(Paris, 16 de agosto de 1864 – Médium: Sra.
Delanne)
Pierre Legay era um rico
cultivador um pouco interesseiro, falecido há dois anos e parente da Sra.
Delanne. Era conhecido na região pela alcunha de Grand-Pierrot. A conversa
seguinte mostra um dos ângulos mais interessantes do mundo invisível, o dos
Espíritos que ainda se julgam vivos. Foi obtida pela Sra. Delanne, que a
comunicou à Sociedade de Paris. O Espírito se exprime exatamente como o fazia
em vida; a própria trivialidade da linguagem é uma prova de identidade. Tivemos
de suprimir algumas expressões que lhe eram familiares, por causa de sua
crueza.
Diz a Sra. Delanne:
Desde algum tempo
ouvíamos batidas à nossa volta; presumindo que pudesse ser um Espírito,
pedimos-lhe se desse a conhecer. Ele logo escreveu: Pierre Legay, cognominado Grand-Pierrot.
– Eis-vos, então,
em Paris, Grand-Pierrot, vós que tínheis tanta vontade de vir aqui?
– Estou aqui, meu caro amigo; vim só, já que ela
veio sem mim. E, contudo, eu lhe dissera tanto que me prevenisse... Mas, enfim,
aqui estou. Estava aborrecido, porque não me deram atenção.
Observação – O Espírito alude à mãe da Sra.
Delanne, que desde algum tempo tinha vindo morar em Paris, na casa de sua
filha. Ele a designa por um epíteto que lhe era habitual e que substituímos por
ela.
Sois vós que bateis
à noite?
– Onde quereis que
eu vá? Não posso deitar-me em frente à porta.
– Então vos deitais em nossa casa?
– Mas, evidentemente. Ontem fui passear
convosco (ver as iluminações). Vi tudo. Ah! Como aquilo é bonito! Ainda bem!
Pode dizer-se que fizeram belas coisas. Asseguro-vos que estou muito contente;
não lamento o meu dinheiro.
– Por que caminho viestes a Paris? Então pudestes
abandonar as vossas paragens?
– Mas, com os
diabos! Eu não posso cavar e estar aqui. Estou muito contente por ter vindo.
Perguntais como vim; mas vim pela estrada de ferro.
– Com quem estáveis?
– Bem, palavra de
honra! Eu não os conhecia.
– Quem vos deu o meu endereço? Dizei, também, de onde
vinha a simpatia que tínheis por mim.
– Mas quando fui à
casa dela (a mãe da Sra. Delanne) e não a encontrei, perguntei ao guarda onde
ela estava. Ele me disse que estava aqui: então eu vim. E, depois, vede, meu
amigo, gosto de vós porque sois um bom rapaz; agradastes-me, sois franco e eu
gosto de todas essas crianças. Vede, quando se gosta dos parentes também se
gosta das crianças.
– Dizei-me o nome da pessoa que guarda a casa de minha
sogra, já que ela tem as chaves no bolso.
– Quem lá encontrei?
Mas foi o pai Colbert, que me disse que ela lhe havia dito que prestasse
atenção.
– Vedes aqui o meu sogro, papai Didelot?
– Como quereis que o veja, se não está aqui?
Sabeis perfeitamente que ele morreu.
(2ª conversa, 18 de
agosto de 1864)
Tendo ido passar o dia em
Châtillon, o Sr. e a Sra. Delanne ali fizeram a evocação de Pierre Legay.
– Então, viestes a Châtillon?
– Mas eu vou sigo
por toda parte.
– Como viestes aqui?
– Sois engraçados!
Vim na vossa viatura.
– Não vos vi pagar a passagem!
– Subi com Marianne
e depois vossa mulher. Pensei que a tínheis pago. Estava na parte superior;
nada me pediram. Não pagastes? Por que o condutor não reclamou?
– Quanto custou a passagem de trem de Ligny a Paris?
– Na estrada de
ferro não é a mesma coisa. Fui a pé de Tréveray a Ligny; depois tomei o comboio
e paguei ao condutor.
