomei o comboio e paguei ao condutor.
– Foi mesmo ao condutor que pagastes?
– A quem queríeis que eu tivesse pago? Mas, meu primo, então acreditais que eu não tenha dinheiro? Há muito tempo havia reservado dinheiro para vir. Não é por eu não ter pago a passagem que devem pensar que não tenho dinheiro. Sem isto eu não teria vindo.
– Mas não me respondestes quanto gastastes no percurso em estrada de ferro de Nançois-le-Petit até Paris.
– Mas, b... Paguei como os outros. Dei 20 francos e me devolveram 3 francos e sessenta centavos. Vede quanto é.
Observação – A soma de 16 fr. e 40 c. é, de fato, a marcada no guia de preços da estrada de ferro, o que ignorava o casal Delanne.
– Quanto tempo levastes na estrada de ferro de Nançois a Paris?
– Tanto quanto os outros. Não fizeram a locomotiva funcionar mais depressa para mim do que para os demais. Aliás, eu não podia achar o tempo longo; jamais tinha viajado de trem e pensava que Paris era muito mais longe. O que me espanta mais é essa velhaca (a sogra do Sr. D...), que aí vem tantas vezes. Por Deus! Estou contente de poder correr convosco. Apenas muitas vezes não respondeis. Compreendo: vossos negócios vos sobrecarregam muito. Ontem não ousei regressar convosco pela manhã (a casa comercial onde o Sr. D... está empregado) e fui visitar o cemitério de Montmartre, creio; não é assim que o chamais? Precisais dizer-me os nomes para que possa contá-los quando lá voltar. (Com efeito, o Sr. e a Sra. Delanne tinham ido pela manhã ao cemitério de Montmartre).
– Visto que nada vos prende à região, pensais em partir logo?
– Só depois de ter visto tudo, já que estou aqui. E, depois, palavra de honra, eles bem podem mexer um pouco os outros (seus filhos); farão como quiserem. Quando eu não estiver mais aqui, terão de passar sem mim. Que dizeis, primo?
– O que achais do vinho de Paris? E da comida?
– Não é melhor do que aquele que vos fiz beber (O Espírito faz alusão a uma circunstância em que fez o Sr. D... beber vinho engarrafado há vinte e cinco anos); contudo não é mau. Quanto à comida, tanto faz; muitas vezes como pão ao vosso lado. Não gosto de sujar um prato; não vale a pena, quando não estamos habituados. Por que fazer cerimônias?
– Então onde dormis? Não notei vosso leito.
– Chegando, Marianne foi a um quarto escuro; pensei que fosse para mim; deitei-me lá. Falei várias vezes a todos.
– Em vossa idade, não temeis ser atropelado nas ruas de Paris?
– Ah! Meu primo, o que mais me aborrece são esses tais de carros; por isso, não deixo as calçadas.
– Há quanto tempo estais em Paris?
– Sabeis perfeitamente que cheguei quinta-feira última; creio que há oito dias.
– Como não vi vossa mala, se precisardes de roupa branca não vos constrangeis.
– Tomei duas camisas; é o bastante; quando estiverem sujas, eu voltarei para casa; gostaria de não vos incomodar.
– Quereis dizer o que vos disse o pai Colbert antes de vossa partida para Paris?
– Ele está na casa de Marianne há um bom tempo. Vendendo-a, quis ainda ficar por lá. Diz que não perturba, pois a guarda.
– Dissestes ontem que não víeis meu sogro Didelot, porque ele morreu. Como, então, vedes tão bem o pai Colbert, que também está morto há pelo menos trinta anos?
– Ah! Perguntais o que ignoro; não havia refletido nisto. O que é certo é que ele lá está bem tranquilo; mais não vos posso dizer.
Observação – O pai Colbert era o antigo proprietário da casa da mãe da Sra. Delanne. Parece que desde sua morte ficou na casa, da qual se constituiu guarda, e que, também ele, se julga ainda vivo. Assim, esses dois Espíritos, Colbert e Pierre Legay, se veem e conversam como se ainda pertencessem a este mundo, não se dando conta de sua situação.

