sábado, 29 de abril de 2017

OS ESTRANHOS CREDORES[1]



Irmão X

Poucas vezes, tive ao meu lado entidade tão bela.
Tratava-se da nobre Diana que, desde muito, segundo me informaram, se consagrara ao ministério de iluminação das almas cegas e infelizes.
Demorava-se longas semanas no abismo.
Acendia luz evangélica entre gemidos e sombras.
Ao contrário de muita gente envolvida, resistia, heroica, ao peso da atmosfera baixa e espessa.
Inúmeros criminosos impenitentes rendiam-se-lhe à palavra persuasiva e maternal.
Jamais falava como quem reprova condenando, mas como quem esclarece amando, em nome de Deus.
Certo dia, visitou-nos o grupo em elevada tarefa.
Ouvi-a dissertar sobre grandes teses humanas, deslumbrando-me com a sabedoria que lhe vibrava em cada definição.
O que mais impressionava, contudo, em sua venerável figura feminina, era a luz que a rodeava inteiramente. Parecia viver num ambiente maravilhoso, exclusivamente seu, tão sublime era o halo radioso que a circundava, isolando-a das influências exteriores.
Asseverou-me um amigo que a abnegada mensageira possuía direito indiscutível para desfrutar semelhante situação, não só por trabalhar em círculos de criaturas positivamente inferiores a ela, como também porque vencera, em si mesma, as deficiências mais rudes da condição animal.
Alma divina, Diana reunia beleza e a bondade, a ciência e a expressão.
Quando terminou a palestra encantadora que a trouxera ao nosso núcleo de serviço, aproximei-me, curioso e enlevado. Outros companheiros imitaram-me o gesto. A singular posição luminosa daquela mulher arrebatava-nos o espírito. A emissária, no entanto, muito simples, parecia desconhecer a própria elevação. Sorria fraternalmente e comentava os problemas terrestres, como se estivesse ainda envolta na roupagem carnal. Soberano entendimento de todas as coisas lhe transparecia das mínimas expressões.
Emocionado, em lhe observando a renúncia a favor das almas embrutecidas, indaguei do porquê de seu sacrifício, retendo-lhe as respostas surpreendentes.
Sim, meu amigo — respondeu sem afetação —, num impulso espontâneo de minha própria consciência, ofereci cinquenta anos de trabalho aos nossos irmãos das zonas mais baixas da vida e não me envergonho de explicar-lhe a razão de meu gesto.
E sorridente, ante o interesse geral, prosseguiu delicada:
Não sei se conhecem as extremas dificuldades do Espírito para alijar as vestes animalizadas do sentimento.
Sorrimos, de modo significativo, dando-lhe a entender a nossa inferioridade.
Pois bem — continuou a embaixatriz da caridade e da sabedoria —, confesso que pertenci à classe das piores mulheres que já existiram nos círculos do Planeta. O ciúme, o egoísmo e a vaidade eram o meu trio de verdugos cruéis. Voltei à carne, numerosas vezes.
Somente para atacar o ciúme fulminante, recebi a oportunidade de nove existências sucessivas, sem resultado eficiente. Para combater o egoísmo e a vaidade, regressei ao corpo físico muitas vezes, falhando nas mais insignificantes promessas. Sempre a recapitulação do momento vicioso. Envenenava meu companheiro pelo ciúme, destruía o lar pelo egoísmo e perdia os filhos, através da vaidade. Amigos desvelados seguiam-me, carinhosos, de esferas mais altas, estendendo-me braços fraternais; entretanto, fracassei, de modo invariável. Valia-me da bênção do esquecimento na reencarnação, para perpetrar novos erros e espezinhar as sagradas leis. O tempo, contudo, ia passando, implacável, e os meus antigos benfeitores espirituais se foram distanciando, elevados a regiões menos densas. Despediam-se, afetuosos, estimulando-me ao desempenho dos deveres cristãos, permanecendo, assim, relegada a mim mesma, entre problemas inquietantes e complicados.
Por fim, o esposo amigo, sócio abençoado de experiências e empresas inúmeras, foi convocado à esfera superior, em virtude dos méritos adquiridos, e, dos Espíritos amados que me foram pais e filhos, em várias estações evolutivas, não existia nenhum ao lado de minha pequenez.
Quando me vi irremediavelmente sozinha, experimentei intraduzível pavor e amargoso desânimo. Abandonei-me, então, a propósitos menos dignos, demorando-me nos recantos abismais qual trapo inútil, embora consciente, vencida pelo trio nefasto. Muitos anos partilhei o desencanto da soledade quase absoluta.
Dia houve, no entanto, em que fui visitada por nobre missionária do bem, que me contou, carinhosamente, o romance que lhe dizia respeito.
Estivera em minha posição degradante, mas superara os obstáculos, utilizando o concurso de entidades infelizes. Depois de aventuras extravagantes, no curso das quais fora invariavelmente derrotada, voltou à Terra, na qualidade de mãe de filhos monstruosos, e tão rijos lhe foram os testemunhos de abnegação que chegou ao admirável triunfo sobre a tríade tenebrosa, dominando o ciúme, o egoísmo e a vaidade no decurso de setenta anos de sacrifício incessante.
Aconselhou-me, assim, a visitar as furnas do sofrimento purgatorial e a rogar a colaboração dos dirigentes daqueles que estacionam nas províncias da angústia, candidatando-me à maternidade dolorosa na Terra.
Aceitei o alvitre, jubilosa.
Que representavam setenta anos de esforço e paciência para conseguir uma realização que me escapara durante milênios?
A presença amiga conduziu-me às retaguardas das trevas e, horrorizada, percebi a existência de infortunados irmãos nossos, em estágios longos de loucura, cegueira e deformação. Agitavam-se em torvelinho de padecimentos indescritíveis. Acovardei-me ante o quadro triste, mas a piedosa mensageira que me custodiava reanimou-me e, afinal, solicitei a concessão.
Quando meu fervor se exteriorizou em lágrimas de esperança, fez-se visível um dos vigilantes da atormentada região, acolhendo-me a súplica. Aceitar-me-ia o compromisso e designou-me quatro crianças monstruosas que me caberia adotar.
Reunir-se-iam à minh’alma, dentro de algum tempo, nos círculos carnais.
Foi assim que, entre o pavor e ansiedade, regressei ao renascimento terrestre.
Vi-me, desde cedo, em condições dolorosas e precárias.
Nos rudimentos da infância, observei que meu corpo estava em formal desacordo com meus sentimentos íntimos.
A princípio, vigorosa rebeldia dominou-me o coração, mas fui lavando as manchas da revolta com lágrimas benfazejas e, porque a orfandade me colhera nos primeiros anos, fui compelida a desposar um homem terrivelmente disforme, que me impôs quatro filhos desventurados. Logo após o nascimento do último deles, meu infeliz esposo, companheiro de quedas noutra época, veio a desencarnar, legando-me pobreza e viuvez irremediáveis.
Tentei a conquista do trabalho digno; entretanto, o infortúnio dos filhos não mo permitiu. Um era cego, outro leproso e dois aleijados.
Muita vez, a vaidade me inclinou à prostituição, mas o instinto de mãe não me separava dos filhinhos e toda gente me evitava a presença com manifesta repugnância. O egoísmo procurou vendar-me os olhos, sugerindo os enjeitasse; contudo, a maternidade sofredora me ajudava a vencer no combate do coração. O ciúme alvitrava o desespero e o crime, mormente quando surgiam as mães tranquilas e afortunadas, ao meu olhar; todavia, o beijo de minhas pobres crianças atormentadas convidava-me à gratidão pela caridade pública, a humildade e ao entendimento. Nunca tive pouso certo, como nunca dispus de parentes que me solucionassem as necessidades. Vagueei mendigando nos caminhos, errando sem direção, invariavelmente acompanhada pelos quatro meninos desditosos, que se transformaram em sentenciados adultos, cheios de necessidades.
Ambos os aleijados partiram mais cedo para o sepulcro, o leproso desencarnou algum tempo depois e o cego andou comigo, por mais de quarenta anos. Suportei sede, fome, privações e conheci de perto a enfermidade e a aflição, com os filhos amargurados, agonizantes ou insepultos...
Ao completar, porém, os setenta anos, achava-me liberta do trio maldito. A morte surpreendeu-me totalmente renovada e, com as bênçãos divinas, pude entoar o meu cântico de vitória.
Silenciou a nobre Diana, sob a nossa viva emoção.
A sublime narrativa revelava nova interpretação da luta terrestre.
Ante a quietude que nos assaltara, concluiu a mensageira do bem, com vibrante expressão:
Segundo verificam, sou devedora insolvável para com os nossos irmãos do purgatório escuro. Em companhia deles, na reencarnação terrestre, aprendi lições que muitos séculos de aprendizado pacífico não me puderam ensinar, à vista de minha rebeldia e viciação; e tão grande é a minha alegria e tão bela a minha noção de vitória individual que, se rastejasse nas trevas, por alguns milênios, a fim de servi-los, não lhes pagaria, em hipótese alguma, quanto lhes fiquei a dever para a eternidade.




