terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Fenômeno de Transfiguração[1]

 
Extraímos o seguinte fato de uma carta que nos foi escrita em setembro de 1857, por um de nossos correspondentes de Saint-Etienne. Após referir-se a diversas comunicações de que foi testemunha, acrescenta:
“Dá-se um fato extraordinário numa família de nossos arredores. Das mesas girantes passou-se à poltrona que fala; depois um lápis foi ligado ao pé dessa poltrona e ela indicou a psicografia; praticaram-na durante muito tempo, mais como brincadeira do que como coisa séria. Por fim a escrita designou uma das moças da casa, ordenando que lhe passassem as mãos sobre a cabeça depois que a fizessem deitar; ela adormeceu quase imediatamente e, depois de um certo número de experiências, transfigurou-se: tomava os traços, a voz e os gestos de parentes mortos, dos avós que não havia conhecido e de um irmão falecido há alguns meses. Essas transfigurações ocorriam sucessivamente numa mesma sessão.
Disseram-me que ela falava um dialeto que não é mais o do nosso tempo, pois não conheço nem o antigo, nem o atual. O que posso afirmar é que numa sessão onde havia tomado a aparência do irmão, vigoroso e decidido, essa mocinha de treze anos deu-me um rude aperto de mão.
Esse fenômeno repete-se constantemente, da mesma maneira, há dezoito meses, mas somente hoje produziu-se espontânea e naturalmente, sem imposição das mãos”.
Apesar de bastante raro, esse estranho fenômeno não é excepcional; já nos falaram de diversos fatos semelhantes e nós mesmos fomos testemunhas de algo parecido em sonâmbulos no estado de êxtase e até nos extáticos que não se encontravam em estado sonambúlico. Além disso, é certo que emoções violentas operam sobre a fisionomia uma mudança que lhe dá uma expressão completamente diferente daquela do estado normal. Não vemos, do mesmo modo, criaturas cujos traços móveis se prestam à vontade a modificações que lhes permitem tomar a aparência de outras pessoas? Por aí se vê que a rigidez da face não é tal que não possa prestar-se a modificações passageiras mais ou menos profundas, e não há nada de surpreendente que um fato semelhante possa ocorrer neste caso, embora, talvez, por uma causa independente da vontade.
A propósito, eis as respostas que foram dadas por São Luís no dia 25 de fevereiro último, em sessão da Sociedade:
1. O caso da transfiguração de que acabamos de falar é real?
– Sim.
2. Nesse fenômeno existe um efeito material?
– O fenômeno da transfiguração pode ocorrer de modo material, a tal ponto que nas diferentes fases em que se apresenta poderia ser reproduzido em daguerreotipia.
3. Como se produz esse efeito?
– A transfiguração, como o entendeis, nada mais é que uma modificação da aparência, uma mudança ou uma alteração das feições que pode ser produzida pela ação do próprio Espírito sobre o seu envoltório ou por uma influência exterior. O corpo não muda jamais; todavia, em consequência de uma contração nervosa, adquire aparências diversas.
4. Pode acontecer sejam os espectadores enganados por uma falsa aparência?
– Pode também acontecer que o perispírito represente o papel que conheceis. No fato citado houve contração nervosa e a imaginação o aumentou bastante. Aliás, esse fenômeno é muito raro.
5. O papel do perispírito seria análogo ao que se passa no fenômeno de bicorporeidade?
– Sim.
6. Então, nos casos de transfiguração é necessário que haja o desaparecimento do corpo real, a fim de que os espectadores não vejam senão o perispírito sob uma forma diferente?
– Não propriamente desaparecimento físico e sim oclusão. Entendei-vos sobre as palavras.
7. Parece resultar do que acabais de dizer que no fenômeno da transfiguração podem ocorrer dois efeitos: 1º – Alteração dos traços do corpo real em consequência de uma contração nervosa; 2º – Aparência variável do perispírito, tornado visível. É assim que devemos entender?