(3ª conversa, 19 de agosto de 1864)
– [Ao guia espiritual do médium]. Gostaríamos que désseis algumas instruções a respeito do Espírito Legay, e dizer-nos se já é tempo de fazer que compreenda sua verdadeira situação.
– Sim, meus filhos, desde ontem ele está perturbado, por causa de vossas perguntas; tudo para ele é confuso quando quer saber, pois ainda não reclama a proteção de seu anjo-da-guarda.
– [A Legay]. Estais aqui?
– Sim, meu primo, mas tudo isto é muito estranho. Não sei o que isto quer dizer. Não te vás sem mim, Marianne.
– Refletistes no que pedimos que ontem dissésseis a respeito do pai Colbert, que vistes vivo, quando, na verdade, ele está morto?
– Não posso saber como isto acontece. Apenas já ouvi dizer que havia aparições. Por Deus! Creio que ele é um dos tais. Digam, contudo, o que quiserem: eu o vi perfeitamente. Mas estou cansado; preciso de um pouco de tranquilidade.
– Credes em Deus e fazeis vossas preces diárias?
– Juro que sim; se isto não faz bem, não me pode fazer mal.
– Credes na imortalidade da alma?
– Oh! Isto é diferente. Não posso pronunciar-me sobre isto; duvido.
– Se eu vos desse uma prova da imortalidade da alma, acreditaríeis?
– Oh! Então os parisienses conhecem tudo? Só peço isto. Como fareis?
– [Ao guia do médium]. Podemos fazer a evocação do pai Colbert, para lhe provar que está morto?
– Não precisa ir tão depressa; trazei-o de volta suavemente. Depois este outro Espírito vos fatigará muito esta noite.
– [A Legay]. Onde estais colocado, que não vos vejo?
– Não me vedes?! Ah! Isto é demais! Então estais cego?
– Dai-vos conta da maneira por que nos falais, já que fazeis minha mulher escrever?
– Eu? Juro que não.
Várias perguntas novas foram dirigidas ao Espírito e ficaram sem resposta. Evocaram seu anjo-da-guarda, e um dos guias do médium respondeu o que se segue:
Meus amigos, sou eu que venho responder, pois o anjo-da-guarda deste pobre Espírito não está com ele; só virá quando ele próprio o chamar e rogar ao Senhor que lhe conceda a luz. Posto ainda estivesse sob o império da matéria e não quisesse escutar a voz de seu anjo-da-guarda, este se afastou dele, já que teimava em ficar estacionário. Com efeito, não era ele que te fazia escrever; falava como de hábito, persuadido de que o escutáveis; mas era seu Espírito familiar que te conduzia a mão. Para ele, conversava com teu marido; tu escrevias e tudo isto lhe parecia muito natural. Mas as vossas últimas perguntas e vossos pensamentos o levaram a Tréveray; está perturbado; orai por ele e mais tarde o chamareis; ele voltará depressa. Orai por ele; nós oraremos convosco.
Já vimos alguns exemplos de Espíritos que se julgavam ainda vivos. Pierre Legay nos mostra essa fase da vida dos Espíritos da mais característica maneira. Os que se acham neste caso parecem ser mais numerosos do que se pensa; em vez de constituírem exceção, de oferecerem uma variedade no castigo, seria quase uma regra, um estado normal para os Espíritos de certa categoria. Assim, teríamos à nossa volta não só os Espíritos que têm consciência da vida espiritual, mas uma multidão de outros que, a bem dizer, vivem uma vida semimaterial, se julgam ainda neste mundo, continuam a vagar ou pensam consagrar-se às suas ocupações terrenas. Entretanto, seria um equívoco assimilá-los em tudo aos encarnados, porque se nota em suas atitudes e em suas ideias algo de vago e de incerto, que não é peculiar à vida corporal; é um estado intermediário, que nos dá a explicação de certos efeitos nas manifestações espontâneas e de certas crenças antigas e modernas.