– Foi mesmo ao condutor que pagastes?
– A quem queríeis
que eu tivesse pago? Mas, meu primo, então acreditais que eu não tenha
dinheiro? Há muito tempo havia reservado dinheiro para vir. Não é por eu não
ter pago a passagem que devem pensar que não tenho dinheiro. Sem isto eu não
teria vindo.
– Mas não me respondestes quanto gastastes no percurso em
estrada de ferro de Nançois-le-Petit até Paris.
– Mas, b... Paguei
como os outros. Dei 20 francos e me devolveram 3 francos e sessenta centavos.
Vede quanto é.
Observação – A soma de 16 fr. e 40 c. é, de
fato, a marcada no guia de preços da estrada de ferro, o que ignorava o casal
Delanne.
– Quanto tempo levastes na estrada de ferro de Nançois a
Paris?
– Tanto quanto os
outros. Não fizeram a locomotiva funcionar mais depressa para mim do que para
os demais. Aliás, eu não podia achar o tempo longo; jamais tinha viajado de
trem e pensava que Paris era muito mais longe. O que me espanta mais é essa
velhaca (a sogra do Sr. D...), que aí vem tantas vezes. Por Deus! Estou
contente de poder correr convosco. Apenas muitas vezes não respondeis.
Compreendo: vossos negócios vos sobrecarregam muito. Ontem não ousei regressar
convosco pela manhã (a casa comercial onde o Sr. D... está empregado) e fui
visitar o cemitério de Montmartre,
creio; não é assim que o chamais? Precisais dizer-me os nomes para que possa contá-los quando lá
voltar. (Com efeito, o Sr. e a Sra. Delanne tinham ido pela manhã ao cemitério
de Montmartre).
– Visto que nada vos prende à região, pensais em partir
logo?
– Só depois de ter
visto tudo, já que estou aqui. E, depois, palavra de honra, eles bem podem
mexer um pouco os outros (seus filhos); farão como quiserem. Quando eu não
estiver mais aqui, terão de passar sem mim. Que dizeis, primo?
– O que achais do vinho de Paris? E da comida?
– Não é melhor do
que aquele que vos fiz beber (O Espírito faz alusão a uma circunstância em
que fez o Sr. D... beber vinho engarrafado há vinte e cinco anos); contudo não é mau. Quanto à comida, tanto
faz; muitas vezes como pão ao vosso lado. Não gosto de sujar um prato; não vale
a pena, quando não estamos habituados. Por que fazer cerimônias?
– Então onde dormis? Não notei vosso leito.
– Chegando, Marianne
foi a um quarto escuro; pensei que fosse para mim; deitei-me lá. Falei várias
vezes a todos.
– Em vossa idade, não temeis ser atropelado nas ruas de
Paris?
– Ah! Meu primo, o
que mais me aborrece são esses tais de carros; por isso, não deixo as calçadas.
– Há quanto tempo estais em Paris?
– Sabeis
perfeitamente que cheguei quinta-feira última; creio que há oito dias.
– Como não vi vossa mala, se precisardes de roupa branca
não vos constrangeis.
– Tomei duas
camisas; é o bastante; quando estiverem sujas, eu voltarei para casa; gostaria
de não vos incomodar.
– Quereis dizer o que vos disse o pai Colbert antes de
vossa partida para Paris?
– Ele está na casa
de Marianne há um bom tempo. Vendendo-a, quis ainda ficar por lá. Diz que não
perturba, pois a guarda.
– Dissestes ontem que não víeis meu sogro Didelot, porque
ele morreu. Como, então, vedes tão bem o pai Colbert, que também está morto há
pelo menos trinta anos?
– Ah! Perguntais o
que ignoro; não havia refletido nisto. O que é certo é que ele lá está bem tranquilo;
mais não vos posso dizer.
Observação – O pai Colbert era o antigo
proprietário da casa da mãe da Sra. Delanne. Parece que desde sua morte ficou
na casa, da qual se constituiu guarda, e que, também ele, se julga ainda vivo.
