quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Aplicação do Método Científico ao Estudo do Evangelho[1]


José Márcio de Almeida

Diz o provérbio popular: “A voz do povo é a voz de Deus!” Se for assim, citemos outro: “À beira da estrada, a árvore de frutas mais apetitosas é a mais apedrejada!”.
Perguntamo-nos então: por qual razão o estudo do Evangelho encontra enorme resistência entre os cientistas e sábios?
Seria porque não se pode aplicar, ao estudo do Evangelho, o método científico? Ou, reformulando a pergunta: acreditam não poder aplicar ao estudo do Evangelho o rigoroso método científico?
Se para a Ciência perseverar é preciso e é a chave para o sucesso, convém não nos esquecermos do sábio conselho legado por Schopenhauer: “Sempre que uma boa ideia não estiver sendo aceita, lembre-se de checar as causas anteriores e guarde esta preciosa citação: ‘Toda verdade passa por três etapas: primeiro é ridicularizada, depois é violentamente antagonizada e, por último, é aceita universalmente como autoevidente’” [2].
Na Ciência, como em tudo, o método é determinante.
Num deles, a metodologia reducionista, proposta por Descartes[3] e posteriormente desenvolvida por Newton[4] , propõe-se chegar à verdade através da dúvida sistemática e da divisão do “problema” em várias pequenas partes, de modo que, compreendendo o simples se possa alcançar o entendimento do todo.
E, se os homens de Ciência se propusessem estudar o Evangelho à luz dos princípios e pressupostos básicos da Doutrina Espírita? Afinal, asseverou-nos o Codificador que “(...) Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará” [5].
Isto lhe parece desafiador?
Esclarecemos que no Espiritismo, em seu viés científico (fenomenológico), há uma metodologia de análise, há fatos concretos, há refutações, há hipóteses e explicações detalhadas das causas e de seus efeitos.
Outrossim, corroborando esse entendimento, diremos ainda que, se nem mesmo os fatos e teorias associados à mecânica quântica, que trouxeram inúmeros debates sobre a validade ou não, acerca do método científico, foram capazes de derrubar a validade dos princípios causal e da localidade, como princípios básicos para descrição da natureza, como negar a possibilidade de aplicá-los ao (i) exame dos fenômenos espíritas e (ii) ao estudo minucioso do Evangelho?
Se a resposta for um rotundo “Sim!”, como, então, estudar o Evangelho à luz do método científico e dos ensinamentos legados pelos Espíritos Superiores? Como retirar da letra o Espírito que vivifica![6]
Retirar da letra o Espírito que vivifica eis o objetivo a ser alcançado!
Segundo Honório Onofre de Abreu[7] , para o estudo minucioso (científico) do Evangelho, cujo conteúdo pode ser identificado a partir de um texto completo, um versículo, uma frase, uma expressão ou mesmo uma só palavra, observado seu sentido no trecho sob análise, é preciso “Empenhar-se no estudo intensivo da Doutrina Espírita, em especial de seus princípios fundamentais: Deus; Jesus; Espírito; Perispírito; Evolução; Livre arbítrio; Pluralidade dos mundos habitados; Imortalidade da alma; Vida futura; Plano espiritual; Mediunidade; Influência dos Espíritos em nossa vida; e, Ação dos Espíritos na Natureza” [8].
“O primeiro passo será sempre entender bem o aspecto literal do texto, através de uma leitura atenciosa, considerando o significado exato: de cada palavra; tempo e pessoas dos verbos; lugar; ocasião; circunstâncias; profissões e cargos; expressões e hábitos vigentes à época de Jesus”. E, assim, “Buscar cuidadosamente o seu conteúdo espiritual”. [Pois]
Este é o que dá vida, universalidade e eternidade à Boa Nova “[9].
Por entre as montanhas de Minas Gerais, o método científico do “Seu Honório” ficou conhecido como “Método Miudinho”, pois que dedica uma grande atenção aos pormenores.
O “Método Miudinho” de estudo do Evangelho busca dar, segundo uma análise trina, da conjunção de referências bíblicas (Antigo Testamento), evangélicas (Novo Testamento) e doutrinárias (obras fundamentais e subsidiárias da Doutrina Espírita), explicações detalhadas das causas e de seus efeitos morais e materiais (temporais).
Vejamos um singelo exemplo:
Referência bíblica (Antigo Testamento): “Clama a mim, e responder-te-ei, e anunciar-te-ei coisas grandes e firmes que não sabes” [10].
Referência evangélica (Novo Testamento): “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito” [11].
Referência doutrinária (obras fundamentais): “Se o Cristo não disse tudo quanto poderia dizer, é que julgou conveniente deixar certas verdades na sombra, até que os homens chegassem ao estado de compreendê-las. Como ele próprio o confessou, seu ensino era incompleto, pois anunciava a vinda daquele que o completaria; previra, pois, que suas palavras não seriam bem interpretadas, e que os homens se desviariam do seu ensino; em suma, que desfariam o que ele fez, uma vez que todas as coisas hão de ser restabelecidas: ora, só se restabelece aquilo que foi desfeito” [12].
Referência doutrinária (obras subsidiárias): “Enquanto o espírito do homem se engolfa apenas em cálculos e raciocínios, o Evangelho de Jesus não lhe parece mais que repositório de ensinamentos comuns; mas, quando se lhe despertam os sentimentos superiores, verifica que as lições do Mestre têm vida própria e revelam expressões desconhecidas da sua inteligência, à medida que se esforça na edificação de si mesmo, como instrumento do Pai. Quando crescemos para o Senhor, seus ensinos crescem igualmente aos nossos olhos” [13].
São textos correlatos?
Uma análise possível: o profeta Jeremias alerta sobre “coisas grandes e firmes” que não sabemos; o Cristo nos fala do tempo em que o Consolador nos “ensinará todas as coisas”; Kardec esclarece que “todas as coisas hão de ser restabelecidas”; e Narcisa, em sua fraterna orientação a André Luiz, lhe diz que as lições do Mestre podem revelar ao espírito do homem “expressões desconhecidas da sua inteligência”.
É assim que a Ciência irá contribuir para a ampliação do entendimento da Boa Nova e a esta, bem entendida, bem compreendida e bem vivida, irá impulsionar a Ciência e elevá-la a patamares, ainda hoje, inimagináveis.
(Uma última consideração: René Descartes foi um dos maiores estudiosos dos textos bíblicos, do Antigo e do Novo Testamento!)
“Cogito ergo sum” [14].