[1] Pontos e Contos – Francisco C. Xavier

quinta-feira, 27 de abril de 2017

PARÁBOLA DAS BODAS[1]


 
De novo começou Jesus a falar em parábolas, dizendo-lhes: o Reino dos Céus é semelhante a um rei, que celebrou as bodas de seu filho. E enviou os seus servos a chamar os convidados para a festa, e estes não quiseram vir. Enviou ainda outros servos com este recado: Dizei aos convidados: “Tenho já preparado o meu banquete; as minhas reses e os meus cevados estão mortos, e tudo está pronto; vinde às bodas”. Mas eles não fizeram caso e foram, um para o seu campo, outro para o seu negócio; e os outros agarrando os servos os ultrajaram e mataram. Mas irou-se o rei, e mandou as suas tropas exterminar aqueles assassinos e incendiar a sua cidade. Então disse aos servos: “As bodas estão preparadas, mas os convidados não eram dignos; ide, pois, às encruzilhadas dos caminhos, e chamai para as bodas a quantos encontrardes”. Indo aqueles servos pelos caminhos, reuniram todos os que encontraram, maus e bons; e a sala nupcial ficou cheia de convivas. Mas, entrando o rei para ver os convivas, notou ali um homem que não trajava veste nupcial e perguntou-lhe: “Amigo, como entraste aqui sem veste nupcial”? Ele, porém, emudeceu.
Então o rei disse aos servos: “Atai-o de pés e mãos e lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes. Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos”.

(Mateus, XXII : 1 – 14)


O Cristianismo como o Espiritismo, representa a celebração das bodas de um grande e rico  proprietário, cujo pai não poupa trabalho, sacrifício e dinheiro para dar à festa o maior realce e dela fazendo participar o maior número possível de convivas. E para que todos se fartem, se satisfaçam e se alegrem, o senhor das bodas apresenta-lhes lauta mesa com variadas iguarias, não faltando música e discursos que exaltam o sentimento e a inteligência.
As iguarias representam os ensinos espirituais; assim como aquelas satisfazem e fortalecem o corpo, estes mantêm e vivificam o Espírito.
A Parábola das Bodas é uma alegoria, uma comparação do que se verificava naquela época com o próprio Jesus Cristo.
Os primeiros convidados foram os doutos, os ricos, os sábios, os aristocratas, os sacerdotes, porque ninguém melhor do que estes estavam em condições de participar das bodas, fazer-se representar naquela festa soleníssima para a qual o Rei dos Céus sem medir nem pesar sacrifícios, havia mandado à Terra o seu Filho, de quem queria celebrar condignamente as bodas.
E quem poderia melhor apreciar Jesus Cristo e participar de suas bodas, admirando a grande sabedoria do Mestre, seja na cura dos enfermos, seja nos prodigiosos fenômenos de materialização e desmaterialização por Ele operados, como a multiplicação dos pães e dos peixes, a manifestação do Tabor, a dominação dos elementos e suas sucessivas aparições depois da morte?
Quem estava mais apto para compreender o Sermão do Monte, o Sermão Profético, o Sermão da Ceia, seus Ensinos, suas Parábolas, senão os doutores, os rabinos, os sacerdotes?
Seriam os pescadores, os carpinteiros, os roceiros, as mulheres incultas?
Infelizmente, porém, o que aconteceu ontem é o que acontece hoje: esta gente, toda ela se dá por excusada: uns porque têm de tratar do seu campo, outros do seu negócio; outros ainda há, como acontece com o sacerdócio romano e protestante, que agarram os servos encarregados do convite, ultrajam-nos, e, se os não matam, é porque temem o Código Penal, que vigora na época nova em que nos achamos.
Que fará o Senhor desta gente que não quer ouvir o seu chamamento, nem aquiescer aos seus reiterados convites?
Quem é o culpado, ou quem são os culpados de estarem, atualmente, festejando as bodas, os indivíduos sem competência nenhuma para a execução dessa tarefa?
Quais são os responsáveis por haverem tomado lugar na mesa do banquete até pessoas sem o traje nupcial, sem a veste apropriada para tal cerimônia?
Leiam a Parábola das Bodas os senhores padres, os senhores doutores, os senhores ministros, os senhores que andam transviando seus ouvintes e ledores com uma ciência sem base e uma religião toda material, sem provas, sem fatos, sem raciocínio! Digam: quem tem a culpa da decadência moral, da depressão da inteligência e do sentimento que se verifica em toda parte?!
Se a Parábola das Bodas não tivesse sido proferida para as eminências religiosas e científicas do tempo de Jesus, serviria perfeitamente para as de hoje, que repudiam e combatem o Espiritismo.
Entretanto, o fato é que os indoutos, os pequenos, os humildes de hoje, como os indoutos e humildes de ontem, estão levando de vencida toda essa plêiade de sábios e portentosos; e mesmo sem letras, sem representação e sem veste, auxiliados pelos poderes do Alto, estão concorrendo eficazmente para que as Bodas sejam bem festejadas e concorridas!


