Osvaldo Ourive
Um amigo escreveu-nos,
perguntando como nós espíritas nos comportamos no período de Quaresma, se
também fazemos jejum como fazem algumas religiões.
O profundo respeito pelas
religiões integra as diretrizes doutrinárias do Espiritismo, o que está de
acordo com as disposições da nossa Constituição Federal. Com isto deixamos
claro que vamos expor a posição da Doutrina Espírita em face do que nos foi
perguntado, sem quaisquer laivos de críticas a esta ou aquela religião.
Quaresma é o período de 40 dias
que vai da quarta-feira de cinzas até o domingo de Páscoa, sem inclusão dos
domingos na contagem. Os religiosos que a reverenciam, católicos e anglicanos,
praticam o jejum de carne no primeiro dia e na sexta-feira da paixão.
Segundo o dicionário de Aurélio,
os 40 dias são dedicados a penitências. O Site Wikipédia informa que,
essencialmente, o período é um retiro espiritual voltado à reflexão, onde os
religiosos se recolhem em oração e penitência para preparar o espírito para a
acolhida do Cristo Vivo, Ressuscitado no Domingo de Páscoa.
O Espiritismo possui uma
estrutura doutrinária própria, assenta-se num conjunto de princípios
fundamentais e está exposto nas suas obras básicas e complementares. A sua prática
não admite rituais, paramentos, ou utilização de símbolos e imagens. O seu
culto é o interno, significando que o seu adepto deve realizar a
autotransformação pelo esforço diuturno de domar as más inclinações, de
abandonar vícios morais e materiais, adotando como código de conduta as regras
morais reveladas por Jesus.
Na parábola do Bom Samaritano
(Lc, 10:25-37) Jesus instrui um Doutor da Lei, que lhe pergunta sobre o que
fazer para se ganhar a vida eterna. De forma resumida foi esta a resposta do
Cristo: para ganhar a vida eterna vá e faça da mesma maneira como fez o Bom
Samaritano.
O que fez o Bom Samaritano?
Consta da parábola que o mesmo
praticou, por amor verdadeiro ao próximo, a caridade moral e material de
maneira incondicional, completa, sem medir esforços, diante de um homem que
fora encontrado meio morto, após assaltado e espancado.
Antes da atitude bondosa do
Samaritano, um sacerdote e um levita (auxiliar do templo) passaram pelo homem
caído e não lhe deram a mínima importância. Por quê? Possivelmente porque já
haviam cumprido os deveres diários para com Deus nos rituais do Templo, porque
eram insensíveis ante a dor alheia ou porque amar e ajudar o próximo não
constituíssem atividades observadas por O Samaritano, homem comum da Samaria,
foi justamente quem praticou a Lei Maior: “amar o próximo como a si mesmo”,
que, segundo Jesus, é equivalente a “amar a Deus sobre todas as coisas”.
Portanto Jesus propõe que para
se alcançar a felicidade e a plenitude da paz o homem deve praticar o amor e a
caridade em toda sua extensão, que são antídotos irresistíveis no combate às
deficiências morais, como egoísmo, orgulho, vaidade, ódio, ambição, ou por
outra, deve fazer jejum (abster-se) desses vícios que são os reais causadores
das desgraças da Terra. Este deve ser o sentido verdadeiro de Jejum e, não, o
de abster-se da ingestão de carne porque, em outra passagem do Evangelho, Jesus
ensina:
“Não é o que entra pela boca que torna o homem
impuro. O que sai da boca do homem é que o macula. O que sai da boca procede do
coração e é o que torna impuro o homem: porquanto do coração é que partem os
maus pensamentos, os assassínios, os adultérios, as fornicações, os
latrocínios, as maledicências...” (Mt. 15:1-20).
O esforço de combate às más
tendências deve se estender por todos os dias, semanas e meses do ano.
“Reconhece-se o verdadeiro espírita pela sua transformação moral e pelos
esforços que emprega para domar suas inclinações más”. (Allan Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap.
XVII, item 4).
Quanto ao consumo de carne, a
Doutrina Espírita prescreve que em nosso atual estágio, a carne alimenta a
carne, e que o homem tem necessidade de alimentar-se conforme reclame a sua
organização (Questão 723, de O Livro dos
Espíritos), mas sem necessidade de abusar desse direito (Questão 734,
Idem).
Entendemos que, com o progresso
moral, a humanidade chegará a um ponto em que não terá mais necessidade de
alimentar-se dos invólucros carnais dos animais, não só por amor a eles, como
porque a tecnologia lhe oferecerá sucedâneos adequados à sua organização
física. Alguém inclusive já disse, e com muito acerto, que “o homem não se
torna bom porque deixa de comer carne, mas quando ele se torna bom, deixa
naturalmente de ingeri-la”.
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