quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Educação dos Espíritos[1]



Maria Ribeiro


Na escala espírita descrita por Kardec, embora nada tendo de absoluta, é possível compreender a heterogeneidade na qual vivemos, tanto moral quanto intelectual.
Entretanto, a escala abrange categorias de Espíritos que já alcançaram um grau intelectivo sobre o bem e o mal, visto que, na última classe, a dos Espíritos impuros, suas características apontam que têm propensão ao mal e possuem todas as más paixões. Ora, de acordo com a questão 191, os Espíritos que possuem paixões é que fizeram algum progresso; logo, os impuros fazem uso do seu livre arbítrio optando sempre por fazer o mal. Estes os Espíritos vinculados à Humanidade terrestre.
A escala não abrange os Espíritos primitivos, visto que, a priori, a Terra não lhes corresponde e, na Revista Espírita de março de 1858, Kardec faz descrição onde isola a nona classe, a dos impuros, para caracterizar o que seria um mundo habitado "quase" que exclusivamente por eles.
Porém, em outubro de 1860, há uma outra descrição psicografada de Marte, tomado como um planeta inferior à Terra, onde afirma-se que seria a primeira habitação dos Espíritos, seres rudimentares, desprovidos de beleza e inteligência. Por primeira habitação dos Espíritos pode-se entender que o Espírito acaba de sair dos liames da animalidade, onde adquire o raciocínio contínuo e passa a habitar um corpo mais próximo do humanoide; portanto, Espíritos primitivos.
 A Terra é habitação de todos os Espíritos da terceira ordem e, de acordo com a questão 176 de O Livro dos Espíritos, aqui os há nos mais variados graus de moralidade e inteligência. Cabe tentar uma análise onde se possa separar quem são os Espíritos impuros e os primitivos. E assim, pode-se pensar que todo Espírito primitivo seja impuro, mas os impuros não são necessariamente primitivos. Isto porque os Espíritos impuros sejam já experimentados em várias encarnações, nas quais não demonstram a boa vontade para aprenderem a domar as más tendências, se apaixonando pelos vícios e relutando contra as leis naturais. Daí o serem encaminhados para os mundos primitivos, mais adequados aos seus comportamentos. A Terra, segundo as Letras Espíritas, planeta de provas e expiações, guarda relações com seres impuros, já que admite esta classe entre seus habitantes. Ora, então seria necessário que estes viessem ao planeta para que se cumprissem algumas das circunstâncias que põem as provas e as expiações nos caminhos dos indivíduos?
 Embora os Espíritos assegurem que a humanidade tem progredido e a própria realidade aponte para avanços no comportamento humano, há os que defendem, levianamente, que "de uns tempos para cá, a coisa está pior", esquecidos das barbáries narradas desde os tempos bíblicos.
 Há algumas atitudes humanas que levam muitos a questionarem se realmente partem de um ser humano. Dentre estas, muitas podem partir de Espíritos impuros ou primitivos, que não desenvolveram sentimentos mais nobres, embora os segundos estejam em suas primeiras experiências.
 Vale lembrar a passagem intitulada Assassinato de cinco crianças por outra de doze anos ‒Problema moral, anotada no mês de outubro da Revista Espírita de 1858.
 É preciso também saber discernir o grau de proximidade entre tais estados evolutivos e as supostas patologias mentais, que podem levar a desequilíbrios que causem danos sociais. Sabe-se que o córtex cerebral é o mais recente tecido que agregou-se ao encéfalo. Está dividido em lobos: frontal, um par parietal, um par temporal e lobo occipital, além do lobo límbico. Está conectado às áreas sensoriais e motoras. O lobo frontal é o responsável, por exemplo, pelo julgamento, pelo autocontrole e pelas emoções. Este lobo se desenvolveu muito em todos os primatas sociáveis.  Lesões no lobo frontal podem tornar o indivíduo apático, antissocial, indiferente. Segundo as teorias sobre o desenvolvimento humano, as mudanças corporais incluem o aumento significativo da área cerebral, e evidentemente, as funções se ampliaram. E este desenvolvimento material é que proporciona ensejo de o Espírito por em prática suas potencialidades.
 Estando um Espírito primitivo, por exemplo, encarnado sobre a Terra, por causa da lei de hereditariedade, também possuirá a mesma estrutura encefálica organizada dos nativos, embora nestes ela esteja em condições de uso segundo suas conquistas intelecto-morais. Em contrapartida, as aquisições intelecto-morais requerem instrumento capaz de exprimi-las, o que faz concluir que o desenvolvimento físico seja uma exigência natural daquele. Portanto, ainda considerando um Espírito primitivo encarnado num mundo mais adiantado, apesar de possuir uma estrutura física cerebral idêntica aos demais, existem áreas inativas, ou morfologicamente diferentes, o que poderá comprometer sua fisiologia. Semelhantemente ao que ocorre quando uma lesão patológica, como os tumores, se instala no cérebro.
 O caso ilustrado não se refere, entretanto, a uma lesão física e patológica, mas a uma condição evolutiva de um ser desprovido de elementos mentais que preencham sua morfologia atual, pois que suas potencialidades se encontram latentes.
 O mesmo já não se aplicaria a um Espírito impuro que, a despeito das várias experiências, é refratário ao bom aprendizado e às inspirações dos bons Espíritos, perseverando no caminho da deliberada maldade, demonstrando-se um ser verdadeiramente rebelde. Mas nem por isso sua funcionalidade cerebral seja menos comprometida, com a diferença de que, tendo elementos mentais (distinguem o bem do mal), não desenvolveram moralidade que pudesse se adaptar às estruturas físicas que possuem, então são como que atrofiadas. Ou seja, a Mente não está bem representada pelo cérebro.
 Estudos realizados[2] comprovam que as lesões no córtex frontal produzem diversos transtornos de comportamento. O que pode se potencializar se também estiver associado a traumas psicológicos.
 Em várias ocasiões o nobre codificador se referiu à educação como único meio eficaz de transformar o homem. Porém nossas instituições ainda não logram vantagem efetiva pela falta do conhecimento do Espírito e suas exigências, já que elas mesmas são constituídas de homens limitados. Kardec fala de uma educação moral, e não necessariamente da instrução tão somente, visto que esta sozinha se mostra incapaz de tornar um homem mau em bom. Isto porque o maior mal do homem não é a ignorância das ciências que dominam o mundo físico, mas das que prevalecem no mundo moral.
 O fato de o planeta estar povoado de várias categorias de Espíritos faz que se reflita sobre as legislações vigentes, que, em suas deficiências, ainda contam com a desvantagem de não agirem individualmente. Pois as várias nuances da Mente humana traz implicações em todos os setores sociais, mas predominantemente nos trâmites criminais e as aplicabilidades das leis que possam interferir no caráter dos indivíduos.
 Até hoje as leis são punitivas, sem o compromisso de atribuir ao réu o dever e também o direito da correção. Punições podem intimidar, mas não aniquilam os maus hábitos, que podem ser corrigidos através da educação moral de que noticia Kardec.
 Diante disso, parece que também nesta há uma hierarquia, indo desde a educação básica até o momento em que o Espírito seja capaz de se conduzir sozinho[3] e, segundo as Letras Espíritas, isto não se dá sobre a Terra. Portanto, todos os habitantes terrenos se encontram em fase educacional, nas mais diversas fases. Mas cabe a cada um reconhecer a sua e aproveitar o quanto possível as oportunidades do próprio crescimento.




[2] Adrian Raine e outros.
[3] Questão 500 de O Livro dos Espíritos.

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