Lázaro ao lado de Abraão
Irmão X
Na pequena assembleia
espiritual, estudávamos a Parábola do Rico.
Alguns intelectuais, brilhantes
no mundo, inclinavam-se comovidos ante a necessidade de penetrarem a luz dos
capítulos simples do Evangelista.
Na cátedra das lições
costumeiras, a figura de Pedro Richard nos acompanhava com atenção generosa e
sincera.
O quadro não era muito diferente
das circunstâncias em que se poderia realizar sobre a Terra.
A esfera espiritual próxima do
planeta é uma figura de transição, em que o gosto terrestre tem quase absoluta
predominância.
O amplo recinto oferecia o
aspecto de um parlamento singelo e acolhedor e, como ponto central, aquele
velhinho, amigo de Ismael e de Jesus, com os cabelos nevados, parecendo feitos
com a luz prateada das mais dolorosas experiências, ensinava o sentido oculto
das preciosas lições do Cristo.
– Afinal – exclama um dos meus amigos –, existem realmente os grandes usurários e os ricos infelizes no
mundo. São os dilapidadores dos bens coletivos, porque a movimentação do
dinheiro poderia incentivar o trabalho, atenuando as dificuldades dos mais
infortunados.
– Entretanto – atalha um dos presentes –, temos as fortunas dos grandes beneméritos da Humanidade. Um
Rockefeller, um Carnegie, que estimulam as grandes iniciativas, em favor do bem
público, não serão ricos amados de Deus? E os Henry Ford, que transformam os pântanos
em parques industriais, onde milhares de criaturas ganham honestamente o pão da
vida, não merecem o respeito amoroso das multidões?
A apreciação sobre os ricos da
Terra prosseguia animada, quando alguém se lembrou de submeter a Richard o
assunto, em sua feição substancial.
O generoso velhinho, no entanto,
replicou judiciosamente:
– Antes de tudo, só Deus pode julgar em definitivo as suas criaturas;
mas, como considero o planeta terrestre uma abençoada escola de dor que conduz
à alegria e de trabalho que encaminha para a felicidade com Jesus, devo
assinalar que, na carne, não conheço senão Espíritos cheios de débitos pesados,
com as mais vastas obrigações, perante a obra de Deus, que é o país infinito
das almas. Quem será o Senhor das riquezas, senão o próprio Pai que criou o
Universo? Onde estão os bancos infalíveis, ou os milionários que possam dispor eternamente
dos bens financeiros que lhes são confiados? As expressões cambiais do mundo
são convenções que outras convenções modificam. Basta, às vezes, um sopro leve das
marés sociais para que todos os quadros da riqueza humana se transformem. Tenho
de mim para comigo que, no mundo, o dinheiro a gastar, como a dívida financeira
a resgatar são também oportunidades que o Senhor de Todas as Coisas nos
oferece, para que sejamos dignos dele. O crédito exige a virtude da ponderação
com a bondade esclarecida e o débito reclama a virtude da paciência com o amor
ao trabalho.
A essas palavras justas, que nos
conduziam a um campo de novas especulações sentimentais, um dos nossos irmãos
de esforço, antigo socialista extremado na Terra, entusiasmando-se, talvez em
excesso, com as elucidações do generoso mentor, exclamou efusivamente:
– Muito bem! Sempre encontrei no capital um fantasma para a felicidade
humana.
Pedro Richard endereçou-lhe o
olhar, cheio de mansuetude, e explicou com bondade:
– Quem te afirmou que o capital no mundo é um erro?