– Certamente.
8. Qual a causa primeira desse fenômeno?
– A vontade do Espírito.
9. Todos os Espíritos podem produzi-lo?
– Não; nem sempre os Espíritos podem fazer o que querem.
10. Como explicar a força anormal dessa mocinha, transfigurada na pessoa de seu irmão?
– Não possui o Espírito uma grande força? Aliás, é a do corpo em seu estado normal.
Observação – Esse fato nada tem de surpreendente. Muitas vezes vemos pessoas muito fracas dotadas momentaneamente de uma força muscular prodigiosa, devido a uma superexcitação.
11. No fenômeno da transfiguração, já que o olho do observador pode ver uma imagem diferente da realidade, dar-se-á o mesmo em certas manifestações físicas? Por exemplo, quando uma mesa se ergue sem contato das mãos e a vemos acima do solo, é realmente a mesa que se deslocou?
– Ainda o perguntais?
12. Quem a levanta?
– A força do Espírito.
Observação – Esse fenômeno já foi explicado por São Luís e tal questão já foi tratada de modo completo nos números de maio e junho de 1858 (vide Revista Espírita), a propósito da teoria das manifestações físicas. Foi-nos dito, neste caso, que a mesa ou qualquer outro objeto que se move é animada de uma vida factícia momentânea, que lhe permite obedecer à vontade do Espírito.
Certas pessoas quiseram ver no fato uma simples ilusão de óptica que, por uma espécie de miragem, as fariam ver uma mesa no espaço, quando realmente estava no solo. Se assim fosse, não seria menos digna de atenção. É curioso que aqueles que desejam contestar ou denegrir os fenômenos espíritas os expliquem por causas que, elas mesmas, seriam verdadeiros prodígios e igualmente difíceis de compreender. Ora, por que tratar o assunto com tanto desdém? Se a causa que apontam é real, por que não as aprofundam? O físico procura conhecer a razão do menor movimento anormal da agulha imantada; o químico, a mais ligeira mudança na atração muscular[2]; por que, então, se veria com indiferença fenômenos tão estranhos como esses de que falamos, ainda que resultassem de um simples desvio do campo visual ou de uma nova aplicação das leis conhecidas? Isso não tem lógica.
Certamente não seria impossível que, por um efeito de óptica semelhante ao que nos permite ver um objeto dentro d'água mais alto do que realmente está, por causa da refração dos raios luminosos, uma mesa nos aparecesse no espaço quando na verdade estaria no chão. Entretanto, há um fato que resolve peremptoriamente a questão: é quando a mesa cai bruscamente no solo e quando se quebra; isso não nos parece uma ilusão de óptica.
Mas voltemos à transfiguração.
Se uma contração muscular pode modificar a fisionomia, não o será senão dentro de certos limites; mas certamente se uma mocinha toma a aparência de um velho, nenhum efeito fisiológico lhe faria nascer a barba. É preciso, pois, buscar sua causa alhures. Se nos reportarmos ao que dissemos anteriormente sobre o papel do perispírito em todos os fenômenos de aparição, mesmo de pessoas vivas, compreenderemos que aí se encontra a chave do fenômeno da transfiguração. Com efeito, desde que o perispírito pode isolar-se do corpo e tornar-se visível; que, por sua extrema sutileza, pode adquirir diversas aparências, conforme a vontade do Espírito, concebe-se sem dificuldade que assim ocorra com uma pessoa transfigurada: o corpo continua o mesmo; somente o perispírito mudou de aspecto. Mas, perguntarão, em que se transforma o corpo? Por que razão o observador não vê uma imagem dupla, a saber, de um lado o corpo real e do outro o perispírito transfigurado? Fatos estranhos, dos quais em breve falaremos, provam que o corpo real pode, de alguma sorte, ser velado pelo perispírito, em consequência da fascinação que em tais circunstâncias se opera no observador.
