terça-feira, 12 de setembro de 2017

A Alma Errante[1]



No volume intitulado Les Six Nouvelles, escrito por Maxime Ducamp, encontra-se uma história comovente, que recomendamos aos nossos leitores. É a de uma alma errante que conta suas próprias aventuras.
Não temos a honra de conhecer o Sr. Maxime Ducamp, a quem jamais vimos. Consequentemente, não sabemos se colheu seus ensinamentos em sua própria imaginação ou em estudos espíritas. Mas, seja como for, ele não podia ser inspirado com maior felicidade. Podemos julgá-lo pelo seguinte fragmento. Não falaremos do quadro fantástico no qual a novela é encaixada; é um acessório sem importância e puramente formal.

Sou uma alma errante, uma alma penada; vago através dos espaços, esperando um corpo. Viajo nas asas do vento, no azul do céu, no canto dos pássaros, nas pálidas claridades da lua. Sou uma alma errante...
Desde o instante em que Deus nos separou dEle, temos vivido na Terra muitas vezes, ascendendo de geração em geração, abandonando sem pesar os corpos que nos são confiados e continuando a obra de nosso próprio aperfeiçoamento, através das existências que sofremos.
Quando deixamos este hospedeiro incômodo que nos serve tão mal; quando ele vai fecundar e renovar a terra donde saiu; quando, em liberdade, abrimos finalmente nossas asas, Deus nos dá a conhecer o nosso objetivo. Vemos nossas existências precedentes e avaliamos o progresso realizado durante séculos; compreendemos as punições e recompensas que nos atingiram, pelas alegrias e pelas dores de nossa vida; vemos nossa inteligência crescer de nascimento em nascimento, e aspiramos ao estado supremo, pelo qual deixaremos esta pátria inferior para ganhar os planetas radiosos, onde as paixões são mais elevadas, o amor menos ambicioso, a felicidade mais constante, os órgãos mais desenvolvidos, os sentidos mais numerosos, cuja morada é reservada aos habitantes de mundos que, por suas virtudes, se aproximaram da beatitude mais do que nós.
Quando Deus nos envia novamente a corpos que para nós devem viver uma vida miserável, perdemos toda consciência daquilo que precedeu esses novos nascimentos. O eu, que havia despertado, dorme uma vez mais; não persiste mais e, de nossas existências passadas não restam senão vagas reminiscências, que nos causam simpatias, antipatias e, por vezes, ideias inatas.
Não falarei de todas as criaturas que viveram no meu sopro; mas minha última existência sofreu uma desgraça tão grande que é apenas desta que quero contar a história.

Seria difícil definir melhor o princípio e a finalidade da reencarnação, a progressão dos seres, a pluralidade dos mundos e o futuro que nos aguarda. Eis agora, em duas palavras, a história daquela alma:

Um rapaz amava a uma jovem e era correspondido, mas havia obstáculos contrapondo-se à sua união. Pediu então a Deus que durante o sono permitisse à sua alma desprender-se do corpo, a fim de visitar a sua bem-amada. Este favor lhe foi concedido. Assim, todas as noites sua alma se evola e deixa o corpo em estado de completa inércia, donde não sai senão quando a alma retorna e se integra ao corpo. Durante esse tempo, vai visitar aquela que ama. Ele a vê, sem que ela o suspeite; quer falar-lhe, mas ela não o escuta; observa os seus menores movimentos, surpreende seu pensamento. É feliz com as alegrias dela, triste com as suas dores. Nada mais gracioso e mais delicado que o quadro dessa cena entre a moça e a alma invisível. Mas, oh! fraqueza do ser encarnado!
Um dia, ou melhor, uma noite, ele se esquece; três dias se passam sem que pense em seu corpo, que não pode viver sem a alma. De repente, pensa em sua mãe, que o espera, e que deve estar inquieta devido a um sono tão prolongado. Então corre; mas é tarde demais: seu corpo deixara de viver. Assiste aos funerais, depois consola sua mãe. Desesperada, sua noiva não quer ouvir falar de nenhuma outra união. Vencida, entretanto, pelas solicitações da própria mãe, acaba cedendo, depois de longa resistência. A alma errante lhe perdoa uma infidelidade que não está em seu pensamento; mas, para receber suas carícias e não mais a deixar, pede para encarnar-se no filho que deve nascer.

Se o autor não está convencido das ideias espíritas, é preciso convir que representa muito bem o seu papel.





[1] Revista Espírita – Novembro/1859 – Allan Kardec

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