Um fenômeno que pode parecer mais bizarro e não deixa de fazer sorrir os incrédulos é o dos objetos materiais que o Espírito julga possuir. Compreende-se que Pierre Legay se imagine subindo no trem, porque a estrada de ferro é uma coisa real, existe; mas compreende-se menos que ele creia ter dinheiro e pago a sua passagem.
Esse fenômeno encontra sua solução nas propriedades do fluido perispiritual e na teoria das criações fluídicas, princípio importante que dá a chave de muitos mistérios do mundo invisível.
Seja pela vontade, seja pelo pensamento, o Espírito opera no fluido perispiritual, que não passa de uma concentração do fluido cósmico ou elemento universal, uma transformação parcial que produz o objeto que deseja. Tal objeto é para nós uma aparência, mas para o Espírito é uma realidade. É assim que um Espírito, desencarnado recentemente, um dia apresentou-se numa reunião espírita a um médium vidente, com um cachimbo na boca, fumando. À observação que lhe fizeram, de que aquilo não era conveniente, respondeu: Que quereis! Tenho de tal modo o hábito de fumar que não posso dispensar meu cachimbo. O que era mais singular é que o cachimbo soltava fumaça; não, naturalmente, para os assistentes, mas para o vidente.
Tudo deve estar em harmonia no mundo espiritual, como no mundo material; aos homens corporais, são precisos objetos materiais; aos Espíritos, cujo corpo é fluídico, são necessários objetos fluídicos; os objetos materiais não lhes serviriam, assim como os objetos fluídicos não serviriam aos homens corporais. Querendo fumar, o Espírito fumador criaria um cachimbo que, para ele, tinha a realidade de um cachimbo de barro. Legay queria dinheiro para pagar a passagem: seu pensamento criou a soma necessária. Para ele há realmente dinheiro, mas os homens não poderiam contentar-se com a moeda dos Espíritos. Assim se explicam as vestimentas com que se cobrem à vontade, as insígnias que usam, as diferentes aparências que podem assumir etc.
As propriedades curativas dadas ao fluído pela vontade também se explicam por esta transformação. O fluido modificado age sobre o perispírito que lhe é similar e esse perispírito, intermediário entre o princípio material e o princípio espiritual, reage sobre a economia, na qual representa importante papel, embora ainda desconhecido pela Ciência.
Há, pois, o mundo corporal visível com os objetos materiais, e o mundo fluídico, invisível para nós, com os objetos fluídicos. É de notar que os Espíritos de ordem inferior e pouco esclarecidos operam essas criações sem se darem conta da maneira por que neles se produz tais efeitos; eles não o podem explicar, como um ignorante da Terra é incapaz de explicar o mecanismo da visão, nem um camponês dizer como cresce o trigo.
As formações fluídicas ligam-se a um princípio geral, que será ulteriormente objeto de um desenvolvimento completo, quando tiver sido suficientemente elaborado.
O estado dos Espíritos na situação de Pierre Legay levanta várias questões. A que categoria pertencem precisamente os Espíritos que ainda se julgam vivos? A que se deve esta particularidade? A uma falta de desenvolvimento intelectual e moral? Muitos que são inferiores dão-se conta perfeitamente de seu estado e a maior parte dos que temos visto nesta situação não é dos mais atrasados. É uma punição? Talvez o seja para alguns, como para Simon Louvet, do Havre, o suicida da torre de Francisco I que, durante cinco anos, estava na apreensão da queda [vide: François-Simon Louvet, do Havre, publicado neste blog em 15.06.2019]; mas muitos outros não são infelizes e não sofrem.