Assim, esses dois Espíritos, Colbert e Pierre Legay, se veem e conversam como
se ainda pertencessem a este mundo, não se dando conta de sua situação.
(3ª conversa, 19 de
agosto de 1864)
– [Ao guia espiritual do médium]. Gostaríamos que désseis
algumas instruções a respeito do Espírito Legay, e dizer-nos se já é tempo de
fazer que compreenda sua verdadeira situação.
– Sim, meus filhos,
desde ontem ele está perturbado, por causa de vossas perguntas; tudo para ele é
confuso quando quer saber, pois ainda não reclama a proteção de seu anjo-da-guarda.
– [A Legay]. Estais aqui?
– Sim, meu primo,
mas tudo isto é muito estranho. Não sei o que isto quer dizer. Não te vás sem
mim, Marianne.
– Refletistes no que pedimos que ontem dissésseis a respeito
do pai Colbert, que vistes vivo, quando, na verdade, ele está morto?
– Não posso saber
como isto acontece. Apenas já ouvi dizer que havia aparições. Por Deus! Creio
que ele é um dos tais. Digam, contudo, o que quiserem: eu o vi perfeitamente.
Mas estou cansado; preciso de um pouco de tranquilidade.
– Credes em Deus e fazeis vossas preces diárias?
– Juro que sim; se
isto não faz bem, não me pode fazer mal.
– Credes na imortalidade da alma?
– Oh! Isto é
diferente. Não posso pronunciar-me sobre isto; duvido.
– Se eu vos desse uma prova da imortalidade da alma, acreditaríeis?
– Oh! Então os
parisienses conhecem tudo? Só peço isto. Como fareis?
– [Ao guia do médium]. Podemos fazer a evocação do pai
Colbert, para lhe provar que está morto?
– Não precisa ir tão
depressa; trazei-o de volta suavemente. Depois este outro Espírito vos fatigará
muito esta noite.
– [A Legay]. Onde estais colocado, que não vos vejo?
– Não me vedes?! Ah!
Isto é demais! Então estais cego?
– Dai-vos conta da maneira por que nos falais, já que fazeis
minha mulher escrever?
– Eu? Juro que não.
Várias perguntas novas foram
dirigidas ao Espírito e ficaram sem resposta. Evocaram seu anjo-da-guarda, e um
dos guias do médium respondeu o que se segue:
Meus amigos, sou eu
que venho responder, pois o anjo-da-guarda deste pobre Espírito não está com
ele; só virá quando ele próprio o chamar e rogar ao Senhor que lhe conceda a luz.
Posto ainda estivesse sob o império da matéria e não quisesse escutar a voz de
seu anjo-da-guarda, este se afastou dele, já que teimava em ficar estacionário.
Com efeito, não era ele que te fazia escrever; falava como de hábito,
persuadido de que o escutáveis; mas era seu Espírito familiar que te conduzia a
mão. Para ele, conversava com teu marido; tu escrevias e tudo isto lhe parecia muito
natural. Mas as vossas últimas perguntas e vossos pensamentos o levaram a
Tréveray; está perturbado; orai por ele e mais tarde o chamareis; ele voltará
depressa. Orai por ele; nós oraremos convosco.
Já vimos alguns exemplos de
Espíritos que se julgavam ainda vivos. Pierre Legay nos mostra essa fase da
vida dos Espíritos da mais característica maneira. Os que se acham neste caso parecem
ser mais numerosos do que se pensa; em vez de constituírem exceção, de
oferecerem uma variedade no castigo, seria quase uma regra, um estado normal
para os Espíritos de certa categoria. Assim, teríamos à nossa volta não só os
Espíritos que têm consciência da vida espiritual, mas uma multidão de outros que,
a bem dizer, vivem uma vida semimaterial, se julgam ainda neste mundo,
continuam a vagar ou pensam consagrar-se às suas ocupações terrenas.
