Na sessão da Sociedade, de 16 de
setembro de 1859, foram lidos diversos trechos de um poema do Sr. de Porry, de Marselha,
intitulado Urânia. Como então se observou, nesse poema abundam as ideias
espíritas, que parecem ter sido hauridas na própria fonte de O Livro dos Espíritos. Entretanto,
constatou-se que na época em que foi escrito seu autor não tinha nenhum conhecimento
da Doutrina Espírita. Nossos leitores certamente ficarão gratos se lhes dermos
alguns fragmentos (ver Urânia –
Fragmentos de um Poema Espírita – Revista Espírita – Novembro/ 1859).
Por certo se recordam do que a
respeito foi dito da maneira pela qual o Sr. De Porry escreveu seu poema,
maneira que parece denunciar uma espécie de mediunidade involuntária (Ver neste
blog, Médiuns Inertes, publicado em
11/04/2017).
Aliás, os Espíritos que nos
cercam exercem sobre nós, mal grado nosso, uma influência incessante, aproveitando
as disposições que encontram em certos indivíduos para transformá-los em
instrumentos das ideias que querem exprimir e levar ao conhecimento dos homens.
Esses indivíduos são, pois, sem o saber, verdadeiros médiuns e, para isso, não necessitam
possuir a mediunidade mecânica. Todos os homens de gênio, poetas, pintores e
músicos estão neste caso; certamente seu próprio Espírito pode produzir por si
mesmo, se é assaz avançado para isso. Entretanto, muitas ideias lhe podem vir
de uma fonte estranha; pedindo inspiração, não parece que estejam fazendo um apelo?
Ora, o que é essa inspiração, senão uma ideia sugerida?
Aquilo que tiramos do nosso
próprio íntimo não é inspirado: nós o possuímos e não temos necessidade de
recebê-lo.
Se o homem de gênio tirasse tudo
de si mesmo, por que, então, lhe faltariam ideias no momento em que as procura?
Não seria capaz de extraí-las do
cérebro, como aquele que tem dinheiro o retira do bolso? Se nada encontra em
dado momento, é porque nada tem. Por que, então, quando menos espera, as ideias
brotam como por si mesmas? Poderiam os fisiologistas esclarecer esse fenômeno?
Acaso já procuraram resolvê-lo? Dizem eles: o cérebro produz hoje, mas amanhã
não produzirá. Mas por que não produzirá amanhã? Limitam-se a dizer que é
porque produziu na véspera. Segundo a Doutrina Espírita, o cérebro pode sempre produzir
o que está dentro dele, razão por que o mais inepto dos homens sempre acha
alguma coisa a dizer, mesmo que seja uma tolice. Mas as ideias das quais não
somos os donos, não são nossas: elas nos são sugeridas. Quando a inspiração não
vem é porque o inspirador não está presente ou não julga conveniente inspirar.
Parece-nos que esta explicação é
melhor do que a outra. Contudo, poderíamos objetar que o cérebro, não
produzindo, não deveria fatigar-se. Isso seria um erro; o cérebro não deixa de
ser o canal por onde passam as ideias estranhas, o instrumento que executa. O cantor
não fatiga suas cordas vocais, embora a música não seja dele? Por que, então,
não se fatigaria o cérebro, ao exprimir as ideias de que está encarregado de
transmitir, embora não as tenha produzido? Por certo é para dar-lhe o repouso necessário
à aquisição de novas energias que o inspirador lhe impõe um intervalo.
Poder-se-ia ainda objetar que
esse sistema tira ao produtor o seu mérito pessoal, porquanto atribui às suas ideias
uma fonte estranha. A isso respondemos que, se as coisas assim se passassem,
não saberíamos o que fazer e não veríamos muita necessidade em tirar partido do
mérito alheio. Mas essa objeção não é séria: primeiro, porque não dissemos que
o homem de gênio não possa haurir alguma coisa de seu próprio íntimo; em
segundo lugar, porque as ideias que lhe são sugeridas se confundem com as suas
próprias e nada as distingue. Assim, ele não é censurável por se atribuir tais ideias,
a menos que, tendo-as recebido a título de comunicação espírita constatada,
quisesse assumir a glória das mesmas, o que poderia levar os Espíritos a
fazê-lo passar por algumas decepções.
Diremos, enfim, que se os
Espíritos sugerem grandes ideias a um homem, dessas ideias que caracterizam o
gênio, é porque o julgam capaz de compreendê-las, de elaborá-las e transmitir;
não tomariam um imbecil para seu intérprete. Podemos, portanto, sentir-nos
honrados de receber uma grande e bela missão, principalmente se o orgulho não a
desviar do seu objetivo louvável e não nos fizer perder o seu mérito.
Quer os pensamentos seguintes
sejam do Espírito pessoal do Sr. de Porry, quer tenham sido sugeridos por via mediúnica
indireta, menor não será o mérito do poeta, porquanto, se a ideia primitiva lhe
foi dada, jamais lhe poderão contestar a honra de tê-la elaborado.
[1] Revista
Espírita – Novembro/1859 – Allan Kardec
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