[1] Revista Espírita – Novembro/1864 – Allan Kardec

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Stig Roland Ibsen[1]




Desencarnou em São Paulo, em 05 de fevereiro de 1995, tendo nascido em Estocolmo, Suécia em 12 de setembro de 1927.
Radicou-se no Brasil, especificamente na Cidade de Botucatu (SP), quando tinha 10 anos, com seus pais, como emigrantes.
Desenvolveu um belo trabalho juntamente com sua esposa, quando se agregaram à Casa Transitória, Departamento da Federação Espírita do Estado de São Paulo.
Foi um dos dirigentes do Centro Espírita Auta de Souza, no bairro de Santana.
Depois de conhecer Chico Xavier dedicou-se à bibliografia e suas obras mediúnicas.
Dedicou-se à divulgação do livro espírita; traduziu para o português várias obras espíritas, inclusive de J.W. Rochester.

sábado, 22 de junho de 2019

VOLTA A GENTILEZA[1]




Divaldo Pereira Franco

Infelizmente, as notáveis conquistas da ciência aliada à tecnologia ainda não lograram facultar ao ser humano o retorno à gentileza. Propiciaram, sim, fantásticas contribuições para o conforto e o esclarecimento de incontáveis enigmas que o vinham atormentando através dos séculos, sem, no entanto, proporcionar-lhe sentimentos que vêm desaparecendo nos relacionamentos sociais, que lamentavelmente se tornam cada vez menos frequentes.
O individualismo, que resulta de muitos instrumentos técnicos de comunicação, embora facilitando a existência, tem isolado os indivíduos no mundo de cada qual, sempre mais distante da convivência fraternal, retirando o calor da afetividade. Vai-se ficando indiferente ao contato pessoal, à conversação calorosa, ao distanciamento uns dos outros.
Pequenos gestos de gentileza vão sendo substituídos pelo silêncio e pelo aborrecimento quando o indivíduo se sente convidado à participação de qualquer atividade pessoal, exceto naqueles de interesse imediato. Diversos princípios éticos são esquecidos propositalmente e substituídos por carrancas que desanimam qualquer pessoa que deseje uma comunicação verbal agradável.
Tem-se a impressão de que se deseja distância que favoreça dificuldade de gerar trabalho ou favores não desejados.
As saudações, que demonstraram grau de cultura e civilização, vão desaparecendo, e a preocupação apenas consigo leva ao atropelamento dos outros pelos caminhos, sem a mínima preocupação de solicitar-se escusas. Os demais parecem antipáticos e se evitam novos relacionamentos, bastando-se com os jogos, os desafios e diversos recursos do iPhone.
O ser humano tem necessidade de convivência com a natureza, a flora, a fauna, os ideais de engrandecimento e a presença de outros de sua espécie. Com esse estranho comportamento, muito fácil se instalam transtornos de conduta, distúrbios emocionais e distância da beleza, da arte, da vida religiosa, do bem-estar. Surgem, então, a depressão e outras patologias afligentes.
Pessoa alguma existe que seja tão plena que não necessite de outra para relacionar-se, conviver, discutir e até mesmo discordar. O estar vivo é movimentar-se, lutar, construindo melhores situações para si próprio, para a Humanidade. Muitas pessoas vivem angustiadas pelo tempo vazio de que dispõem e passam horas queixando-se do nada fazer, de sua vida não ter sentido.
Entretanto, leituras edificantes aguardam mentes interessadas, trabalho fraternal em favor do próximo abre-se convidativo para quantos desejam honestamente ser felizes.
Os solitários vagueiam inditosos ou enchem as casas de repouso, tornando-se espectros tristes da sociedade que deles se esqueceu. Bem provável que foram eles que se olvidaram do grupo social quando eram jovens e podiam produzir fraternidade bem como edificar mundo melhor.
Mesmo neste momento de desamor e egoísmo pode-se reverter a situação, passando-se a ser solidário e iniciar novas experiências sempre enriquecedoras.
Multiplicam-se organizações de ajuda à natureza assim como à Humanidade, aguardando cooperadores. Seja você aquele que tem a coragem de voltar à gentileza e reumanizar-se, pois que ainda é tempo.




[1] Artigo publicado no jornal “A Tarde”, coluna Opinião, em 16.5.2019

sexta-feira, 21 de junho de 2019

BÊNÇÃOS E MALDIÇÕES[1]