A VESTE NUPCIAL

Era costume antigo, aliás, como hoje ainda é, usar para cada ato, ou cada cerimônia, uma roupa de acordo com o ato ou a cerimônia a que se vai assistir.
O preconceito de todos os tempos tem determinado o vestuário a ser usado em certas e determinadas ocasiões. É assim que não se vai a um enterro com uma roupa clara, como não se vai a um casamento com um terno de brim.
Aproveitando essas exigências sociais, muito preconizadas pelos escribas e fariseus, e mormente pelos doutores da Lei sacerdotes, Jesus, ao propor a parábola das Bodas, deu a entender que, para o comparecimento a essas reuniões, fazia-se mister uma túnica nupcial; e aquele que não estivesse revestido dessa roupagem, seria posto fora e lançado às trevas, onde haveria choro e ranger de dentes, naturalmente por haverem esbanjado tanto dinheiro em coisas de nenhum valor, de preferência à “túnica de núpcias”, bem assim por terem perdido o tempo em coisas inúteis, em vez de tecerem, como deviam, a túnica para comparecer às bodas.
A veste de núpcias simboliza o amor, a humildade, a boa vontade em encontrar a Verdade para observá-la, ou seja, a pureza das intenções, a virgindade espiritual!
O interesseiro, o mercador, o astuto, o tartufo que, embora convidado a tomar arte nas bodas esteja sem a túnica, não pode ali permanecer: será lançado fora, assim como será posto à margem o convidado a um casamento ou a uma cerimônia que não se traje de acordo com o ato a que vai assistir.
Há bem pouco tempo, vimos, por ocasião de um júri numa cidade vizinha, o juiz convidar um jurado “para se compor” só pelo fato de achar-se o mesmo com uma roupa de brim claro. O jurado foi posto fora, visto não estar revestido com a “veste de juízo”.
Como esteja o Evangelho disseminado em todos os meios sociais (o que aliás constitui um dos sinais frisantes do “fim do mundo”), só mesmo os homens de má vontade, os orgulhosos, enfatuados e de espírito preconcebido ignoram seus deveres de humildade, para a recepção da Palavra Divina.
A estes não garantimos êxito feliz quando comparecerem ao Banquete de Espiritualidade, que se está realizando no mundo todo, no consórcio do Céu com a Terra, dos vivos com os mortos, para o triunfo da Imortalidade.
Dar-se-á, sem dúvida, com esses turiferários do ouro e turibulários, o que disse Isaías em sua profecia: Ouvirão e de nenhum modo entenderão; verão e de nenhum modo perceberão.
Justamente o contrário auguramos a todos os que, “fazendo-se crianças”, quiserem achar a Verdade para abraçá-la, e tenham o firme propósito de fazê-lo, esteja ela com quem estiver e onde estiver.
Tal é a lição alegórica das Bodas e da Veste de Núpcias.




[1] Parábolas e Ensinos de Jesus - Cairbar Schutel

quarta-feira, 26 de abril de 2017

CRISE DA MORTE: um incidente interessante de bilocação


 
Ernesto Bozzano

 
Tiro este fato do volume de Morgan: From Matter to Spirit (pág. 149). A personalidade mediúnica do Doutor Horace Abraham Ackley descreve, nestes termos, a maneira por que seu Espírito se separou do organismo somático:
Como sucede a um bem grande número de humanos, meu espírito não chegou muito facilmente a se libertar do corpo. Eu sentia que me desprendia gradualmente dos laços orgânicos, mas me encontrava em condições pouco lúcidas de existência, afigurando-se-me que sonhava. Sentia a minha personalidade como que dividida em muitas partes, que, todavia, permaneciam ligadas por um laço indissolúvel. Quando o organismo corpóreo deixou de funcionar, pode o espírito despojar-se dele inteiramente. Pareceu-me então que as partes destacadas da minha personalidade se reuniam numa só. Senti-me, ao mesmo tempo, levantado acima do meu cadáver, a pequena distância dele, donde eu divisava distintamente as pessoas que me cercavam o corpo.
Não saberia dizer por que poder cheguei a me desprender e a me elevar no ar.
Depois desse acontecimento, suponho ter passado um período bastante longo em estado de inconsciência, ou de sono (o que, aliás, acontece frequentemente, se bem isso não se da em todos os casos); deduzo-o do fato que, quando tornei a ver o meu cadáver, estava ele em estado de adiantada decomposição. Logo que voltei a mim, todos os acontecimentos de minha vida me destilaram sob as vistas, como num panorama; eram visões vivas, muito reais, em dimensões naturais, como o meu passado se houvera tornado presente. Foi todo o meu passado o que revi, compreendido o último episódio: o da minha desencarnação. A visão passou diante de mim com tal rapidez, que quase não tive tempo de refletir, achando-me como que arrebatado por um turbilhão de emoções.
A visão, em seguida, desapareceu com a mesma instantaneidade com que se mostrara; às meditações sobre o passado e o futuro, sucedeu em mim vivo interesse pelas condições atuais.
Eu ouvira dizer aos espíritas que os Espíritos desencarnados eram acolhidos no mundo espiritual pelos seus parentes, ou por seus Espíritos guardiães. Não vendo ninguém perto de mim, conclui que os espíritas se haviam enganado. Mas, apenas este pensamento me atravessou o espírito, vi dois Espíritos que me eram desconhecidos e para os quais me senti atraído por um sentimento de afinidade. Soube que tinham sido homens muito instruídos e inteligentes, mas que, como eu, não haviam cogitado de desenvolver em si os princípios elevados da espiritualidade. Chamaram-me pelo meu nome, embora não o houvesse eu pronunciado, e me acolheram com uma familiaridade tão benévola, que me senti agradavelmente reconfortado. Com eles deixei o meio onde desencarnara e onde me conservara até aquele momento. Pareceu-me nebulosa a paisagem que atravessei; mas dentro dessa meia obscuridade, fui conduzido a um lugar onde vi reunidos numerosos Espíritos, entre os quais muitos havia que eu conhecera em vida e que tinham morrido havia há algum tempo. . .
Notarei que no último parágrafo do episódio precedente se encontra um outro dos detalhes secundários habituais, que se diferenciam mais ou menos nas descrições de tantos Espíritos que se comunicam. Esse detalhe achará sua razão de ser nas condições espirituais, bem pouco evolvidas, do defunto autor da mensagem. Geralmente, nas de revelações transcendentais, se lê que os Espíritos dos mortos entram num meio mais ou menos radioso, onde são acolhidos pelos Espíritos de seus parentes. Aqui se vê, ao contrário, que o Espírito comunicante se encontrou em um meio nuvioso, onde foi acolhido amistosamente por dois Espíritos que lhe eram desconhecidos, mas que guardavam afinidade com ele, do ponto de vista das condições espirituais. E fácil de arguir que este aparente desacordo entre as primeiras impressões desse Espírito desencarnado e outras muitas mais frequentes dependa da circunstancia de que, como ele próprio o diz, se descuidara em vida de desenvolver em si o elemento espiritual e que os Espíritos que lhe foram ao encontro se achavam nas mesmas condições. Daí resultou que, pela lei de afinidade, um meio de luz não se adaptava às condições transitórias, mas obscurecidas, de seus Espíritos.
De outro ponto de vista, notarei que, também no episódio em apreço, o Espírito que se comunica afirma ter sofrido a prova da visão panorâmica de seu passado, prova que, neste caso, em vez de se desenrolar espontaneamente, em consequência de uma superexcitação sui generis das faculdades mnemônicas (superexcitação produzida pela crise da agonia, ao que dizem as psicologistas), pareceria antes provocada pelos guias espirituais, com o fim de predispor o Espírito recém-chegado a uma espécie de exame de consciência.
Notarei, finalmente, que este caso, ocorrido em 1857, já contém a narração de um incidente interessante de bilocação no leito de morte, seguido do fenômeno consistente na situação que durante algum tempo o Espírito desencarnado conservou, pairando por cima do cadáver. Frequentes incidentes análogos se encontrarão nas comunicações da mesma natureza; com mais frequência ainda, são sensitivos que, assistindo à morte de alguém, os descreverão segundo o que perceberam. As obras espiritualistas estão cheias de episódios deste gênero, a começar dos que foram descritos pelo famoso vidente Andrew Jackson Davis [ver neste blog, Descrição da Morte por A. Jackson Davis, postado em 31/07/2016] e pelo juiz Edmonds, até aos que chegaram ao Rev. William Stainton Moses e à governante inglesa (enfermeira diplomada) Mrs. Joy Snell, que, ultimamente, assistiu à produção de fenômenos desta espécie durante uns vinte anos. Ora, quem não vê que o fato das afirmações de videntes, concordantes de modo admirável com o que narram os próprios Espíritos desencarnados, tem inegável importância, uma vez que se confirmam mutuamente?
E também, com relação a esta ordem de incidentes, é muito comum que o médium escrevente, ou o sensitivo vidente, estejam na mais completa ignorância acerca da existência de tais fenômenos e da maneira por que se produzem no leito de morte. E como o caso com que acabamos de ocupar-nos remonta a 1857, isto é, aos começos do movimento Espírita, tudo contribui para que se suponha que nesta circunstância o médium e os assistentes ignoravam tudo do que concerne aos fenômenos de bilocação em geral e, sobretudo, à maneira por que se dão com os moribundos.




