Ernesto Bozzano
Tiro este fato do volume de
Morgan: From Matter to Spirit (pág. 149). A personalidade mediúnica do Doutor
Horace Abraham Ackley descreve, nestes termos, a maneira por que seu Espírito
se separou do organismo somático:
Como sucede a um bem grande número de humanos, meu espírito não chegou
muito facilmente a se libertar do corpo. Eu sentia que me desprendia gradualmente
dos laços orgânicos, mas me encontrava em condições pouco lúcidas de
existência, afigurando-se-me que sonhava. Sentia a minha personalidade como que
dividida em muitas partes, que, todavia, permaneciam ligadas por um laço
indissolúvel. Quando o organismo corpóreo deixou de funcionar, pode o espírito
despojar-se dele inteiramente. Pareceu-me então que as partes destacadas da
minha personalidade se reuniam numa só. Senti-me, ao mesmo tempo, levantado
acima do meu cadáver, a pequena distância dele, donde eu divisava distintamente
as pessoas que me cercavam o corpo.
Não saberia dizer por que poder cheguei a me desprender e a me elevar
no ar.
Depois desse acontecimento, suponho ter passado um período bastante
longo em estado de inconsciência, ou de sono (o que, aliás, acontece frequentemente,
se bem isso não se da em todos os casos); deduzo-o do fato que, quando tornei a
ver o meu cadáver, estava ele em estado de adiantada decomposição. Logo que
voltei a mim, todos os acontecimentos de minha vida me destilaram sob as
vistas, como num panorama; eram visões vivas, muito reais, em dimensões
naturais, como o meu passado se houvera tornado presente. Foi todo o meu
passado o que revi, compreendido o último episódio: o da minha desencarnação. A
visão passou diante de mim com tal rapidez, que quase não tive tempo de
refletir, achando-me como que arrebatado por um turbilhão de emoções.
A visão, em seguida, desapareceu com a mesma instantaneidade com que se
mostrara; às meditações sobre o passado e o futuro, sucedeu em mim vivo
interesse pelas condições atuais.
Eu ouvira dizer aos espíritas que os Espíritos desencarnados eram acolhidos
no mundo espiritual pelos seus parentes, ou por seus Espíritos guardiães. Não
vendo ninguém perto de mim, conclui que os espíritas se haviam enganado. Mas,
apenas este pensamento me atravessou o espírito, vi dois Espíritos que me eram
desconhecidos e para os quais me senti atraído por um sentimento de afinidade.
Soube que tinham sido homens muito instruídos e inteligentes, mas que, como eu,
não haviam cogitado de desenvolver em si os princípios elevados da
espiritualidade. Chamaram-me pelo meu nome, embora não o houvesse eu
pronunciado, e me acolheram com uma familiaridade tão benévola, que me senti
agradavelmente reconfortado. Com eles deixei o meio onde desencarnara e onde me
conservara até aquele momento. Pareceu-me nebulosa a paisagem que atravessei;
mas dentro dessa meia obscuridade, fui conduzido a um lugar onde vi reunidos
numerosos Espíritos, entre os quais muitos havia que eu conhecera em vida e que
tinham morrido havia há algum tempo. . .
Notarei que no último parágrafo
do episódio precedente se encontra um outro dos detalhes secundários habituais,
que se diferenciam mais ou menos nas descrições de tantos Espíritos que se
comunicam. Esse detalhe achará sua razão de ser nas condições espirituais, bem
pouco evolvidas, do defunto autor da mensagem. Geralmente, nas de revelações
transcendentais, se lê que os Espíritos dos mortos entram num meio mais ou
menos radioso, onde são acolhidos pelos Espíritos de seus parentes. Aqui se vê,
ao contrário, que o Espírito comunicante se encontrou em um meio nuvioso, onde
foi acolhido amistosamente por dois Espíritos que lhe eram desconhecidos, mas
que guardavam afinidade com ele, do ponto de vista das condições espirituais. E
fácil de arguir que este aparente desacordo entre as primeiras impressões desse
Espírito desencarnado e outras muitas mais frequentes dependa da circunstancia
de que, como ele próprio o diz, se descuidara em vida de desenvolver em si o
elemento espiritual e que os Espíritos que lhe foram ao encontro se achavam nas
mesmas condições. Daí resultou que, pela lei de afinidade, um meio de luz não
se adaptava às condições transitórias, mas obscurecidas, de seus Espíritos.
De outro ponto de vista, notarei
que, também no episódio em apreço, o Espírito que se comunica afirma ter
sofrido a prova da visão panorâmica de seu passado, prova que, neste caso, em
vez de se desenrolar espontaneamente, em consequência de uma superexcitação sui generis das faculdades mnemônicas
(superexcitação produzida pela crise da agonia, ao que dizem as psicologistas),
pareceria antes provocada pelos guias espirituais, com o fim de predispor o
Espírito recém-chegado a uma espécie de exame de consciência.
Notarei, finalmente, que este
caso, ocorrido em 1857, já contém a narração de um incidente interessante de bilocação no leito de morte, seguido do
fenômeno consistente na situação que durante algum tempo o Espírito desencarnado
conservou, pairando por cima do cadáver. Frequentes incidentes análogos se
encontrarão nas comunicações da mesma natureza; com mais frequência ainda, são
sensitivos que, assistindo à morte de alguém, os descreverão segundo o que
perceberam. As obras espiritualistas estão cheias de episódios deste gênero, a
começar dos que foram descritos pelo famoso vidente Andrew Jackson Davis [ver
neste blog, Descrição da Morte por A. Jackson
Davis, postado em 31/07/2016] e pelo juiz Edmonds, até aos que chegaram ao Rev.
William Stainton Moses e à governante inglesa (enfermeira diplomada) Mrs. Joy
Snell, que, ultimamente, assistiu à produção de fenômenos desta espécie durante
uns vinte anos. Ora, quem não vê que o fato das afirmações de videntes,
concordantes de modo admirável com o que narram os próprios Espíritos
desencarnados, tem inegável importância, uma vez que se confirmam mutuamente?
E também, com relação a esta
ordem de incidentes, é muito comum que o médium escrevente, ou o sensitivo
vidente, estejam na mais completa ignorância acerca da existência de tais
fenômenos e da maneira por que se produzem no leito de morte. E como o caso com
que acabamos de ocupar-nos remonta a 1857, isto é, aos começos do movimento Espírita,
tudo contribui para que se suponha que nesta circunstância o médium e os assistentes
ignoravam tudo do que concerne aos fenômenos de bilocação em geral e,
sobretudo, à maneira por que se dão com os moribundos.
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