Qual é o meio prático e mais eficaz para se melhorar nesta
vida, e resistir aos arrastamentos do mal?
‒ Um sábio da
antiguidade vos disse: “Conhece-te a ti mesmo[2]”.
Compreendemos toda a sabedoria dessa máxima, porém, a
dificuldade está precisamente em se conhecer a si mesmo; qual é o meio de o
conseguir?
‒ Fazei o que eu
fazia quando vivi na Terra: no fim de cada dia interrogava a minha consciência,
passava em revista o que havia feito e me perguntava a mim mesmo se não tinha faltado
ao cumprimento de algum dever, se ninguém teria tido motivo para se queixar de
mim.
Foi assim que
cheguei a me conhecer e ver o que em mim necessitava de reforma. Aquele que todas
as noites lembrasse todas as suas ações do dia, e, se perguntasse o que fez de
bem ou de mal, pedindo a Deus e ao seu anjo guardião que o esclarecessem,
adquiriria uma grande força para se aperfeiçoar, porque, acreditai-me, Deus o
assistirá. Formulai, portanto, as vossas perguntas, indagai o que fizestes e
com que fito agistes em determinada circunstância, se fizestes alguma coisa que
censuraríeis nos outros, se praticastes uma ação que não ousaríeis confessar.
Perguntai ainda isto: Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, ao entrar no
mundo dos Espíritos, onde nada é oculto, teria eu de temer o olhar de alguém?
Examinai o que pudésseis ter feito contra Deus, depois contra o próximo e por
fim contra vós mesmos. As respostas serão motivo de repouso para vossa
consciência ou indicarão um mal que deve ser curado.
O conhecimento de si
mesmo é portanto a chave do melhoramento individual. Mas, direis, como julgar a
si mesmo? Não se terá a ilusão do amor-próprio, que atenua as faltas e as torna
desculpáveis? O avaro se julga simplesmente econômico e previdente, o orgulhoso
se considera tão somente cheio de dignidade. Tudo isso é muito certo, mas
tendes um meio de controle que não vos pode enganar. Quando estais indecisos
quanto ao valor de uma de vossas ações, perguntai como a qualificaríeis se
tivesse sido praticada por outra pessoa. Se a censurardes em outros, ela não
poderia ser mais legítima para vós, porque Deus não usa de duas medidas para a
justiça. Procurai também saber o que pensam os outros e não negligencieis a
opinião dos vossos inimigos, porque eles não têm nenhum interesse em disfarçar
a verdade e geralmente Deus os colocou ao vosso lado como um espelho, para vos advertirem
com mais franqueza do que o faria um amigo. Que aquele que tem a verdadeira vontade
de se melhorar explore, portanto, a sua consciência, a fim de arrancar dali as
más tendências como arranca as ervas daninhas do seu jardim; que faça o balanço
da sua jornada moral como o negociante o faz dos seus lucros e perdas, e eu vos
asseguro que o primeiro será mais proveitoso que o outro. Se ele puder dizer
que a sua jornada foi boa, pode dormir em paz e esperar sem temor o despertar
na outra vida.
Formulai, portanto,
perguntas claras e precisas e não temais multiplicá-las: pode-se muito bem consagrar
alguns minutos à conquista da felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias
para ajuntar o que vos dê repouso na velhice? Esse repouso não é o objeto de
todos os vossos desejos, o alvo que vos permite sofrer as fadigas e as
privações passageiras? Pois bem: o que é esse repouso de alguns dias, perturbado
pelas enfermidades do corpo, ao lado daquilo que aguarda o homem de bem? Isto
não vale a pena de alguns esforços? Sei que muitos dizem que o presente é
positivo e o futuro incerto. Ora, aí está, precisamente, o pensamento que fomos
encarregados de destruir em vossas mentes, pois desejamos fazer-vos compreender
esse futuro de maneira a que nenhuma dúvida possa restar em vossa alma. Foi por
isso que chamamos primeiro a vossa atenção para os fenômenos da Natureza que
vos tocam os sentidos e depois vos demos instruções que cada um de vós tem o
dever de difundir. Foi com esse propósito que ditamos “O Livro dos Espíritos”.
SANTO AGOSTINHO
Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se,
com efeito, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais
frequentemente a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem disso
nos apercebermos, por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos. A
forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que uma máxima que em
geral não aplicamos a nós mesmos. Ela exige respostas categóricas, por um sim
ou um não, que não deixam lugar a alternativas: respostas que são outros tantos
argumentos pessoais, pela soma das quais podemos computar a soma do bem e do
mal que existe em nós.