O fenômeno que é objeto deste artigo já nos havia sido comunicado há muito tempo e, se dele ainda não havíamos falado, é por não ser nossa intenção fazer desta Revista um simples catálogo de fatos destinados a alimentar a curiosidade, uma árida compilação sem apreciação nem comentários. Nossa tarefa seria muito fácil, e nós a levamos mais a sério. Antes de tudo, dirigimo-nos aos homens de raciocínio, aos que, como nós, querem conhecer as coisas, pelo menos daquilo que nos é possível. Ora, ensinou-nos a experiência que os fatos, por mais estranhos e multiplicados sejam, de forma alguma são elementos de convicção; e o serão tanto menos quanto mais estranhos forem. Quanto mais extraordinário é um fato, tanto mais anormal nos parece e menos dispostos nos encontramos em dar-lhe crédito. Queremos ver e, quando vemos, ainda duvidamos; desconfiamos da ilusão e das conivências. Já não é assim quando encontramos uma causa plausível para os fatos. Todos os dias vemos pessoas que outrora atribuíam os fenômenos espíritas à imaginação e à credulidade cega e que hoje são adeptos fervorosos, precisamente porque agora esses fenômenos não lhes repugnam a razão; explicam-nos, compreendem a sua possibilidade e neles creem, mesmo sem os ter visto. Antes de falar de certos fatos, tivemos de esperar que os princípios fundamentais estivessem suficientemente desenvolvidos, a fim de compreender suas causas. O da transfiguração está nesse número.
Para nós, o Espiritismo é mais do que uma crença: é uma Ciência; e nos sentimos felizes por ver que nossos leitores nos compreenderam.


[1] Revista Espírita – Março/1859 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Attraction musculaire, no original. O correto seria atração molecular.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Meimei[1]

 


Seu nome de batismo, aqui na terra, foi Irma Castro.
Nasceu a 22 de outubro de 1922, em Mateus Leme - MG. Aos 2 anos de idade, transferiu-se para Itaúna-MG com a família, composta pelo pai, mãe e quatro irmãos: Ruth, Carmen, Alaíde e Danilo. Os pais eram Adolfo Castro e Mariana Castro. Com 5 anos, ficou órfã de pai.
Meimei foi desde criança diferente de todos pela sua beleza física e inteligência invulgar.
Era alegre, comunicativa, espirituosa, espontânea.
O convívio com ela, em família, foi para todos uma dádiva do Céu. Cursou com facilidade o curso primário, matriculando-se, depois, na Escola Normal de Itaúna; porém, a moléstia que sempre a perseguia desde pequena – nefrite – manifestou-se mais uma vez quando cursava, com brilhantismo, o 2º ano Normal. Sendo a primeira aluna da classe, teve de abandonar os estudos. Mas muito inteligente e ávida de conhecimentos, foi apurando sua cultura através da boa leitura, fonte de burilamento do seu Espírito. Onde quer que aparecesse, era admirada por todos.
Irradiava beleza e encantamento, atraindo a atenção de quem a conhecesse. Ela, no entanto, modesta, não se orgulhava dos dotes que Deus lhe dera. Profundamente caridosa, aproximava-se dos humildes com a esmola que podia oferecer ou uma palavra de carinho e estímulo. Pura, no seu modo simples de ser e proceder, não era dada a conquistas próprias da sua idade, apesar de ser extremamente bela. Pertencia à digna sociedade de Itaúna.
Algum tempo depois, transferiu-se para Belo Horizonte, em companhia de uma das irmãs, Alaíde, a fim de arranjar colocação. Estava num período bom de saúde, pois a moléstia de que era portadora ia e vinha, dando-lhe até, às vezes, a esperança de que havia se curado. Foi nessa época que conheceu Arnaldo Rocha, com quem se casou aos 22 anos. Viviam um lindo sonho de amor que durou 2 anos apenas, quando adoeceu novamente.