Richard Simonetti

O ato de abençoar implica em desejar o bem de alguém. Assim como a oração, o alcance da bênção depende de nosso envolvimento com ela, dos sentimentos que mobilizamos. O pai que, displicentemente, abençoa o filho que vai dormir, sem desviar a atenção do programa de televisão, não vai além das palavras.
Já a mãe diligente, que leva a criança ao leito, conversa com ela, conta-lhe uma história e a beija carinhosamente, põe a própria alma ao abençoá-la, envolvendo-a em poderosas vibrações de amor, com salutar repercussão em seu sono. Ao contrário da bênção, amaldiçoar é desejar o mal de alguém.
Que vajas bien, que te pise el tren.
O fato de desejarmos que uma pessoa seja atropelada por um trem, como sugere este chistoso ditado espanhol, não implicará, evidentemente, nesse funesto acontecimento. Não possuímos poderes para tanto, nem Deus o permitiria. Mas podemos perturbar nosso desafeto.
A maldição é um pensamento contundente, revestido de carga magnética deletéria, passível de provocar reações adversas no destinatário – nervosismo, tensão, irritabilidade, mal-estar…
Se, porém, o amaldiçoado é uma pessoa bem ajustada, moral ilibada, ideias positivas, sentimentos nobres, nada lhe acontecerá. Simplesmente não haverá receptividade para nossa vibração maldosa.
O mesmo ocorre em relação ao ato de abençoar. Os pais desejam muitas bênçãos para seus filhos. Que sigam caminhos retos; que sejam aprendizes aplicados; que se realizem profissionalmente; que cultivem moral elevado; que sejam felizes...
Ainda que se situem por poderosos estímulos, suas bênçãos pouco representarão se os filhos preferirem caminhos diferentes.
Nem por isso devem deixar de abençoá-los. Suas bênçãos inibirão os impulsos mais desajustados dos filhos, trabalharão suas consciências adormecidas e acabarão por despertar neles impulsos de renovação, quando a vida lhes impuser suas amargas lições.
Bênçãos e maldições são como bumerangues, aqueles brinquedos australianos, em forma de arco, que retornam às nossas mãos quando os atiramos.
Se amaldiçoarmos alguém, odientos, o mal que lhe desejamos voltará, invariavelmente, para nós, precipitando-nos em perturbações e desequilíbrios. Somos vitimados por nosso próprio veneno.
Em contrapartida, aquele que abençoa alimenta-se de bênçãos, neutralizando até mesmo vibrações negativas de eventuais desafetos da Terra ou do além.
Jesus conhecia como ninguém esses princípios. Por isso, antecipando que os discípulos enfrentariam muitas hostilidades na difusão do Evangelho, recomendava-lhes:
Quando entrardes numa casa, dizei: A paz esteja neste lar.
Se, com efeito, a casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; se, porém, não o for, torne para vós outros a vossa paz.
Temos aqui preciosa orientação. Observando-a, ainda que, onde formos, as pessoas estejam pouco dispostas a entronizar a paz, ela não se ausentará de nosso coração.
Nem sempre os beneficiários de nossas iniciativas, quando cultuamos a vocação de servir, mostram-se reconhecidos. Que isso jamais nos iniba. O ato de servir tem suas próprias compensações. Exercitando-o, a distribuir bênçãos de auxílio, habilitamo-nos às bênçãos de Deus.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

APRESSAR OU RETARDAR[1] (a Reencarnação)




Miramez

Pode o Espírito aproximar ou retardar o momento de sua encarnação?
‒ Pode-se apressá-lo solicitando-o por seus votos; pode também retardá-lo, se recusa diante das provas, pois, entre os Espíritos, existem também covardes e indiferentes. Todavia, não o fazem impunemente, pois sofrem como aquele que recua diante de um remédio salutar que o pode curar.
Questão 332/Livro dos Espíritos

Cada Espírito é um mundo dentro do mundo de Deus. A liberdade de pensar, de agir e mesmo de crescer é um fato em todas as dimensões de vida. Nos planos iluminados, dentre os próprios anjos, notar-se-á diversidade de opiniões, contudo, todas elas são alicerçadas nas leis criadas pelo Senhor de todas as coisas. Não existem almas que não acordam para as verdades, pois foram todas feitas pelas mãos santas do Criador.
O Espírito tem condições de ativar sua evolução ou retardá-la, no entanto, pelos seus redobrados esforços, ele sempre pode, no transcorrer de sua jornada evolutiva, recuperar o tempo perdido.
Pode-se notar esse fato na vida dos grandes seres que passaram pela Terra. Paulo de Tarso foi um exemplo: ele voltou sua atenção para a perseguição ao Cristianismo nascente, mesmo com a sua evolução assegurada em outras existências, mas, quando descobriu a verdade, acelerou seu despertar na amplitude do seu forte desejo de servir a causa do Cristianismo.
Aurélio Agostinho foi outro exemplo típico de transformação rápida, para acompanhar as outras almas que passaram a sua frente, na prudência das suas decisões. No fim, a soma dos esforços torna todos iguais, por serem todos iguais na sua analogia, nos fundamentos dos princípios espirituais.
Todos fomos feitos simples e ignorantes, mas feitos pela mesma massa divina, na sublime expressão que todos conhecem: -“Faça-se a luz, e a luz se fez." A mente da alma é poderosa, principalmente se já demonstra algumas qualidades desabrochadas no centro da vida.
Aquilo que ela pensa firmemente lhe vem pelos seus poderes adquiridos. Se o Espírito pede para reencarnar e trabalha para tal acontecimento, é justo que logo aparecerá sua oportunidade de voltar à matéria pelos processos da reencarnação, e se ele rejeita essa volta, retarda esse acontecimento. A sua vontade o aproxima ou afasta da volta aos dramas da carne. Se as leis exigem a sua volta e ele recua, responde pelas consequências, porém, em se somando todos esses fatos na sua vida sem limites, dar-se-á o mesmo peso, porque quando ele recua, acomoda energias para avanços mais rápidos.
Devemos todos meditar no assunto ventilado sobre a evolução das almas ou despertar dos dons de ouro do Espírito. As leis de Deus são segredos, mas, para os que ignoram o amor e a sabedoria, dois caminhos que mais adiante se confundirão, no esplendor da felicidade, onde Deus e Cristo se fazem visíveis dentro de cada ser.
Retardar ou apressar o momento da reencarnação nos traz meios de crescer, a uns metodicamente, a outros com certa violência. Temos, quando atingimos certa maturidade, o poder da escolha para os caminhos que devemos trilhar, mas, o nosso conselho é de prudência, na sobriedade que o equilibro nos faz sentir. Entretanto, há almas que desejam e experimentam outros métodos que respeitamos, mas preferimos ser mais comedidos. No momento da escolha, a oração e a vigilância nos ajudam sobremodo nas nossas decisões.
Pedimos a Jesus que nos inspire em todos os momentos de partidas para frente, em busca do melhor.