Questão 919/O Livro dos Espíritos
A indução do mal é constante na
alma que começa a chegar à maturidade espiritual, no entanto, é nesta
oportunidade que ela assimila conhecimentos espirituais, capazes de levá-lo à libertação.
Conhecer-se a si mesmo é a chave
preciosa de despertamento dos valores internos, onde o coração é a porta e a
consciência, a sala de meditação. Deves, ao final de cada dia, se possível,
pensar nos teus atos e analisá-los com bastante rigor, procurando, no outro
dia, corrigir alguma coisa que não podes desejar para os outros.
O mal, por vezes, é necessário,
como diz Jesus, no tocante ao escândalo, pois é por seu intermédio que passamos
a valorizar o bem. Ele é o mesmo bem invertido. Todos, sem exceção, praticamos
o inconveniente. Como agricultor ao chegar à mata virgem, que somente encontra
dificuldades, depois de tudo pronto, a lavoura medra no terreno, dando-lhes
prazer, como frutos do trabalho que venceu todas as dificuldades. Deves fazer
qual o comerciante precavido, que sempre, em todo final de dia, dá um balanço
na sua organização, para saber o que deve mudar para melhor, conhecendo a
intimidade da sua casa comercial. Por que não fazer assim, com o comércio dos
teus pensamentos no dia-a-dia, observando o que deve ser mudado para melhor,
moralmente? É um trabalho algo pesado, mas que o bom senso pede urgência,
principalmente entre os espíritas conscienciosos, que estudam com sinceridade a
Doutrina dos Espíritos. Aí os benfeitores espirituais vêm em auxílio aos de boa
vontade, ajudando-os no conhecimento de si mesmos.
Conhece-te a ti mesmo é a alta
iniciação que a maturidade oferta à alma porque, passando a conhecer-se, fica
mais fácil conhecer e respeitar os outros. Podemos dizer que o Espírito, em qualquer
posição em que esteja, na carne ou no mundo espiritual, que conhece a si mesmo,
encontrou a medula da vida, de onde poderá confortar o corpo e o próprio
Espírito, abrindo a visão para a vida transcendental, onde nos aguardam a
esperança e a certeza de que não existe morte, porque os sentidos crescem em
todas as direções, nos mostrando vida em tudo, desde o vírus até os acúmulos
dos mundos que circulam dentro da criação de Deus. Deus é vida.
Para se conhecer a si mesmo, o
primeiro passo é o desprendimento, mas que seja feito com certo discernimento,
principalmente na época em que vives.
E se emprestais àqueles de quem
esperais receber qual é a vossa recompensa? Também os ímpios emprestam aos
ímpios, para receberem outro tanto[3].
A usura empana a mente, onde
pode dirigir o coração. O interesse pessoal é capaz de turvar os sentimentos de
amor, dando outra direção à força do bem, de sorte que o egoísmo cresça e o
orgulho passe a dominar o ambiente de paz, surgindo a guerra, e enquanto houver
essa luta, jamais o homem entenderá o conhece-te a ti mesmo.
Deus fez as leis espirituais,
por saber que começaríamos a vida, torcendo os mandamentos. As leis formuladas
por Ele nos ajudam a compreendê-Lo na sua profundidade. A ignorância, ao desaparecer,
vai cedendo lugar à compreensão, e a alma percebe que existe a felicidade, pelos
raios de paz na consciência que vão surgindo, pela marca do amor.
A Doutrina dos Espíritos, pelos
processos da mediunidade, estabelece na Terra modalidades variáveis de
aprendizado, pela variação dos sentimentos humanos. Isso é justiça, dando a cada
um a lição que merece, ajustando suas forças na força de Cristo.
Sê atento aos meios por que Deus
fala ao teu coração, e não percas oportunidade no aprendizado. A tua senda de
crescimento somente tu entendes, porque Deus não falha nos teus caminhos nem
Cristo te abandona nas tuas lutas.
Esforça-te para não te
esqueceres dessa máxima atribuída a Sócrates, mas que é repetição do mesmo que
disseram outras almas do passado. Verdadeiramente ela é de Jesus, vinda d`Ele pelos
processos do mediunismo mais puro, para almas que viviam à luz da fraternidade.
MIRAMEZ
[1] Filosofia
Espírita – Volume 19 – João Nunes Maia
[2] O aforismo grego "Conhece a ti mesmo", é uma
das máximas de Delfos e foi inscrita no pronaos do Templo de Apolo em Delfos de
acordo com o escritor Pausanias. A máxima, ou aforismo, "conhece-te a ti
mesmo" teve uma variedade de significados atribuídos a ele na literatura.
Wikipédia
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