[1] A Crise da Morte – Ernesto Bozzano

terça-feira, 25 de abril de 2017

Médiuns sem Saber[1]


 
Na sessão da Sociedade, de 16 de setembro de 1859, foram lidos diversos trechos de um poema do Sr. de Porry, de Marselha, intitulado Urânia. Como então se observou, nesse poema abundam as ideias espíritas, que parecem ter sido hauridas na própria fonte de O Livro dos Espíritos. Entretanto, constatou-se que na época em que foi escrito seu autor não tinha nenhum conhecimento da Doutrina Espírita. Nossos leitores certamente ficarão gratos se lhes dermos alguns fragmentos (ver Urânia – Fragmentos de um Poema Espírita – Revista Espírita – Novembro/ 1859).
Por certo se recordam do que a respeito foi dito da maneira pela qual o Sr. De Porry escreveu seu poema, maneira que parece denunciar uma espécie de mediunidade involuntária (Ver neste blog, Médiuns Inertes, publicado em 11/04/2017).
Aliás, os Espíritos que nos cercam exercem sobre nós, mal grado nosso, uma influência incessante, aproveitando as disposições que encontram em certos indivíduos para transformá-los em instrumentos das ideias que querem exprimir e levar ao conhecimento dos homens. Esses indivíduos são, pois, sem o saber, verdadeiros médiuns e, para isso, não necessitam possuir a mediunidade mecânica. Todos os homens de gênio, poetas, pintores e músicos estão neste caso; certamente seu próprio Espírito pode produzir por si mesmo, se é assaz avançado para isso. Entretanto, muitas ideias lhe podem vir de uma fonte estranha; pedindo inspiração, não parece que estejam fazendo um apelo? Ora, o que é essa inspiração, senão uma ideia sugerida?
Aquilo que tiramos do nosso próprio íntimo não é inspirado: nós o possuímos e não temos necessidade de recebê-lo.
Se o homem de gênio tirasse tudo de si mesmo, por que, então, lhe faltariam ideias no momento em que as procura?
Não seria capaz de extraí-las do cérebro, como aquele que tem dinheiro o retira do bolso? Se nada encontra em dado momento, é porque nada tem. Por que, então, quando menos espera, as ideias brotam como por si mesmas? Poderiam os fisiologistas esclarecer esse fenômeno? Acaso já procuraram resolvê-lo? Dizem eles: o cérebro produz hoje, mas amanhã não produzirá. Mas por que não produzirá amanhã? Limitam-se a dizer que é porque produziu na véspera. Segundo a Doutrina Espírita, o cérebro pode sempre produzir o que está dentro dele, razão por que o mais inepto dos homens sempre acha alguma coisa a dizer, mesmo que seja uma tolice. Mas as ideias das quais não somos os donos, não são nossas: elas nos são sugeridas. Quando a inspiração não vem é porque o inspirador não está presente ou não julga conveniente inspirar.
Parece-nos que esta explicação é melhor do que a outra. Contudo, poderíamos objetar que o cérebro, não produzindo, não deveria fatigar-se. Isso seria um erro; o cérebro não deixa de ser o canal por onde passam as ideias estranhas, o instrumento que executa. O cantor não fatiga suas cordas vocais, embora a música não seja dele? Por que, então, não se fatigaria o cérebro, ao exprimir as ideias de que está encarregado de transmitir, embora não as tenha produzido? Por certo é para dar-lhe o repouso necessário à aquisição de novas energias que o inspirador lhe impõe um intervalo.
Poder-se-ia ainda objetar que esse sistema tira ao produtor o seu mérito pessoal, porquanto atribui às suas ideias uma fonte estranha. A isso respondemos que, se as coisas assim se passassem, não saberíamos o que fazer e não veríamos muita necessidade em tirar partido do mérito alheio. Mas essa objeção não é séria: primeiro, porque não dissemos que o homem de gênio não possa haurir alguma coisa de seu próprio íntimo; em segundo lugar, porque as ideias que lhe são sugeridas se confundem com as suas próprias e nada as distingue. Assim, ele não é censurável por se atribuir tais ideias, a menos que, tendo-as recebido a título de comunicação espírita constatada, quisesse assumir a glória das mesmas, o que poderia levar os Espíritos a fazê-lo passar por algumas decepções.
Diremos, enfim, que se os Espíritos sugerem grandes ideias a um homem, dessas ideias que caracterizam o gênio, é porque o julgam capaz de compreendê-las, de elaborá-las e transmitir; não tomariam um imbecil para seu intérprete. Podemos, portanto, sentir-nos honrados de receber uma grande e bela missão, principalmente se o orgulho não a desviar do seu objetivo louvável e não nos fizer perder o seu mérito.
Quer os pensamentos seguintes sejam do Espírito pessoal do Sr. de Porry, quer tenham sido sugeridos por via mediúnica indireta, menor não será o mérito do poeta, porquanto, se a ideia primitiva lhe foi dada, jamais lhe poderão contestar a honra de tê-la elaborado.