[1] Filosofia Espírita – Volume 7 – João Nunes Maia

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Nem toda pessoa que se mata tem depressão, diz especialista em suicídio... [1]




Daniela Carasco - do UOL, em São Paulo

Há 24 anos, a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, 46, se dedica a explorar profissionalmente um tabu, o suicídio. Seu envolvimento com o tema, porém, começou na infância. Sua mãe tentou se matar inúmeras vezes. Mais tarde, foi ela quem pensou três vezes na morte como possibilidade.
“Comecei a estudar psicologia para compreender e poder ajudar pessoas que passam por um sofrimento existencial e, por isso, tentam se matar”, conta.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida por ano no mundo. No Brasil, acontecem, em média, 11 mil suicídios em 12 meses, de acordo com levantamento do Sistema de Informação sobre Mortalidade.
Em 2016, foram registradas no país 30 mil tentativas de mulheres e 15 mil de homens. Para Karina, os altos números refletem também tentativas de comunicação. Apesar de homens tentarem menos, eles são as maiores vítimas letais, por usarem métodos mais agressivos.
“Suicídio é a concretização da falta de sentido da vida, é o ápice de um processo de ‘morrência’. Ele costuma ser cometido por alguém que está definhando existencialmente, que deixou de acreditar em sua própria capacidade, como ser humano, de transformar a dor em amor”, explica Karina.
A psicóloga recebeu a reportagem do UOL em seu consultório, em São Paulo, onde atende de adolescentes a idosos que tentaram ou cogitam o suicídio, para desmistificar essa morte violenta.
UOL: Como começou seu envolvimento com a questão do suicídio?
Eu tinha 8 anos quando começaram as crises suicidas da minha mãe. Aos 10 anos, me lembro claramente de ir ao pronto-socorro, tentando socorrê-la das várias tentativas de se matar. Em 1989, entrei no curso de psicologia para compreender esse fenômeno, ajudar quem queria se matar e acolher quem estivesse passando por sofrimentos existenciais.
Essa foi a causa da morte da sua mãe?
‒ Não. A última vez que ela tentou o suicídio foi em 2005, quando me declarei como suicidologista. Eu estava grávida do meu primeiro filho, o telefone tocou e ela disse que estava pensando em se matar novamente. A gente falava abertamente do processo de ‘morrência’ dela. Pedi que tivesse calma, porque a morte viria para todo mundo, é uma condição do ser humano. Durante a conversa, tive um aborto espontâneo e vi minha mãe renascer das cinzas, dizendo que eu a tinha convencido sobre ter uma missão de vida. Foi um verdadeiro paradoxo. Coincidência ou não, ela acabou desenvolvendo a doença do ‘coração grande’, uma miocardiopatia grave. Foram 18 internações até 2013, quando ela foi vencida pela doença.
De que maneira essa experiência ajudou você a seguir adiante?
Com a história dela entendi que é possível resignificar a vida, ter alguma esperança. Em 2005, durante o lançamento do meu primeiro livro, ‘Suicídio e Gestalt-Terapia’ (ed. Digital Publish & Print), ela ficou do meu lado. Eu dizia que ela era minha coautora e ela se apresentava dizendo: ‘Oi, eu sou a kamikaze”. Ela é a prova de que o acompanhamento cura.
Você já pensou em suicídio?
Sim, três vezes. A primeira aos 12 anos, meu pais tinham se separado e eu estava exausta de tantas brigas. Lembro de estar na cozinha e ter tomado medicamentos da minha mãe. Eu não queria mais viver. Quando ela me viu, perguntou o que eu estava fazendo. Respondi: “Exatamente aquilo que você sempre faz”. Ela me fez vomitar e nada aconteceu. Mas foi o mais próximo que cheguei do ato. Nunca mais falamos sobre isso. Depois, aos 20 anos, descobri que um namorado de longa data me traía. Pensei na possibilidade da morte, mas não agi. A terceira vez foi em 2014, quando recebi o diagnóstico equivocado de esclerose múltipla. Fiquei internada por 13 dias, parei de andar, esqueci a ordem alfabética, os números e fatos da minha vida. No ápice do meu desespero, pensei novamente em suicídio. Mas me agarrei na certeza de que a vida não é do jeito que a gente quer. Recuperei-me completamente.
