Ermance Dufaux
Para nos melhorarmos, outorgou-nos Deus, precisamente, o de que
necessitamos e nos basta a voz da consciência e as tendências instintivas.
Priva-nos do que nos seria prejudicial.
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. V, Item 11
Será muito útil à comunidade
espírita um maior empenho em seus grupamentos no entendimento do tema reforma
íntima. Apesar dos debates assíduos, observa-se ainda uma lacuna no apontamento
de caminhos pelos quais se possa encetar um programa de melhoria pessoal. Mesmo
sensibilizados para sua importância, pergunta-se: como fazer reforma íntima?
O primeiro passo a mais amplos
resultados nesse campo será possuir a noção bem clara do que seja essa proposta
no terreno individual. Propomos então uma releitura de sua conceituação em
favor da oxigenação de nossas ideias.
Associa-lhe, comumente, a ideia
de anulação de sentimentos, negação de impulsos ou eliminação de tendências;
ideias que, se não forem sensatamente exploradas, poderão tecer uma vinculação
mental ao obsoleto bordão do “pecado original”, uma cultura diametralmente
incoerente com a lógica espírita. Essa vinculação conduz-nos a priorizar a
repressão como sistema de mudança, ou seja, a violentação do mundo íntimo,
gerando um estado compulsivo de conflito e pressão psíquica, uma “tortura
interior”. Esse sistema de inaceitação é caracterizado, quase sempre, pela
ansiedade em aplacar sentimentos de culpa, uma fuga que declara a condição
íntima de indignidade pelo fato de sentir, fazer ou pensar em desacordo com o que
aprendemos nos lúcidos conteúdos da Doutrina.
A culpa não renova, limita. Não
educa, contém.
A culpa nasce no ato de avaliar
o direito natural de errar como sendo um Pedro que merece ser castigado, uma
estrutura mental condicionada que carece de reeducação a fim de atingir o
patamar de uma relação pacífica conosco mesmo.
Reforma íntima não é ser contra
nós. Não é reprimir, e sim educar. Não é exterminar o mal em nós, e sim
fortalecer o bem que está adormecido na consciência.
A palavra educação, que vem do
latim educere, significa tirar de
dentro para fora, renovar é extrair da alma os valores divinos que recebemos
quando formos criados.
Educação é disciplina com
consentimento íntimo, fruto de um acordo conosco celebrado em harmonia, bem
distante dos quadros torturantes de neurose e severidade consigo.
Claro que, para se educar é
preciso controle, tendo em vista os hábitos que arregimentamos nas vidas
sucessivas. Entretanto, muitos discípulos permanecem apenas nesse estágio,
definindo seu crescimento espiritual pela quantidade de realizações a que se
devota por fora, quando o crescimento pessoal só encontra medidas reais nos
recessos do sentimento. Menos contenção e mais conscientização, eis a linha
natural de aprender a “dar ouvido” aos alvitres do bem divino que retumbam qual
eco de Deus na nossa intimidade.
O conjunto dos ensinos espíritas
é um roteiro completo para todos os perfis de necessidades no aperfeiçoamento
da humanidade. Tomar todo esse conjunto como regras para absorção instantânea é
demonstrar uma visão dogmática de crescimento, gerando aflições e temores,
perfeccionismo e ansiedade, que são desnecessários no aproveitamento das
oportunidades.
Reforma íntima é ser melhor hoje
em relação ao ontem, e jamais deixar arrefecer o desejo de ser um tanto melhor
amanhã em relação ao hoje. Basta-nos aprender a ouvir a consciência e a estudar
nossos instintos. Reforma é um trabalho processual.
A esse respeito, assim se pronuncia a Equipe Verdade:
“Conhece bem pouco os homens
quem imagine que uma causa qualquer os possa transformar como que por encanto.
As ideias só pouco a pouco se modificam, conforme os indivíduos, e preciso é
que algumas gerações passem, para que se apaguem totalmente os vestígios dos
velhos hábitos. A transformação, pois, somente com o tempo, gradual e
progressivamente, se pode operar[2]”.
Se conseguirmos assimilar essa
definição na rotina dos dias, certamente estaremos nos beneficiando amplamente
por entendermos que ninguém pode fazer mais que o suportável, sendo inútil
acumular sofrimentos para manter metas não alcançáveis por agora. Exigir de si
mais que o possível é dar espaço para tornarmo-nos ansiosos ou desanimados.
Valorizemos com otimismo e aceitação o que temos condição de fazer para ser
melhor, mas jamais deixemos de aferir sinceramente, em nosso próprio favor, se
não estamos sob o fascínio do desculpismo e da fuga, e procuremos a cada dia
fazer algo mais pelo bem de nós próprios e do próximo.
[1] Reforma sem Martírio – Wanderley S. de Oliveira
[2] O Livro dos
Espíritos – Questão 800.
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