Elton Rodrigues
Há quem diga que o período das
experimentações em torno do fenômeno espírita é algo ultrapassado.
Afirmam que o século XIX foi
farto em trabalhos desta espécie, gerando uma grande quantidade de artigos, e
que qualquer interessado no assunto pode se debruçar e avaliar as metodologias
e conclusões dos grandes cientistas da época. Por esta razão, dizem que hoje
encontramo-nos em um novo estágio, uma nova etapa de estudo e aplicação da
doutrina espírita: a evangelização dos homens.
E é exatamente esta visão, esta interpretação
que é executada rotineiramente, por um número expressivo de casas espíritas.
Consequentemente, encontramos copiosa
variedade de embaraçosas práticas dentro das casas e associações espiritistas.
Por outro lado, encontramo-nos
sim em uma época especial, realmente achamo-nos em um ponto onde, por
necessidade e oportunidade, os espíritos nos dizem: espíritas, lutem,
investiguem, indaguem, rebusquem e retornem ao verdadeiro espiritismo!
Quando, por exemplo, determinada
casa ou associação espírita possui um médium, dito principal, e este é colocado
como guru infalível; quando práticas são executadas dentro destes locais e
ninguém sabe o motivo; quando a Codificação é considerada como um conjunto de
livros sagrados e questioná-las é uma atitude classificada negativamente, como
uma postura antidoutrinária; quando prece, passe, água e iluminação são tratadas
como rituais; quando teorias e práticas externas à Doutrina são trazidas e
enxertadas às bases doutrinárias sem uma análise profunda e, além disso, quando
há um temor velado pela comunicação dos espíritos, o que é que estamos
realizando senão ações criminosas para com a Doutrina dos Espíritos?
Infelizmente, essas práticas são
uma consequência direta da interpretação supracitada, na qual, o espírita que é
orientado por esta perspectiva acaba por caminhar como religiosos fundamentalistas,
sem questionar nada e ninguém, seguindo um determinado roteiro para que consiga
“ser evangelizado”, saindo da atual encarnação com mais amor no coração, mais
purificado. Claramente, isto é resultado da falta de estudo e de uma verdadeira
compreensão do que seja realmente doutrina espírita.
Não obstante a doutrina espírita
ter sido codificada há pouquíssimo tempo e, por consequência o estudo profundo em
torno do espírito e de sua relação com a matéria também ser algo recente, afirmamos
com segurança que a ideia de uma doutrina espírita sem experimentação, sem análise
crítica da fenomenologia no sentido kantiano, e até mesmo uma avaliação crítica
dos textos evangélicos é estagnar perante os nossos atavismos religiosos.
E se essa imobilidade não for superada
pelos próprios espíritas, em pouco tempo transformaremos a nossa amada doutrina
em algo totalmente diferente daquela doutrina trazida pelos espíritos sob o
controle metodológico de Kardec.
A evangelização do homem, como
arrebatamento para o espírito imortal, suscitando o progresso, o curso “avante,
sempre adiante (...)”[2] do
ser, é objetivo fundamental do espiritismo desde que este foi concebido pelo
mestre de Lyon, através da tutela do Espírito de Verdade. No entanto, essa
evangelização ocorre a partir do momento em que reflexionamos sobre o próprio
espiritismo, que “é uma ciência que tem como objeto a demonstração experimental
da existência da alma e de sua imortalidade, por meio de comunicações com aqueles
que impropriamente foram chamados de mortos”[3].
Não há, desta forma um
espiritismo filosófico, um científico e um religioso. Não! Há, sim, espiritismo,
que através da pesquisa em torno dos fenômenos espíritas e da reflexão em torno
dos resultados obtidos através de experimentação, o homem, concluindo que sua
individualidade permanece após a desintegração da sua roupagem carnal; que seus
amores permanecem vivos e que estes podem entrar em contato e, ademais, que se reencontrarão,
aí sim, o religare[4] é
construído de maneira robusta e, sobretudo, baseado na razão.
Isso dito, lutemos para esse
retorno a Allan Kardec dentro de nossas casas espíritas; lutemos por uma
verdadeira divulgação espírita, com informações seguras e de qualidade; lutemos
pela melhoria de nossas livrarias e bibliotecas espíritas, buscando os
clássicos esquecidos, subtraídos por obras rasas, repetidas e de valor
suspeito; lutemos, enfim, por uma aproximação destes que buscam contatar-nos e
transmitir ensinamentos, força e coragem para nossas lutas diárias.
O espiritismo é nosso. Lutemos
por ele.
Estudar, experimentar e divulgar.
Essas são as palavras de ordem para os espíritas do século XXI.
[1] Revista “O Fóton” – Volume 9 – Janeiro/2018.
[2] O Problema do Ser e do Destino, As Potências da Alma,
A Vontade, Léon Denis, 1ª Edição, CELD.
[3] O Fenômeno Espírita, Os Testemunhos dos Sábios,
Prefácio, Gabriel Delanne, 1ª Edição, CELD
[4] Religião vem do latim “religare”, que possui o
significado de religação. Essa religação se refere a uma nova ligação entre o
homem e Deus.
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