[1] Revista Espírita – Novembro/1859 – Allan Kardec

segunda-feira, 24 de abril de 2017

CORNÉLIO PIRES[1]


 

Nascido na cidade de Tietê, Estado de S. Paulo, no dia 13 de julho de 1884, e desencarnado em São Paulo, no dia 17 de fevereiro de 1958.
Ainda bastante jovem, com apenas 17 anos de idade, veio de Tietê para São Paulo, com a esperança de poder participar de um concurso para admissão na Faculdade de Farmácia. Não conseguindo realizar o seu intento, dedicou-se à carreira jornalística, passando a trabalhar na redação do jornal "O Comércio de São Paulo", quando experimentou todas as dificuldades inerentes aos que se iniciam nessa carreira. Posteriormente passou a trabalhar no jornal "O São Paulo", tendo ocupado também o cargo de revisor de "O Estado de São Paulo", tradicional órgão da imprensa paulista. No ano de 1914 passou a dar a sua contribuição ao jornal "O Pirralho".
Escrevendo "A Vida Pitoresca de Cornélio Pires", escreveu Joffre Martins Veiga: "Ninguém amou tanto sua gente como Cornélio Pires; ninguém se preocupou tanto com seus semelhantes como esse homem, que foi, antes de tudo, um bom".  O célebre poeta Martins Fontes, por sua vez, escrevendo sobre ele, afirmou: "é um bandeirante puro, um artista incansável, enobrecedor da Pátria e enriquecedor da língua".
Aconselhado pelo grande jornalista Amadeu Amaral, Cornélio Pires resolveu tornar-se escritor regionalista, salientando-se então como um dos maiores divulgadores do folclore brasileiro.
Pelos idos de 1910, lançou "Musa Caipira", livro que foi saudado pela crítica, devido ao seu conteúdo tipicamente brasileiro.
Sílvio Romero, crítico dos mais preeminentes do Brasil, em carta dirigida ao poeta exprimiu-se da seguinte forma: "Apreciei imensamente o chiste, a cor local, a graça, a espontaneidade de suas produções que, além do seu valor intrínseco, são um ótimo documento para o estudo dos brasileirismos da nossa linguagem...”.
Abandonando a carreira jornalística, Cornélio Pires tomou a decisão de viajar pelo interior do Estado de São Paulo e de outros Estados brasileiros, estreando na condição de caipira humorista.
Alguns anos mais tarde chegou a organizar o "Teatro Ambulante Gratuito Cornélio Pires", perambulando de cidade em cidade, tornando-se admirado por toda a população brasileira.
Alguns anos antes da sua desencarnação voltou para Tietê, comprou uma chácara nas adjacências da cidade e fundou a "Granja de Jesus", lar destinado à criança desamparada, tendo desencarnado sem poder ver a conclusão de sua obra.
Quando de sua desencarnação, já espírita convicto, trabalhava na preparação da "Coletânea Espírita". Nessa época já havia publicado duas obras de fundo nitidamente espírita: "Onde estás, ó morte?" e "Coisas do Outro Mundo", o que fez nos anos de 1944 e 1947.
Narrou Cornélio Pires que, no ano de 1901, começou a frequentar a Igreja Presbiteriana, entretanto, não conseguiu conciliar os ensinamentos dessa igreja com o seu modo de pensar.
As ideias das penas eternas e da preferência de Deus por membros de determinadas religiões, não encontraram guarida em seu coração. Não conseguindo extrair dos Evangelhos os ensinamentos segundo o bafejo do Espírito, mas apegando-se mais ao formalismo da letra que mata, acabou quase descambando para o materialismo.
Nessa época não conhecia ainda o Espiritismo, porém, quando começou a fazer viagens para o interior, aconteceram com ele vários fenômenos mediúnicos, que muito o impressionaram, principalmente algumas comunicações recebidas do Espírito Emílio de Menezes.
Interessando-se por essa Doutrina, passou a ler os livros de Allan Kardec, Léon Denis, Stainton Moses, Albert de Rochas, os livros psicografados pelo médium Francisco Cândido Xavier e outros.
Dali por diante integrou-se resolutamente no Espiritismo, interessando-se particularmente pelos fenômenos de efeitos físicos e materializações, tendo mesmo publicado no livro acima "Onde Estás, ó morte?", várias fotografias de Espíritos desencarnados.
De sua vasta bibliografia destacamos: "Musa Caipira", "Versos Velhos", "Cenas e Paisagens de Minha Terra", "Monturo", "Quem Conta um Conto", "Conversas ao Pé do Fogo", "Estrambóticas Aventuras de Joaquim Bentinho, o Queima Campo", "Tragédia Cabocla", "Patacoadas", "Seleta Caipira", "Almanaque do Saci", "Mixórdias", "Meu Samburá", "Sambas e Cateretês", "Tarrafadas", "Chorando e Rindo", "De Roupa Nova", "Só Rindo", "Tá no Bocó", "Quem Conta um Conto... e outros Contos...", "Enciclopédia de Anedotas e Curiosidades", além dos dois livros espíritas já citados.
Foi um humorista em sua mais elevada expressão, empolgando as plateias com seu gênero característico, cativando a simpatia de todos os brasileiros.
Num dos seus escritos sobre a Doutrina Espírita, dizia ele: "O Espiritismo, mais cedo ou mais tarde, fará aos católicos romanos, aos protestantes e aos adeptos de outros credos, a caridade de robustecer-lhes a Fé, com os fatos que provam a imortalidade da alma, que se transforma em Espírito ao deixar o invólucro material." E, mais adiante: "Como religião o Espiritismo nos religa a um Pai que é AMOR e não chibata, e que, sendo Amor não iria matar seu próprio Filho Jesus em benefício de uma Humanidade perversa. O Espiritismo nos proporciona a FÉ RACIOCINADA, nos arrebata ao jugo do dogma e nos ensina a compreender DEUS como Ele é".




[1] Personagens do Espiritismo - Antônio de Souza Lucena e Paulo Alves Godoy

sábado, 22 de abril de 2017

DUPLO SUICÍDIO, POR AMOR E POR DEVER[1]

 