Entretanto, seria um equívoco assimilá-los em tudo aos encarnados, porque se
nota em suas atitudes e em suas ideias algo de vago e de incerto, que não é
peculiar à vida corporal; é um estado intermediário, que nos dá a explicação de
certos efeitos nas manifestações espontâneas e de certas crenças antigas e modernas.
Um fenômeno que pode parecer
mais bizarro e não deixa de fazer sorrir os incrédulos é o dos objetos
materiais que o Espírito julga possuir. Compreende-se que Pierre Legay se
imagine subindo no trem, porque a estrada de ferro é uma coisa real, existe; mas
compreende-se menos que ele creia ter dinheiro e pago a sua passagem.
Esse fenômeno encontra sua
solução nas propriedades do fluido perispiritual e na teoria das criações
fluídicas, princípio importante que dá a chave de muitos mistérios do mundo
invisível.
Seja pela vontade, seja pelo
pensamento, o Espírito opera no fluido perispiritual, que não passa de uma
concentração do fluido cósmico ou elemento universal, uma transformação parcial
que produz o objeto que deseja. Tal objeto é para nós uma aparência, mas para o
Espírito é uma realidade. É assim que um Espírito, desencarnado recentemente,
um dia apresentou-se numa reunião espírita a um médium vidente, com um cachimbo
na boca, fumando. À observação que lhe fizeram, de que aquilo não era conveniente,
respondeu: Que quereis! Tenho de tal modo
o hábito de fumar que não posso dispensar meu cachimbo. O que era mais singular
é que o cachimbo soltava fumaça; não, naturalmente, para os assistentes, mas
para o vidente.
Tudo deve estar em harmonia no
mundo espiritual, como no mundo material; aos homens corporais, são precisos objetos
materiais; aos Espíritos, cujo corpo é fluídico, são necessários objetos
fluídicos; os objetos materiais não lhes serviriam, assim como os objetos
fluídicos não serviriam aos homens corporais. Querendo fumar, o Espírito
fumador criaria um cachimbo que, para ele, tinha a realidade de um cachimbo de barro.
Legay queria dinheiro para pagar a passagem: seu pensamento criou a soma
necessária. Para ele há realmente dinheiro, mas os homens não poderiam
contentar-se com a moeda dos Espíritos. Assim se explicam as vestimentas com
que se cobrem à vontade, as insígnias que usam, as diferentes aparências que
podem assumir etc.
As propriedades curativas dadas
ao fluído pela vontade também se explicam por esta transformação. O fluido
modificado age sobre o perispírito que lhe é similar e esse perispírito, intermediário
entre o princípio material e o princípio espiritual, reage sobre a economia, na
qual representa importante papel, embora ainda desconhecido pela Ciência.
Há, pois, o mundo corporal
visível com os objetos materiais, e o mundo fluídico, invisível para nós, com
os objetos fluídicos. É de notar que os Espíritos de ordem inferior e pouco esclarecidos
operam essas criações sem se darem conta da maneira por que neles se produz
tais efeitos; eles não o podem explicar, como um ignorante da Terra é incapaz
de explicar o mecanismo da visão, nem um camponês dizer como cresce o trigo.
As formações fluídicas ligam-se
a um princípio geral, que será ulteriormente objeto de um desenvolvimento
completo, quando tiver sido suficientemente elaborado.
O estado dos Espíritos na
situação de Pierre Legay levanta várias questões. A que categoria pertencem
precisamente os Espíritos que ainda se julgam vivos? A que se deve esta particularidade?
A uma falta de desenvolvimento intelectual e moral? Muitos que são inferiores
dão-se conta perfeitamente de seu estado e a maior parte dos que temos visto
nesta situação não é dos mais atrasados. É uma punição? Talvez o seja para
alguns, como para Simon Louvet, do Havre, o suicida da torre de Francisco I
que, durante cinco anos, estava na apreensão da queda [vide: François-Simon Louvet, do Havre, publicado neste blog em
15.06.2019]; mas muitos outros não são infelizes e não sofrem.
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