“Por si mesmo e por sua própria
inteligência, o homem vão é tão desprezível quanto digno de comiseração. Afasta
a verdade de sua frente, para substituí-la por argumentos e convicções
pessoais, que julga infalíveis e irrevogáveis, porque lhe pertencem. O homem
vão é sempre egoísta, e o egoísmo é o flagelo da Humanidade. Entretanto, ao
desprezar o resto do mundo, mostra bem a sua pequenez; repelindo verdades, que
para ele são novidades, também mostra a limitação da própria inteligência,
pervertida por sua obstinação, que mais aumenta sua vaidade e seu egoísmo.
Infeliz do homem que se deixa
dominar por esses dois inimigos de si mesmo! Quando despertar nesse estado em
que a verdade e a luz fundir-se-ão de todos os lados sobre ele, só verá em si
um ser miserável, que se exaltou loucamente acima da Humanidade, durante a sua
vida terrena, e que estará muito abaixo de certos seres mais modestos e mais
simples, aos quais pensava impor-se aqui na Terra.
Sede humildes de coração, vós a
quem Deus permitiu participásseis de seus dons espirituais. Não atribuais
nenhum mérito a vós mesmos, assim como não se o atribui à obra e aos utensílios,
mas ao operário. Lembrai-vos bem de que não passais de instrumentos de que Deus
se serve para manifestar ao mundo o seu Espírito onipotente, e que não tendes
nenhum motivo para vos glorificardes de vós mesmos. Há tantos médiuns, ah! Que
se tornam vãos, em vez de humildes, à medida que seus dons se desenvolvem!
Isto é um atraso no progresso,
pois no lugar de ser humilde e passivo, muitas vezes o médium repele, por
vaidade e orgulho, comunicações importantes dadas a lume por outros mais merecedores.
Deus não considera a posição material de uma pessoa para lhe conferir o
espírito de santidade; bem longe disso, já que muitas vezes exalta os humildes
entre os humildes, para dotá-los com as maiores faculdades, a fim de que o
mundo veja bem que não é o homem, mas o Espírito de Deus pelo homem que faz milagres.
Como disse, o médium é simples instrumento do grande Criador de todas as
coisas, e a este último é que deve render glória, é a Ele que deve agradecer
por sua inesgotável bondade.
Gostaria, também, de dizer uma
palavra sobre a inveja e o ciúme que muitas vezes reinam entre os médiuns e
que, como erva daninha, é preciso extirpar, desde que começa a aparecer, temendo
que abafe os bons germes da vizinhança.
No médium a inveja é tão temível
quanto o orgulho; prova a mesma necessidade de humildade. Direi mesmo que
denota falta de senso comum. Não é mostrando inveja dos dons do vosso vizinho
que recebereis dons semelhantes, porquanto, se Deus dá muito a uns e pouco a
outros, ficai certos de que, assim agindo, tem um motivo bem fundado. A inveja
exaspera o coração; abafa mesmo os melhores sentimentos. É, pois, um inimigo
que só se poderia evitar com muito cuidado, pois não dá nenhuma trégua, uma vez
que se apoderou de nós. Isto se aplica a todos os casos da vida terrena. Mas eu
queria falar principalmente da inveja entre os médiuns, tão ridícula quanto
desprezível e infundada, e que prova quão fraco é o homem quando se deixa
escravizar pelas paixões”.
Luos
Observação –
Quando da leitura desta última comunicação perante a Sociedade, estabeleceu-se
uma discussão sobre a inveja dos médiuns, comparada com a dos sonâmbulos. Um dos
membros, o Sr. D..., disse que a inveja, em sua opinião, é a mesma em ambos os
casos e, se aparece com mais frequência entre os sonâmbulos é porque, nesse
estado, eles não a sabem dissimular.
O Sr. Allan Kardec refuta essa
opinião:
“A inveja – diz ele – parece
inerente ao estado sonambúlico, por uma causa difícil de ser compreendida e que
os próprios sonâmbulos não podem explicar. Tal sentimento existe entre os
sonâmbulos que, em vigília, só agem entre si com benevolência. Nos médiuns está
longe de ser habitual, prendendo-se, evidentemente, à natureza moral do indivíduo.
Um médium tem inveja de outro
médium porque está em sua natureza ser invejoso. Esta falha, consequência do
orgulho e do egoísmo, é essencialmente prejudicial à boa qualidade das comunicações,
ao passo que o sonâmbulo mais invejoso pode ser muito lúcido, o que se concebe
facilmente. O sonâmbulo vê por si mesmo; é o seu próprio Espírito que se
desprende e age: não necessita de ninguém. O médium, ao contrário, não passa de
intermediário: recebe tudo de Espíritos estranhos e sua personalidade está
muito menos em jogo que a do sonâmbulo.
Os Espíritos simpatizam com ele
em razão de suas qualidades ou de seus defeitos. Ora, os defeitos mais
antipáticos aos Espíritos bons são o orgulho, o egoísmo e a inveja. A
experiência nos ensina que a faculdade mediúnica, enquanto faculdade, é
independente das qualidades morais; pode, assim como a faculdade sonambúlica, existir
no mais alto grau no homem mais perverso. O mesmo não se dá absolutamente em
relação às simpatias dos Espíritos bons, que naturalmente se comunicam tanto
mais à vontade, quanto mais puro e sincero for o intermediário encarregado de
transmitir o seu pensamento, e quanto mais se afaste o médium da natureza dos Espíritos
maus. A este respeito fazem o que nós mesmos fazemos quando tomamos alguém para
confidente. Especialmente no que concerne à inveja, como esta imperfeição
existe em quase todos os sonâmbulos, sendo muito mais rara nos médiuns, parece
que nos primeiros é uma regra e nos últimos a exceção, donde se segue que a causa
não deveria ser a mesma nos dois casos”.
Allan Kardec
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