É de um jornal de 13 de junho de 1862 a seguinte narrativa:
A jovem Palmyre, modista, residindo com seus pais, era dotada de aparência encantadora e de caráter afável.
Por isso, era, também, muito requestada a sua mão. Entre todos os pretendentes ela escolheu o Sr. B..., que lhe retribuía essa preferência com a mais viva das paixões. Não obstante essa afeição, por deferência aos pais, Palmyre consentiu em desposar o Sr. D..., cuja posição social se afigurava mais vantajosa àqueles, do que a do seu rival. Os Srs. B... e D... eram amigos íntimos, e posto não houvesse entre eles quaisquer relações de interesse, jamais deixaram de se avistar. O amor recíproco de B... e Palmyre, que passou a ser a Sra. D..., de modo algum se atenuara, e como se esforçassem ambos por contê-lo, aumentava-se ele de intensidade na razão direta daquele esforço. Visando extingui-lo, B... tomou o partido de se casar, e desposou, de fato, uma jovem possuidora de eminentes predicados, fazendo o possível por amá-la.
Cedo, contudo, percebeu que esse meio heroico lhe fora inútil à cura. Decorreram quatro anos sem que B... ou a Senhora D... faltassem aos seus deveres.
O que padeceram, só eles o sabem, pois D..., que estimava deveras o seu amigo, atraía-o sempre ao seu lar, insistindo para que nele ficasse quando tentava retirar-se.
Aproximados um dia por circunstâncias fortuitas e independentes da própria vontade, os dois amantes deram-se ciência do mal que os torturava e acharam que a morte era, no caso, o único remédio que se lhes deparava. Assentaram que se suicidariam juntamente, no dia seguinte, em que o Sr. D... estaria ausente de casa mais prolongadamente.
Feitos os últimos aprestos, escreveram longa e tocante missiva, explicando a causa da sua resolução: para não prevaricarem. Essa carta terminava pedindo que lhes perdoassem e, mais, para serem enterrados na mesma sepultura.
De regresso a casa, o Sr. D... encontrou-os asfixiados. Respeitou-lhes os últimos desejos, e, assim, não consentiu fossem os corpos separados no cemitério.
Sendo esta ocorrência submetida à Sociedade de Paris, como assunto de estudo, um Espírito respondeu: “Os dois amantes suicidas não vos podem responder ainda. Vejo-os imersos na perturbação e aterrorizados pela perspectiva da eternidade. As consequências morais da falta cometida lhes pesarão por migrações sucessivas, durante as quais suas almas separadas se buscarão incessantemente, sujeitas ao duplo suplício de se pressentirem e desejarem em vão.
Completa a expiação, ficarão reunidos para sempre, no seio do amor eterno. Dentro de oito dias, na próxima sessão, podereis evocá-los. Eles aqui virão sem se avistarem, porque profundas trevas os separarão por muito tempo”.
Evocação da suicida — Vedes o vosso amante, com o qual vos suicidastes?
Nada vejo, nem mesmo os Espíritos que comigo erram neste mundo. Que noite! Que noite! E que véu espesso me circunda a fronte!
Que sensação experimentastes ao despertar no outro mundo?
Singular! Tinha frio e escaldava. Tinha gelo nas veias e fogo na fronte! Coisa estranha, conjunto inaudito! Fogo e gelo pareciam consumir-me! E eu julgava que ia sucumbir uma segunda vez!...
Experimentais qualquer dor física?
Todo o meu sofrimento reside aqui, aqui...
 Que quereis dizer por aqui, aqui?
Aqui, no meu cérebro; aqui, no meu coração... É provável que, visível, o Espírito levasse a mão à cabeça e ao coração.
Acreditais na perenidade dessa situação?
Oh! sempre! sempre! Ouço às vezes risos infernais, vozes horrendas que bradam: sempre assim!
Pois bem, podemos com segurança dizer-vos que nem sempre assim será. Pelo arrependimento obtereis o perdão.
Que dizeis? Não ouço.
Repetimos que os vossos sofrimentos terão um termo, que os podereis abreviar pelo arrependimento, sendo-nos possível auxiliar-vos com a prece.
Não ouvi além de sons confusos, mais que uma palavra. Essa palavra é:  graça! Seria efetivamente graça o que pronunciastes? Falastes em graça, mas sem dúvida o fizestes à alma que por aqui passou junto de mim, pobre criança que chora e espera.
Uma senhora, presente à reunião, declarou que fizera fervorosa prece pela infeliz, o que sem dúvida a comoveu, e que de fato, mentalmente, havia implorado em seu favor a graça de Deus.
Dissestes estar em trevas e nada ouvir?
Me é permitido ouvir algumas das vossas palavras, mas o que vejo é apenas um crepe negro, no qual de vez em quando se desenha um semblante que chora.
Mas uma vez que ele aqui está sem o avistardes, nem sequer vos apercebeis da presença do vosso amante?
Ah! não me faleis dele. Devo esquecê-lo presentemente para que do crepe se extinga a imagem retratada.
Que imagem é essa?
A de um homem que sofre, e cuja existência moral sobre a Terra aniquilei por muito tempo.
Da leitura dessa narrativa logo se depreende haver neste suicídio circunstâncias atenuantes, encarado como ato heroico provocado pelo cumprimento do dever. Mas reconhece-se, também, que, contrariamente ao julgado, longa e terrível deve ser a pena dos culpados por se terem voluntariamente refugiado na morte para evitar a luta. A intenção de não faltar aos deveres era, efetivamente, honrosa, e lhes será contada mais tarde, mas o verdadeiro mérito consistiria na resistência, tendo eles procedido como o desertor que se esquiva no momento do perigo.
A pena consistirá, como se vê, em se procurarem debalde e por muito tempo, quer no mundo espiritual, quer noutras encarnações terrestres; pena que ora é agravada pela perspectiva da sua eterna duração. Essa perspectiva, aliada ao castigo, faz que lhes seja defeso ouvirem palavras de esperança que porventura lhes dirijam. Aos que acharem esta pena longa e terrível, tanto mais quanto não deverá cessar senão depois de várias encarnações, diremos que tal duração não é absoluta, mas dependente da maneira pela qual suportarem as futuras provações. Além do que, eles podem ser auxiliados pela prece. E serão assim, como todos, os árbitros do seu destino. Não será isso, ainda assim, preferível à eterna condenação, sem esperança, a que ficam irrevogavelmente submetidos segundo a doutrina da Igreja, que os considera votados ao inferno e para sempre, a ponto.


[1] O Céu e o Inferno – Capítulo V – Suicídas – Allan Kardec

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Ser Melhor[1]


 
Ermance Dufaux

 
Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que necessitamos e nos basta a voz da consciência e as tendências instintivas. Priva-nos do que nos seria prejudicial.