Suicídio é hereditário?
‒ Não, o suicídio não corre nas veias. Só que existem modelos de repetição de enfrentamento que são prejudiciais, é o que a gente chama de “transmissão psíquica geracional familiar”. Alguns comportamentos tóxicos da família se repetem. Se a gente não tiver plena atenção, entra num círculo vicioso. Cabe a cada um construir novas modalidades de responder às adversidades da vida.
Por que ainda é um tabu?
‒ Porque é uma morte violenta, repentina e que confronta exatamente o sentido de instinto sobrevivência que aprendemos. É quando a pessoa começa a acreditar que a morte é mais interessante que a vida. Às vezes, a pessoa não quer morrer, ela só quer matar uma parte dela que está causando sofrimento. Viver sem sofrer é uma utopia. Por isso, precisamos trabalhar a tolerância existencial.
Por que suicídio é visto como algo abominável?
‒ Não temos tempo e espaço para lidar com a vulnerabilidade humana. Isso que o torna abominável. Ele escancara aquilo que mais se quer esconder, sentimentos indesejáveis, como tristeza, raiva, fraqueza. Não cabe a ninguém julgar o outro. Suicídio não é loucura, fraqueza, covardia ou coragem. O suicidologista norte-americano Edwin S. Shneidman, referência no assunto, o definiu como um ato definitivo para um problema que deveria ser temporário.
É irresponsável defini-lo como uma escolha pessoal?
‒ Não. Se a gente pensar que cabe a cada um sua própria vida, o mesmo vale para a morte. Mas o ideal é que ela seja natural. Então, cada ser humano deve se apropriar e zelar pelos seus sentimentos, e pedir colo quando eles estiverem borbulhando. Costumo dizer que suicídio é uma dor sentida, mas não consentida. Criei um mantra que é: se tem vida, tem jeito.
Como você avalia o cenário brasileiro?
‒ Infelizmente, estamos entre os dez países com as maiores taxas de suicídio do mundo. Está mais perto do que imaginamos. É muito comum conhecer alguém que se matou, só que preferimos fingir que não existe. Lamento que seja um problema de saúde pública, mas não existem planos de prevenção efetivos. O Ministério da Saúde trouxe uma possibilidade de diminuir os números até 2020. Na prática, porém, nada está sendo feito para isso.
Há poucos profissionais dedicados a isso?
‒ Vejo poucos profissionais treinados para acolher o sofrimento humano. Quando uma pessoa está desesperançosa, desamparada e/ou desesperada – o DDD da cartilha da psiquiatria ‒, precisamos encontrar uma maneira de mostrar a ela um sentido para sua vida. Já ouvi muito médico dizendo que quem tenta o suicídio atrapalha o tempo deles. Quando eu levava a minha mãe ao hospital, lembro das enfermeiras dizendo: “Dona Yoko, a senhora não tem o que fazer a não ser tentar se matar? Não tem dó dessas meninas que te trazem aqui há tanto tempo? De pessoas que estão querendo viver?”. Esses comentários machucam ainda mais a pessoa que está em sofrimento. Se não houver ressignificação, vai acontecer novamente. Quando há diagnóstico de transtorno mental, a reincidência acontece entre 40% e 50% dos casos.
Existem grupos de vulnerabilidade?
‒ Sim. A comunidade LGBT, as vítimas de violência doméstica e aqueles diagnosticados com doenças mentais. Ou seja, grupos que não têm suas dores legitimadas nem espaço para expor suas vozes e se defenderem.
Quais são os sinais de alerta de quem pensa em se matar?