E depois de uma pausa, dando a
conhecer que desejava acentuar suas palavras, acrescentou:
– Podemos assinalar a dedo os raríssimos homens da Terra que conseguem
trabalhar sem o aguilhão. O capital será esse aguilhão, até que as criaturas
entendam o divino prazer de servir. Para os mais abastados, ele tem constituído
a preocupação bendita da responsabilidade, e para a generalidade dos homens, o
estímulo ao trabalho. O capital é um recurso de sofrimento purificador, não
somente para os que o possuem, mas para quantos se esforçam pelo obter. É o
meio através do qual o amor de Deus opera sobre toda a estruturação da vida
material no globo; sem sua influência, as expressões evolutivas do mundo
deixariam a desejar, mesmo porque os Espíritos encarnados estariam longe de compreender
os valores legítimos da vida, sem a verdadeira concepção da dignidade do trabalho.
O nosso amigo quedou-se em
meditação.
Aqueles esclarecimentos
generosos e simples profundamente nos surpreendiam.
O mentor benévolo e sábio
continuou as suas elucidações evangélicas. Explicações desconhecidas e inesperadas
surgiam de seus lábios, derramando-se em nossos espíritos, como jatos de luz.
Eram novas claridades sobre a figura incompreendida e luminosa do Cristo,
revelações de sentimentos que nos conduziam ao máximo de admiração.
Grande número de literatos
desencarnados no Brasil, filiados às mais diversas escalas, escutavam-lhe os
conceitos simples e profundos.
Foi então que, ao fim dos
estudos, e nas derradeiras observações, um velho conhecedor das letras
evangélicas adiantou-se para o velhinho bom, interrogando:
– Richard, as tuas explicações são judiciosas e derramam novas claridades
em nosso íntimo. Mas, sempre ponderei uma questão de essencial interesse, nessa
parábola do Evangelho.
‒ Por que motivo o santificador Espírito de Abraão, personificando a
Providência Divina junto de Lázaro redimido, não atendeu às súplicas do Rico
desventurado? Não era este também um filho de Deus? Observando os teus
esclarecimentos de agora, sinto esta interrogação cada vez mais forte em
minh'alma, porque, afinal, o homem rico do mundo pode ser, muitas vezes, uma
criatura indigente na aspereza das provas. Como esclarecer esse problema que nos
induz a supor certa insensibilidade nas almas gloriosas que já se redimiram das
vicissitudes da existência material?
O esclarecido comentador da
palavra de Jesus replicou com veemência e brandura:
– Insensibilidade nos
mensageiros do bem? Esse conceito nasce da nossa deficiência de verdadeira
compreensão. Abraão e Lázaro viram nos sofrimentos do Rico a misericórdia inesgotável
do Pai Celestial que, dos nossos erros mais profundos, sabe extrair a água amargosa
que nos há de curar o coração. Ambos compreenderam que seria contrariar os desígnios
divinos levar ao irmão torturado uma água mentirosa que lhe não mataria a sede espiritual.
Quanto ao mais, que pedia o Rico ao Espírito generoso de Abraão? Rogava-lhe que
Lázaro voltasse ao mundo para dar a seus pais, a sua mulher, a seus filhos e
irmãos as verdades de Deus, a fim de que se salvassem. Como não se lembrou de
pedir a difusão dessas mesmas verdades, entre todas as criaturas? Por que razão
somente pensou nos seus amados pelo sangue, quando todos os homens, nossos
irmãos, têm necessidade da paz de Deus, que é a água viva da redenção? A
solicitação do Rico é muita semelhante à maioria das súplicas que partem dos
caminhos escuros da Terra, filhas do egoísmo ambicioso ou do malfadado espírito
de preferência das criaturas, orações que nunca chegam a Deus, por se apagarem
no mesmo círculo de sombra e ignorância em que foram geradas pela insensatez
dos homens indiferentes!...
O nosso amigo religioso recebera
também a sua lição.
As elucidações evangélicas do
dia estavam terminadas.
No recanto silencioso, a que me
recolho com as heranças tristes da Terra, intensifiquei as minhas reflexões
sobre a grandeza desconhecida do Cristo e, contemplando as perspectivas angustiosas
dos quadros sociais da existência terrestre, comecei a meditar, com mais interesse,
na profunda Parábola do Rico.
[1] Pontos e
Contos – Francisco C. Xavier
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