Esteve acamada três meses, vítima da pertinaz doença – nefrite crônica. Apesar de todos os esforços e desvelos do esposo, cercada de médicos, veio a falecer no dia 1º de outubro de 1946, em Belo Horizonte.
Logo depois, seu Espírito já esclarecido começou a manifestar-se através de mensagens psicografadas por Francisco Cândido Xavier e prossegue nessa linda missão de esclarecimento e consolo, em páginas organizadas em várias obras mediúnicas, que têm se espalhado por todo o Brasil e até além das nossas fronteiras.
Seu nome Meimei (expressão chinesa, que significa "amor puro"), agora tão venerado como um Espírito de Luz foi lhe dado em vida, carinhosamente, pelo esposo Arnaldo Rocha.




sábado, 25 de fevereiro de 2017

Um carrum navalis em que a carne nada vale[1]



 
 JORGE HESSEN - jorgehessen@gmail.com


              Carnaval é um termo procedente de uma festa romana e egípcia em homenagem ao Deus Saturno, quando carros alegóricos (a cavalo) desfilavam com homens e mulheres. Eram os carrum navalis, daí a origem da palavra "carnaval". Há também quem interprete a palavra conforme as primeiras sílabas das palavras da frase: carne nada vale. Como festa popular, poderia ser um acontecimento “cultural” presumível, não fossem os excessos cometidos em nome da “alegria”. Quando se pretende alcançar essa “alegria” através do prazer desregrado e dos excessos de toda ordem, o resultado é a insatisfação íntima, o vazio interior provocado pelo desequilíbrio moral e espiritual.
  Não fossem os excessos, o carnaval, como festival de nexo sociorracial, poderia tornar-se um acontecimento relativamente admissível; obviamente, não admitir isso seria incidir em inadvertência de intransigência. Entretanto, é urgente o lembrete de André Luiz para que o Espírita “afaste-se de festas lamentáveis, como as que assinalam a passagem do CARNAVAL, inclusive as que se destaquem pelos excessos de gula, desregramento ou manifestações exteriores espetaculares. Pois que a verdadeira alegria não foge da temperança”[2]. (Grifamos.)
 É o momento em que o Espírito humano normalmente exterioriza o que há de mais profundo, de mais primitivo em si mesmo. Historicamente temos observado que a ebulição momesca é evento que carrega, em si, a carga da barbárie e do primitivismo que ainda reina entre nós, os encarnados, marcados pelas paixões do prazer violento. Em face disso costuma ser chamado de “folia”, que vem do francês “folie”, que significa loucura ou extravagância.
 As consequências dos exageros momescos
 Já "foi um dia a comemoração dos povos guerreiros, festejando vitórias; foi reverência coletiva ao deus Dionísio, na Grécia clássica, quando a festa se chamava  bacanalia; na velha Roma dos césares, fortemente marcada pelo aspecto pagão, chamou-se  saturnalia e, nessas ocasiões, imolava-se uma vítima humana"[3].  
 Nos dias conturbados de hoje, sabe-se que "(...) de cada dez casais que caem juntos na folia, sete terminam a noite brigados (cenas de ciúme etc.); que, desses mesmos dez casais, posteriormente, seis se transformam em adultério, cabendo uma média de três para os homens e três para as mulheres (por exemplo); que, de cada dez pessoas (homens e mulheres, no caso) no carnaval, pelo menos sete se submetem espontaneamente a coisas que normalmente abominam no seu dia a dia, como álcool, entorpecente etc. Dizem, ainda, que tudo isso decorre do êxtase atingido na Grande Festa, quando o símbolo da liberdade, da igualdade, mas, também, da orgia e depravação, somadas ao abuso do álcool, levam as pessoas a se comportarem fora do seu normal (...)"[4].