Isolamento, abuso de álcool e drogas, e qualquer mudança abrupta de comportamento. Há sinais indiretos também. É preciso estar atendo a quem começa a se desfazer de coisas importantes, a declarações de amor inesperadas e quando a pessoa usa expressões como “pode ser tarde”, “não vou dar mais trabalho”. Tem ainda a “falsa calmaria”, que é o caso de quem sempre falou que ia se matar e parou de comunicar de uma hora para outra. Isso é uma pegadinha. Ela fica quieta para não ser interrompida. Prevenir é olhar para esses sinais e tentar criar espaços de diálogo.
A depressão é um fator comum aos suicidas?
‒ Não, acho reducionismo pensar assim. Não necessariamente uma pessoa que se mata é deprimida, apesar de existirem vários casos de pessoas que tinham depressão e se mataram. Quando isso acontece, é que elas perderam o sentido de viver.
Quais são os maiores mitos sobre suicídio?
‒ O principal é achar que se vai provocar o suicídio ao perguntar diretamente para a pessoa se ela está pensando em se matar. O suicídio é um ato de comunicação. E a pessoa, na maioria das vezes, tenta comunicar em morte o que ela gostaria de comunicar em vida. Precisamos falar abertamente sobre isso. Os sinais de alerta são pedidos de acolhimento.
E se a pessoa nos disser que quer se matar?
‒ Pergunte de volta como pode ajudar. É muito equivocado achar que quem tenta se matar está querendo só chamar atenção. Aliás, acho ótimo que eles chamem atenção. Prejudicial é tratar com desprezo. Se você não der atenção agora, vai se sentir culpado mais tarde por não ter atendido ao chamado de um ente querido.
O que você mais ouve de quem quer se matar?
‒ “Eu não vou aguentar se algo acontecer”. “Se eu fracassar, não vou suportar.” Ela começa a antecipar tudo o que ela imagina que de pior vai acontecer, porque não sabe lidar com situações de fracasso. Diante do desespero, num ato impulsivo, ela tenta o suicídio.
É um processo?
‒ Salvo os casos de impulsividade, que acontecem em menores proporções, o comportamento suicida passa pelo pensamento, ideação, planejamento e só então chega ao ato.
É perverso buscar as motivações daqueles que tentam se matar?
‒ Acho que é elucubração, porque não existe uma única causa para o suicídio. Mas é importante entender a fantasia da pessoa na tentativa. O que ela queria matar? O que ela queria que morresse? Já quando a morte é consumada, ela leva toda a verdade.
O que buscam os sobreviventes do suicídio?
‒Existem dois grupos de sobreviventes: aquele dos que tentaram, mas não tiveram a morte consumada, e os enlutados pela morte de alguém próximo. Os dois buscam a mesma coisa, um acolhimento para os seus sofrimentos. O problema é que ainda existe um forte julgamento, quem tentou ou se matou é visto como louco. Não quero normalizar o suicídio, quero deixar claro que disfuncionalidade acontece com todo mundo.
Procurar culpados é um caminho positivo?
‒ De jeito nenhum. Como diz o filósofo Jean-Paul Sartre, “nós somos aquilo que nós fazemos com o que o outro faz da gente”. E esse foi um dos grandes problemas da série “13 Reasons Why”. A personagem principal fica culpando os outros por suas escolhas erradas e em nenhum momento exercitou a capacidade de enfrentamento. Mais grave ainda foi mostrar a maneira como ela se matou. Isso é grave.
Onde buscar ajuda?
‒ Não existe uma única fórmula. Vale procurar desde alguém próximo, até especialistas. O Centro de Valorização à Vida ‒ CVV ‒  é um ótimo caminho. O que digo sempre para as pessoas em sofrimento é: acredita que você merece receber amor e ajuda.
O quão pesado é lidar com a morte tão de perto?
‒ Acho que a gente lida muito mal com aquilo que é mais nosso. A única certeza que temos é a de que morreremos. Precisamos falar mais sobre isso. Ela faz parte do nosso desenvolvimento. Só que, no intervalo entre nascer e morrer naturalmente, precisamos aprender a viver com qualidade.