James Gallagher - Repórter de saúde e ciência da BBC News – 02/08/2017
Cientistas conseguiram, pela
primeira vez, remover de embriões um pedaço defeituoso de DNA, responsável por
uma doença cardíaca genética fatal.
A iniciativa bem-sucedida tem o
potencial de, no futuro, prevenir estimados 10 mil problemas de saúde
hereditários, que passam de geração a geração.
Mas ao mesmo tempo em que traz
alento a milhões de famílias, a técnica desperta debates éticos por causa da
adulteração de DNA.
A equipe de cientistas dos EUA e
da Coreia do Sul permitiu que os embriões modificados se desenvolvessem por
cinco dias até interromper o experimento.
A "edição" de DNA vive
uma espécie de era de ouro na ciência, graças a uma nova tecnologia chamada Crisp - considerada a maior invenção
científica de 2015 pela revista Science. Ela tem aplicações variadas, que
incluem a possibilidade de remover falhas genéticas que causam doenças como
câncer de mama e fibrose cística.
No experimento bem-sucedido mais
recente, cientistas da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon (EUA), do
Instituto Salk e do Instituto de Ciências Básicas da Coreia do Sul focaram seus
esforços na cardiomiopatia hipertrófica, doença relativamente comum (afeta uma
a cada 500 pessoas) que faz com que o coração pare de bater repentinamente.
A cardiomiopatia hipertrófica é
causada por uma falha em um único gene, e portadores dele têm 50% de chances de
transmitirem-no a seus descendentes.
Concepção
Segundo estudo publicado no
periódico Nature, a edição para corrigir esse gene defeituoso foi feita durante
o processo de concepção.
O esperma de um homem portador
da cardiomiopatia hipertrófica foi injetado dentro de óvulos saudáveis e
processado com a tecnologia Crisp
para corrigir o defeito genético.
A taxa de sucesso não foi
absoluta, mas 72% dos embriões gerados ficaram livres das mutações causadoras
da doença cardíaca.
“Todas as gerações (descendentes
do homem em questão) carregariam essa correção (genética), porque removemos a
variação de gene defeituoso da linhagem familiar”, diz o pesquisador Shoukhrat
Mitalipov, um dos líderes do experimento.
"Com essa técnica, é
possível reduzir o fardo dessa doença hereditária na família e, em último caso,
da população humana".
Avanços
Houve, antes do experimento
bem-sucedido, diversas tentativas de usar o Crisp para corrigir defeitos causadores de doenças sanguíneas. Mas
não foi possível consertar célula por célula, o que resultou em um
"mosaico" mesclando saudáveis e doentes.
Na pesquisa mais recente, porém,
esses obstáculos foram superados.
O que não quer dizer que a
técnica se tornará rotineira na ciência - a grande questão atual é como
aplicá-la de forma segura, o que dependerá de mais e mais estudos.
Outra questão diz respeito a
quando vale a pena aplicar essa técnica, considerando que já é possível
examinar embriões por meio do chamado Diagnóstico Genético Pré-Implantacional,
que identifica males genéticos antes que eles sejam implantados no útero em
fertilização in vitro.
No entanto, há cerca de 10 mil
distúrbios genéticos que são causados por uma única mutação e que podem, em
teoria, ser consertados pela aplicação da nova tecnologia.
"Um método de prevenir a
transmissão de genes afetados (por essas doenças) seria muito importante para
famílias (portadoras)", opina à BBC o professor Robin Lovell-Badge, do Instituto
Britânico Francis Crick. "Em termos de quando (a tecnologia estará
disponível), a resposta é certamente não ainda. Falta um bom tempo até que
saibamos se ela é segura".
Debate ético
A britânica Nicole Mowbray é
portadora da cardiomiopatia hipertrófica e tem um desfibrilador implantado em
seu peito, para o caso de seu coração parar de funcionar.
Mas ela não sabe ao certo se se
submeteria a uma edição genética. "Não gostaria de passar adiante aos meus
filhos algo que os fizesse ter uma vida difícil ou limitada. Isso me preocupa
quando penso em ter filhos", diz. "Mas tampouco quero criar a criança
'perfeita'. Sinto que meu problema faz de mim quem eu sou".
Para Darren Griffin, professor
de genética da Universidade de Kent, no Reino Unido, "talvez a maior
questão - e provavelmente a que será mais debatida - é se deveríamos estar
alterando fisicamente os genes de um embrião de fertilização in vitro. Não é
uma questão simples. Ao mesmo tempo, deve entrar em cena o debate o quanto é
aceitável ou não agir quando temos a tecnologia para prevenir doenças
fatais".
O estudo americano-coreano foi
criticado por David King, do grupo ativista Human Genetics Alert, que descreveu
a edição genética como "irresponsável" e "uma corrida em busca
do primeiro bebê geneticamente modificado".
A médica Yalda Jamshidi,
especialista em medicina genômica na universidade londrina St George's, explica
que "o estudo é o primeiro a mostrar, com edição genética, uma correção
bem-sucedida e eficiente de uma mutação causadora de doenças no estágio inicial
de embrião".
"Embora estejamos apenas
começando a entender a complexidade das doenças genéticas, a edição de genes
provavelmente se tornará algo aceitável quando seus potenciais benefícios,
tanto para indivíduos quanto para a sociedade, superarem os seus riscos",
acrescenta ela.
Segundo especialistas, a
tecnologia Crisp não consegue, no
momento, chegar ao extremo de "projetar bebês geneticamente
perfeitos".
O Crisp foi criado para inserir no código genético um novo pedaço de
DNA modificado - mas, para a surpresa dos cientistas, não é assim que ele
funcionou. Segundo eles, o Crisp
danificou o gene modificado no esperma do pai e copiou o gene saudável do óvulo
da mãe.
Isso significa que, por ora, a
tecnologia só funciona quando existe uma versão saudável do gene - seja do pai
ou da mãe.
Por isso, "a possibilidade
de produzir bebês projetados, que é injustificável de qualquer modo, está ainda
mais distante", afirma Lovell-Badge.
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