O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. V, Item 11

 
Será muito útil à comunidade espírita um maior empenho em seus grupamentos no entendimento do tema reforma íntima. Apesar dos debates assíduos, observa-se ainda uma lacuna no apontamento de caminhos pelos quais se possa encetar um programa de melhoria pessoal. Mesmo sensibilizados para sua importância, pergunta-se: como fazer reforma íntima?
O primeiro passo a mais amplos resultados nesse campo será possuir a noção bem clara do que seja essa proposta no terreno individual. Propomos então uma releitura de sua conceituação em favor da oxigenação de nossas ideias.
Associa-lhe, comumente, a ideia de anulação de sentimentos, negação de impulsos ou eliminação de tendências; ideias que, se não forem sensatamente exploradas, poderão tecer uma vinculação mental ao obsoleto bordão do “pecado original”, uma cultura diametralmente incoerente com a lógica espírita. Essa vinculação conduz-nos a priorizar a repressão como sistema de mudança, ou seja, a violentação do mundo íntimo, gerando um estado compulsivo de conflito e pressão psíquica, uma “tortura interior”. Esse sistema de inaceitação é caracterizado, quase sempre, pela ansiedade em aplacar sentimentos de culpa, uma fuga que declara a condição íntima de indignidade pelo fato de sentir, fazer ou pensar em desacordo com o que aprendemos nos lúcidos conteúdos da Doutrina.
A culpa não renova, limita. Não educa, contém.
A culpa nasce no ato de avaliar o direito natural de errar como sendo um Pedro que merece ser castigado, uma estrutura mental condicionada que carece de reeducação a fim de atingir o patamar de uma relação pacífica conosco mesmo.
Reforma íntima não é ser contra nós. Não é reprimir, e sim educar. Não é exterminar o mal em nós, e sim fortalecer o bem que está adormecido na consciência.
A palavra educação, que vem do latim educere, significa tirar de dentro para fora, renovar é extrair da alma os valores divinos que recebemos quando formos criados.
Educação é disciplina com consentimento íntimo, fruto de um acordo conosco celebrado em harmonia, bem distante dos quadros torturantes de neurose e severidade consigo.
Claro que, para se educar é preciso controle, tendo em vista os hábitos que arregimentamos nas vidas sucessivas. Entretanto, muitos discípulos permanecem apenas nesse estágio, definindo seu crescimento espiritual pela quantidade de realizações a que se devota por fora, quando o crescimento pessoal só encontra medidas reais nos recessos do sentimento. Menos contenção e mais conscientização, eis a linha natural de aprender a “dar ouvido” aos alvitres do bem divino que retumbam qual eco de Deus na nossa intimidade.
O conjunto dos ensinos espíritas é um roteiro completo para todos os perfis de necessidades no aperfeiçoamento da humanidade. Tomar todo esse conjunto como regras para absorção instantânea é demonstrar uma visão dogmática de crescimento, gerando aflições e temores, perfeccionismo e ansiedade, que são desnecessários no aproveitamento das oportunidades.
Reforma íntima é ser melhor hoje em relação ao ontem, e jamais deixar arrefecer o desejo de ser um tanto melhor amanhã em relação ao hoje. Basta-nos aprender a ouvir a consciência e a estudar nossos instintos. Reforma é um trabalho processual. A esse respeito, assim se pronuncia a Equipe Verdade:
“Conhece bem pouco os homens quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto. As ideias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e progressivamente, se pode operar[2]”.
Se conseguirmos assimilar essa definição na rotina dos dias, certamente estaremos nos beneficiando amplamente por entendermos que ninguém pode fazer mais que o suportável, sendo inútil acumular sofrimentos para manter metas não alcançáveis por agora. Exigir de si mais que o possível é dar espaço para tornarmo-nos ansiosos ou desanimados. Valorizemos com otimismo e aceitação o que temos condição de fazer para ser melhor, mas jamais deixemos de aferir sinceramente, em nosso próprio favor, se não estamos sob o fascínio do desculpismo e da fuga, e procuremos a cada dia fazer algo mais pelo bem de nós próprios e do próximo.




[1] Reforma sem Martírio – Wanderley S. de Oliveira
[2] O Livro dos Espíritos – Questão 800.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Parábola dos Lavradores Maus ou dos Rendeiros Infiéis[1]

 


Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou aí um lagar, edificou uma torre e arrendou-a a uns lavradores e partiu para outro país. Ao aproximar-se o tempo dos frutos, enviou seus servos aos lavradores, para receber os frutos que lhe tocavam. Estes, agarrando os servos, feriram um, mataram outro e a outro apedrejaram.

Enviou ainda outros servos em maior número; e trataram-nos do mesmo modo. Por último, enviou-lhes seu filho, dizendo: Terão respeito ao meu filho. Mas, os lavradores, vendo-o, disseram entre si: este é o herdeiro; vinde, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança: e, agarrando-o, lançaram-no fora da vinha e mataram-no. Quando, pois, vier o Senhor da vinha, que fará àqueles lavradores? Responderam-lhe: Fará perecer horrivelmente a estes malvados, e arrendará a vinha a outros, que lhe darão os frutos no tempo próprio.

Mateus, XXI : 33 – 42 – Marcos, XII : 1 – 9 – Lucas, XX : 9 – 16
 
A Parábola acima é a prova da inigualável presciência do Filho de Deus, assim como é a magistral sentença que se havia de cumprir no nosso século contra os “rendeiros infiéis”, que têm devastado a nossa seara.

Um proprietário plantou uma vinha, cercou-a com um tapume feito de ramos e troncos de árvores; assentou um lagar (local com todos os petrechos para a fabricação de vinho) e edificou uma torre (grande edifício com proteção contra os ataques inimigos).

De maneira que a fazenda estava completa, tudo preparado: terras de sobra, parreiras em grande quantidade, lagar, tanques, tonéis — tudo o que era preciso para a fabricação do vinho. Casa de moradia com toda a comodidade e conforto. Mas, tendo de ausentar-se o proprietário, arrendou a herdade a uns lavradores; no tempo da colheita dos frutos mandaria receber o produto do arrendamento, ou seja, os frutos que lhe tocavam.

O contrato foi passado e muito bem redigido: selado, registrado e com as competentes testemunhas.

Por ocasião da primeira colheita, o Senhor da vinha mandou que seus empregados fossem receber os frutos que lhe tocavam.

Os rendeiros, em vez de darem conta do depósito que lhes fora confiado, agarraram os emissários, feriram um, apedrejaram outro e mataram o seguinte.

Na outra colheita, o proprietário da herdade tornou a mandar outros emissários, que tiveram a mesma sorte dos primeiros.

Vendo o dono da herdade o que acontecera com seus emissários, julgou mais acertado delegar poderes ao próprio filho, porque, com certeza, o respeitariam, e o enviou a ajustar contas com os arrendatários.

Mas os lavradores, em vendo este chegar à propriedade, combinaram entre si e deliberaram matá-lo, porque, diziam: este é o herdeiro, vinde, matemo-lo e apoderemo-nos da sua herança. E assim fizeram: tiraram-no fora da vinha e o mataram.

Quando chegar o Senhor da Vinha, o que fará àqueles lavradores? — perguntou Jesus ao propor a parábola.

E a resposta veio em seguida: Fará perecer os malvados, os arrendatários dolosos, e entregará a vinha a outros, que lhe darão os frutos em tempo próprio.

***

Parábola é a exposição ou a pintura de uma coisa em confronto com outra de relação remota, ou de sentido oculto ou invisível.

Jesus tinha por costume, para explicar aquilo que escapa à compreensão vulgar, usar das parábolas, a fim de se tornar mais compreendido.

Nesta Parábola dos Lavradores Maus, rendeiros infiéis, quis Jesus explicar a soberania da ação divina que às vezes tarda, mas não falha. Quis ainda mostrar a seus discípulos quem são os lavradores que prejudicam a sua seara.

***

A seara é a Humanidade; o proprietário é Deus; a vinha que ele plantou é a Religião; o lagar são os meios de purificação espiritual que ele concede; a Casa que edificou é o mundo, os lavradores que arrendaram a lavoura são os sacerdotes de todos os tempos, desde os antigos que sacrificavam o sangue dos animais, até os nossos contemporâneos.

