J. Herculano Pires
As discussões sobre a pena de
morte revelam a falta de compreensão cristã dos problemas humanos em nosso
tempo. E essa falta é tanto mais alarmante quando vemos representantes de igrejas
cristãs e de correntes espiritualistas defenderem e postularem, de público, a
instituição da pena capital em nosso país.
Por mais que se alegue a defesa
da sociedade, da ordem, da segurança das famílias, a verdade é que o
Cristianismo, quer pelo ensino, ou pelo exemplo do Cristo, não autoriza a
adoção dessa medida brutal e violenta. E, caso a autorizasse, estaria em
contradição consigo mesmo.
O Espiritismo, na sua feição de
restabelecimento da pureza inicial dos princípios cristãos, não admite a pena
de morte. Por essa atitude clara, definida, além de se manter coerente com a essência
dos ensinos de Jesus, mantém-se, também, fiel a si mesmo no plano filosófico.
Porque a verdade é a seguinte: quer se encare o Espiritismo no seu aspecto
religioso, ou no seu aspecto filosófico ou, ainda, no científico, a doutrina se
apresenta coerente, una, homogênea, baseada sempre nos sólidos alicerces dos princípios
cristãos.
Admitir a pena de morte é negar
a capacidade de recuperação e regeneração da criatura humana. Negar essa
capacidade é admitir a falência da ação de Deus no mundo, é admitir a
contradição e o absurdo no processo da vida. Para o espírita seria, ainda,
negar a eficiência da lei de evolução. Entretanto, a história do mundo nos mostra
que os erros humanos são corrigíveis e que os maiores criminosos são
suscetíveis de regeneração. Aqui mesmo, em nosso país, não temos o exemplo de
grandes cangaceiros que se transformaram em homens de bem?
Alguns espíritas, levados pelo
horror de certos crimes, e sobretudo influenciados pela falsa argumentação dos
defensores da pena de morte, chegam às vezes a admiti-lo. Se pensassem, porém, nos
princípios fundamentais da doutrina, jamais a admitiriam.
Se aceitamos que os espíritos
foram criados por Deus para a perfeição, e que esta se realiza através das
vicissitudes e experiências da alma, como podemos aceitar a ideia de
interromper a vida de uma criatura, em nome dos interesses da sociedade? E o
que é a sociedade, senão o meio formado por essas próprias experiências, o meio
em que essas experiências se desenvolvem, propiciando a uns o esclarecimento e
mantendo outros nas trevas da ignorância e da crueldade?
Um grande pastor protestante,
Stanley Jones, ensina que devemos ver em cada criatura humana um ser pelo qual
o Cristo deu a vida. Essa é uma lição realmente cristã. Se meditarmos nela, veremos
o absurdo dos que pretendem tirar a vida a um criminoso, pelo qual o Cristo
morreu.
Mas, na pena de morte não há somente o absurdo
da violência social contra o criminoso, filho e produto da própria sociedade.
Há também o absurdo da oficialização do homicídio, que passa a ser uma
instituição, produzindo no país uma nova e horripilante classe social: a dos
funcionários do crime. Esses funcionários, como acentuou Victor Hugo, seriam os
assassinos oficiais, punindo friamente, com a morte burocrática, os infelizes
que, no desespero de suas paixões ou no desequilíbrio profundo de sua crueldade
mórbida, praticarem crimes.
Kardec incluiu, em O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XI,
uma comunicação mediúnica de Elizabeth de França, que termina com estas belas
palavras, ao tratar do criminoso:
O arrependimento pode
comover seu coração, se pedirdes com fé. É vosso próximo, como o melhor entre
os homens. Sua alma, transviada e rebelde, foi criada, como a vossa, para se
aperfeiçoar.
Ajudai-o, pois, a sair do
lodaçal, e rogai por ele.
Como vemos, a lei do amor
transparece em cada uma destas palavras, acordando-nos para o verdadeiro
sentido das responsabilidades sociais em face dos criminosos.
[1] O Mistério do
Bem e do Mal – J. Herculano Pires
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