Irmão X
O mensageiro do Céu volveu do
Alto a sombrio vale do mundo, em apoio de centenas de criaturas mergulhadas na
enfermidade e no crime, na miséria e na ignorância, e, necessitando de concurso
alheio para estender socorro urgente, começou por recorrer à publicação de
apelos do próprio Evangelho, induzindo corações, em nome do Cristo, à compaixão
e à caridade.
Entretanto, porque tardasse
qualquer resultado concreto, de vez que todos os habitantes do vale se comoviam
com as legendas, mas não se encorajavam à menor manifestação de amparo ao
próximo, o Enviado Celestial, convicto de que fora recomendado pelo Senhor a
servir e não a questionar, julgou mais acertado assumir a forma de um homem e solicitar
sem delegar o apoio de alguém que lhe pudesse prestar auxílio.
Materializado a preceito,
procurou pela colaboração dos homens considerados mais responsáveis.
Humilde e resoluto, repetia
sempre o mesmo convite à prática evangélica, registrando respostas que o
surpreendiam pela diferença.
O VIRTUOSO –
Não posso manchar meu nome em contato à prática evangélica, registrando
respostas que o surpreendiam pela diferença.
O SÁBIO – Cada
qual está na colheita daquilo que semeou. Falta-me tempo para ajudar vagabundos,
voluntariamente distanciados da própria restauração.
O PRUDENTE –
Não posso arriscar minha posição dificilmente conquistada, na intimidade de
pessoas que me prejudicariam a estima pública.
O FILANTROPO –
Dou o dinheiro que seja necessário, mas de modo algum me animaria a lavar
feridas de quem quer que seja.
O PREGADOR –
Que diriam de mim se me vissem na companhia de criminosos?
O FILÓSOFO –
Nunca desceria a semelhante infantilidade... Aspiro a alcançar as mais altas
revelações do Universo. Devo estudar infinitamente... Além disso, estou cansado
de saber que, se não houvesse sofrimento, ninguém se livraria do mal...
O PESQUISADOR DA
VERDADE – Não sou a pessoa indicada. Caridade é capa de muitas dobras, que
tanto acolhe o altruísmo quanto a fraude. Não me incomode... Procuro tão somente
as realizações essenciais.
Desencanto, o Mensageiro bateu à
porta de conhecido malfeitor, aliás, a pessoa menos categorizada para a tarefa,
e reformulou a solicitação.
O convidado, embora os
desajustes íntimos, considerou, de imediato, a honra que o Senhor lhe fazia,
propiciando-lhe o ensejo de operar no levantamento do bem geral, e meditou,
agradecido, na Infinita Bondade que o arrancava da condenação para o favor do serviço.
Não vacilou. Seguiu aquele desconhecido de maneiras fraternais que lhe pedia cooperação
e entregou-se decididamente ao trabalho. Em pouco tempo, conheceu a fundo o
martírio das mãos desamparadas, entre a doença e a penúria, carregando órfãos de
pais vivos; o pranto das viúvas relegadas à solidão; as aflições dos enfermos
que esperavam a morte nas áreas de ninguém; a tragédia das crianças
abandonadas; o suplício dos caluniados sem defesa; os problemas terríveis dos
obsidiados sem assistência; a mágoa das vítimas dos preconceitos levados ao
exagero pelo orgulho social; a angústia dos sofredores caídos em desespero pela
ausência de fé...
Modificado nos mais profundos
sentimentos, o ex-malfeitor consagrou-se ao alívio e à felicidade dos outros,
e, percebendo necessidades e provações que não conhecia, procurou instruir-se e
aperfeiçoar-se. Com quarenta anos de abnegação, adquiriu as qualidades básicas
dos Virtuosos, os recursos primordiais do Sábio, o equilíbrio do Prudente, as
facilidades econômicas do Filantropo, a competência do Pregador, a acuidade
mental do Filósofo e os altos pensamentos do Pesquisador da Verdade...
Quando largou o corpo físico,
pela desencarnação – Espírito lucificado no cadinho da própria regeneração, ao
calor do devotamento ao próximo ‒, entrou vitoriosamente no Céu, para a
ascensão a outros Céus...
***
Um dia, chegaram ao limiar da
Esfera Superior o Virtuoso, o Sábio, o Prudente, o Filantropo, o Pregador, o
Filósofo e o Pesquisador da Verdade... Examinados na Justiça Divina, foram
considerados dignos perante as Leis do Senhor; entretanto, para o mérito de
seguirem adiante, luzes acima, faltava-lhes trabalhar na seara do amor aos semelhantes...
Enquanto na Terra, não haviam desentranhado os tesouros que Deus lhes havia
conferido em benefício dos outros, cabia-lhes, assim, o dever de regressar às
lides da reencarnação, mas, porque haviam abraçado conduta respeitável no mundo,
o Virtuoso receberia, na existência vindoura, mais veneração, o Sábio mais
apreço, o Prudente mais serenidade, o Filantropo mais dinheiro, o Pregador mais
inspiração, o Filósofo mais discernimento e o Pesquisador da Verdade mais
luz...
Observando, porém, que o
malfeitor, sobejamente conhecido deles todos, vestia alva túnica resplendente,
funcionando entre os agentes da Divina Justiça, começaram a discutir entre si,
incapazes de reconhecer que na obra do amor qualquer filho de Deus encontra os
instrumentos e caminhos da própria renovação. Desalentados, passaram a reclamar...
Em nome dos companheiros, o Virtuoso aproximou-se do orientador maior que lhes
revisava os interesses no Plano Espiritual e indagou:
‒ Venerável Juiz, por que motivo um malfeitor atravessou, antes de nós,
as fronteiras do Céu?!...
O magistrado, porém,
abençoou-lhe a inquietação com um sorriso e informou, simplesmente:
‒ Serviu.
[1] Estante da
Vida – Francisco C. Xavier / Irmão X
(espírito)
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