Os primeiros servos que foram feridos, apedrejados e sacrificados, são os profetas da Antiguidade, que passaram por duras provações: Elias, Eliseu, Daniel, que foi posto na cova dos leões; o próprio Moisés, que sofreu com os sacerdotes do Faraó e com os israelitas fanatizados que chegaram a fundir um bezerro de ouro para adorar, contra a Lei do Senhor; depois veio João Batista, que foi degolado; e depois outros servos, que passaram pelos mesmos sofrimentos dos primeiros — apóstolos e profetas como Estevão, que foi lapidado; Paulo, Pedro, João, Tiago, que sofreram martírios, e todos os demais que não têm acompanhado as concepções sacerdotais.

O Filho do Proprietário, que foi morto pelos rendeiros que se apossaram da sua herança, é Jesus Cristo, Senhor Nosso, que sofreu o martírio ignominioso da cruz. E, de acordo com as previsões da Parábola, os tais sacerdotes se apossaram da herança com a qual se locupletam fartamente, deixando a Seara abandonada e a Vinha sem frutos para o Proprietário.

Nas condições em que se acha a Seara, poderá o Senhor deixar a sua Vinha entregue a essa gente, a esses rendeiros inescrupulosos e maus? Estamos certos de que se cumprirá brevemente a última previsão da Parábola: O Senhor tomará a Vinha desses malvados e a arrendará a outros, que lhe darão os frutos no tempo próprio.

***

A confusão religiosa é a mais espessa escuridão que infelicita as almas. A crença é como o fruto da videira que alimenta, encoraja e vivifica. Assim como este alimenta o corpo, aquela alimenta alma.

A Religião de Jesus Cristo não é o culto, as exterioridades, os sacramentos, a fé cega; também não é o fogo que aniquila e consome o mal que vence o bem, o Diabo que vence a Deus.

A Religião de Jesus Cristo é o bálsamo que suaviza, é a caridade que consola, é o perdão que redime, é a luz que ilumina; não é o aniquilamento, mas a Vida não é o corpo mas, sim, o Espírito.

A Religião de Jesus Cristo deve, pois, ser ministrada em espírito e verdade e não em dogmas e com exterioridades aparatosas, para que possa ser compreendida, observada e praticada pelo Espírito.

O corpo é nada; o Espírito é tudo. O corpo existe porque o Espírito aciona; o vivifica e o movimenta. No dia em que o Espírito dele se separa, nenhuma vida mais resta a esse invólucro, a esse instrumento.

Que é o violino sem o músico? Que é o relógio sem que se lhe dê corda? Que é a máquina sem maquinista?

O corpo sem o Espírito é morto e se desagrega, como uma casa que cai e se converte em escombros.

O corpo pulvis est, et in pulveris reverteris. (Sois pó, e em pó vos haveis de converter)

E se assim é, qual o efeito dos sacramentos e práticas sibilinas que não atingem o Espírito?

O princípio da Religião é a Imortalidade e os rendeiros da Vinha têm por dever salientar e demonstrar este princípio, para que o Templo da Religião, assentado sobre esta base inamovível, abrigue com a Verdade os corações que desejam a paz e a felicidade.

Os pastores e os sacerdotes, “arrendatários da Vinha”, “maus obreiros” que conspurcam os sentimentos cristãos, transformando a Religião de Jesus em missas, imagens, procissões, aparatos, músicas, girândolas e sacramentos, serão chamados às contas e o látego da Verdade desde já os vem expulsando da herdade, que será entregue a outros, para que os frutos da Vinha sejam dados aos famintos de justiça, aos deserdados de consolação, aos que procuram a luz que encaminha e conduz à perfeição.

Desde tempos que vão longe, a Religião tem sido causa de abjeta exploração. O sacerdócio, por várias vezes, tem feito periclitar o sentimento religioso. A desgraça da Religião tem sido, em todas as épocas, o padre. O padre hebreu, o padre egípcio, o padre budista, o padre brâmane; sempre o padre, a corporação eclesiástica, com toda a sua hierarquia, a sua escolástica, os seus princípios rígidos, os seus cultos aparatosos, os seus sacramentos arcaicos.

O sacerdócio, tornando-se arrendatário da Vinha, como tem acontecido, só conhece um “deus” a quem obedece cegamente: “deus” constituído eclesiasticamente e tirado ou escolhido de um dos seus próprios membros. Todas as religiões têm tido e continuam a ter o seu papa, o seu maioral, o seu patriarca, o seu chefe a quem todos prestam obediência em detrimento do Supremo Senhor e Criador.

Daí a luta cruenta que o sacerdotalismo tem desenvolvido contra os profetas em todas as épocas.

Esta Parábola é a comparação de todas as lutas que os gênios, os grandes missionários, os profetas que falam em nome da Divindade e da Religião, têm sustentado contra a clerezia.

Desde que o Grande Proprietário plantou na Terra a sua Vinha; desde que fez brilhar no mundo o Sol vivificador da Religião, cercando a Vinha com uma sebe, aí estabelecendo um lagar e edificando uma torre; desde que os princípios religiosos foram estabelecidos e ficaram gravados nos Códigos dos divinos preceitos, os lavradores maus dela se apoderaram como rendeiros relapsos, deixando perecer as videiras e massacrando os enviados que em nome do Senhor lhes vinham pedir ou reclamar, como o fazemos hoje, os frutos da Vinha!

Os servos do Proprietário da Lavoura eram presos, feridos e mortos. A pretexto de heresia e apostasia, queimaram corpos como quem queima lenha seca e verde; infligiram-lhes os mais duros suplícios, tisnando de sangue as páginas da História do nosso mundo. Nem o Filho de Deus, cuja parábola premonitória de morte acabamos de ler, nem Ele foi poupado pela classe sacerdotal, que tinha por Pontífices Anás e Caifás, em conluio com os governos da época.

A classe sacerdotal, que nada fez à Humanidade e ainda fascinou os homens com os seus cultos aparatosos e seus dogmas horripilantes, é precisamente o que constitui, em sua linha geral, os “lavradores maus” da parábola.

Estão eles muito bem representados nesses obreiros fraudulentos e mercenários que proliferam no mundo todo, vendendo a fé, a salvação, as graças.

Que fará o Proprietário da Vinha a tão maus obreiros? O resultado não pode ser outro: fa-los-á perecer, tirar-lhes-á o poder que lhes concedeu e a entregará a outros, que darão os frutos no tempo próprio. Felizmente chegou também a época da realização da premonição do Cristo exarada nos Evangelhos.

Os Espíritos da Verdade baixam ao mundo, uns tomam um invólucro carnal, e outros, através do véu que separa as duas vidas, vêm se apossar da Vinha, para que ela dê os resultados designados pelo Senhor de Todas as coisas.

O sacerdócio cai, mas a Religião prossegue; os dogmas são abatidos, mas a Verdadeira Fé aparece, robustecendo consciências, consolando corações, e, principalmente, fazendo raiar na Terra a aurora da Imortalidade, para realçar o Deus Espírito, o Deus Justo, o Deus Poderoso e Sábio que reina em todo o Universo.


[1] Parábolas e Ensinos de Jesus - Cairbar Schutel