terça-feira, 22 de janeiro de 2019

O Espiritismo nas Prisões[1]





Na Revista de novembro de 1863 publicamos a carta de um condenado, detido numa penitenciária, como prova da influência moralizadora do Espiritismo. A carta a seguir, de um condenado em outra prisão, é mais um exemplo desta poderosa influência. É de 27 de dezembro de 1863; transcrevemo-la textualmente, quanto ao estilo, corrigindo apenas os erros ortográficos.

Senhor,
Há poucos dias, quando me falaram pela primeira vez de Espiritismo e de revelação de além-túmulo, ri e disse que isto não era possível; falava como ignorante que sou. Alguns dias depois tiveram a bondade de me confiar, na horrível posição em que me acho agora, vosso bom e excelente O Livro dos Espíritos. A princípio, li algumas páginas com incredulidade, não querendo, ou melhor, não crendo nessa ciência. Enfim, pouco a pouco e sem me dar conta, por ele tomei gosto; depois levei a coisa a sério; então reli pela segunda vez o vosso livro, desta vez com outro espírito, isto é, com calma e com toda a pouca inteligência que Deus me deu. Senti despertar essa velha fé que minha mãe me tinha posto no coração e que cochilava há bastante tempo; senti o desejo de me esclarecer sobre o Espiritismo. A partir desse momento tive um pensamento bem decidido, o de me esclarecer, aprender, ver e depois julgar. Pus-me à obra com toda a crença que se pode ter e que é preciso ter com Deus e seu poder; desejava ver a verdade; orei com fervor e comecei as experiências; as primeiras foram nulas, sem resultado algum.
Não me desencorajei, perseverei em minhas experiências e, palavra de honra, renovei minhas preces, que talvez não fossem bastante fervorosas, e me entreguei ao trabalho com toda a convicção de uma alma crente e que espera. Ao cabo de algumas noites, pois só posso fazer experiências à noite, senti, por cerca de dez minutos, tremores nas pontas dos dedos e uma leve sensação no braço, como se tivesse sentido correr um pequeno regato de água morna, que parava no punho. Eu estava então inteiramente recolhido, todo atenção e cheio de fé. Meu lápis traçou algumas linhas perfeitamente legíveis, mas não bastante corretas para descrer que estivesse sob o peso de uma alucinação.
Esperei então com paciência a noite seguinte para recomeçar as experiências e, desta vez, agradeci a Deus de todo o coração, por ter obtido mais do que ousava esperar.
A partir de então, de duas em duas noites entretenho-me com os Espíritos, que são bastante bons para responderem ao meu apelo e, em menos de dez minutos, respondem sempre com caridade. Escrevo meias-páginas, páginas inteiras, que somente minha inteligência não poderia fazer, porquanto, muitas vezes, são tratados filosófico-religiosos em que jamais pensei e, com mais forte razão, jamais os pus em prática; porque dizia a mim mesmo aos primeiros resultados: Não serás joguete de uma alucinação, ou da tua vontade? E a reflexão e o exame me provavam que eu estava muito longe da inteligência que havia traçado aquelas linhas. Baixei a cabeça; acreditava e não podia ir contra a evidência, a menos que estivesse completamente louco.
Remeti duas ou três entrevistas à pessoa que fizera a caridade de me confiar o vosso bom livro, para que ela sancione se estou certo. Venho pedir-vos, senhor, vós que sois a alma do Espiritismo, o obséquio de permitir vos envie o que obtiver de sério em minhas conversas de além-túmulo, desde que o julgueis acertado. Se isto vos for agradável, eu vos enviarei as conversas de Verger, que assassinou o Arcebispo de Paris. Para bem me assegurar se era ele mesmo quem se manifestava, evoquei São Luís, que me respondeu afirmativamente, bem como outro Espírito, no qual tenho muita confiança etc...

As consequências morais deste fato se deduzem por si mesmas. Eis um homem que tinha abjurado toda crença e que, atingido pela lei, é confundido com a escória da sociedade; mas este homem, no meio desse lodo moral, voltou à fé; vê o abismo em que caiu, arrepende-se e ah! Ora com mais fervor que muita gente que exibe devoção. Para isto bastou a leitura de um livro, onde encontrou elementos de fé que a sua razão pôde admitir, que reavivaram as suas esperanças e lhe fizeram compreender o futuro.
Além disso, é de notar-se que, a princípio, leu com prevenção e sua incredulidade só foi vencida pelo ascendente da lógica. Se tais resultados são produzidos por uma simples leitura, a bem dizer feita às escondidas, o que seria se a ela se pudesse aliar a influência das exortações verbais! É bem certo que na disposição de espírito em que hoje se acham esses dois homens (ver o fato relatado no número de novembro último), não só não se queixarão durante a sua detenção, como retornarão ao mundo decididos a nele viverem honestamente.
Já que esses dois culpados puderam ser reconduzidos ao bem pela fé que hauriram no Espiritismo, é evidente que, se tivessem essa fé previamente, não teriam cometido o mal. É, pois, do interesse da sociedade a propagação de uma doutrina de tão grande poder moralizador. É o que se começa a compreender.
Uma outra consequência a tirar do fato que acabamos de narrar é que os Espíritos não são detidos pelos ferrolhos e que vão até o fundo das masmorras levar suas consolações. Assim, não está no poder de ninguém impedir que eles se manifestem de uma ou de outra maneira; se não for pela escrita, será pela audição. Eles afrontam todas as proibições, riem-se de todas as interdições, transpõem todos os cordões sanitários. Consequentemente, que barreiras podem opor-lhes os inimigos do Espiritismo?




[1] Revista Espírita - Fevereiro/1864 – Allan Kardec

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