[1] O Fóton – Volume 9 – Janeiro/2018
[2] SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. ISBN 8571395861 (visualização no Google livros). Acesso em: 24 dez. 2017.
[3] RENÉ DESCARTES (La HayeenTouraine, 31 de março de 1596 — Estocolmo, 11 de fevereiro de 1650).
[4] ISAAC NEWTON (Woolsthorpe-by-Colsterworth, 4 de janeiro de 1643 — Kensington, 31 de março de 1727).
[5] KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
[6] 2Coríntios 3:6 – “A letra mata, mas o Espírito vivifica”.
[7] HONÓRIO ONOFRE DE ABREU (Belo Horizonte, 12 de junho de 1930 — Belo Horizonte, 13 de novembro de 2007). Foi presidente da União Espírita Mineira.
[8] ABREU, Honório Onofre. Luz Imperecível. Estudo Interpretativo do Evangelho à Luz da Doutrina Espírita. Belo Horizonte, União Espírita Mineira, 6ª ed. 2009.
[10] Jeremias 33:3.
[11] João 14:26.
[12] KARDEC, Allan. A Gênese. Rio de Janeiro: FEB, 2007.
[13] XAVIER, Francisco Cândido. Os Mensageiros. Pelo Espírito André Luiz. 45. ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2007.
[14] Penso, logo existo

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