 O Espírito Emmanuel adverte: "Ao lado dos mascarados da pseudoalegria, passam os leprosos, os cegos, as crianças abandonadas, as mães aflitas e sofredoras (...). Enquanto há miseráveis que estendem as mãos súplices, cheios de necessidades e de fome, sobram as fartas contribuições para que os salões se enfeitem”[5].
 Quando nos damos aos exageros de toda sorte, as influências perniciosas se intensificam e, muitas vezes, deixamo-nos dominar por Espíritos maléficos, ocasionando os infelizes fatos de todos os tipos de violências. Nesse cenário, os obsessores "influenciam, durante o Carnaval, os incautos que se deixam arrastar pelas paixões de Momo, impelindo-os a excessos lamentáveis, comuns por essa época do ano, e através dos quais eles próprios, os Espíritos, se locupletam de todos os gozos e desmandos materiais, valendo-se, para tanto, das vibrações viciadas e contaminadas de impurezas dos mesmos adeptos de Momo, aos quais se agarram”[6].
É válido fechar o centro espírita nos dias de carnaval?
 Portanto, além da companhia de encarnados, vincula-se a nós uma inumerável legião de seres invisíveis, recebendo deles boas e más influências a depender da faixa de sintonia em que nos encontremos. As tendências ao transtorno comportamental de cada um, e a correspondente impotência ou apatia em vencê-las, são qual ímã que atrai os Espíritos desequilibrados e fomentadores do descaso à dignidade humana, que, em suma, não existiriam se vivêssemos no firme propósito de educar as paixões instintivas que nos animalizam. Diante disso, Emmanuel ratifica a admoestação: "É lamentável que na época atual, quando os conhecimentos novos felicitam a mentalidade humana, fornecendo-lhes a chave maravilhosa dos seus elevados destinos, descerrando-lhes as belezas e os objetivos sagrados da Vida, se verifiquem excessos dessa natureza [CARNAVAL] entre as sociedades que se pavoneiam com os títulos da civilização”[7].  
 Outra questão: será válido fechar as portas dos centros espíritas nos dias de carnaval, ou mudar o procedimento das reuniões? 
 Existem alguns centros que fecham suas portas nos feriados do carnaval por vários motivos não razoáveis. Repensemos: uma pessoa com necessidades imediatas de atendimento fraterno, ou dos recursos espirituais urgentes em caso de obsessão, seria fraterno fazê-la esperar para ser atendida após as "cinzas", uma vez ocorrendo essa infelicidade em dia de feriado momesco? Convém lembrar que Jesus curava aos sábados, mesmo que o costume da época não permitisse. Por isso mesmo, Ele disse: "Por que não posso curar aos sábados se meu Pai trabalha sempre?"[8].
 O que o carnaval traz ao nosso Espírito?
 Os foliões inveterados alegam que o carnaval é um extravasador de tensões, liberando as energias... Todavia, no período carnavalesco, não encontramos diminuídas as taxas de agressividade e as neuroses. O que se vê é um verdadeiro somatório da violência urbana e de infelicidade familiar. As estatísticas registram como consequências do "reinado de Momo", por exemplo, gravidezes indesejadas e a consequente proliferação de abortos provocados, acidentes automobilísticos, aumento da criminalidade, estupros, suicídios, incremento do uso de diversas substâncias estupefacientes e de alcoólicos, assim como o surgimento de novos viciados, disseminação das doenças sexualmente transmissíveis (inclusive a AIDS) e as ulcerações morais, marcando, profundamente, certas almas desavisadas e imprevidentes.
 Os três dias de folia, assim, poderão se transformar em três séculos de penosas reparações. É bom pensarmos um pouco nisto: o que o carnaval traz ao nosso Espírito? Alegria? Divertimento? Cultura? Será que o apelo de Momo faz de nós homens ou mulheres melhores? Edifica o nosso Espírito? Muitos espíritas, ingenuamente, julgam que a participação nas festas de carnaval, tão do agrado dos brasileiros, nenhum mal acarreta à nossa integridade fisiopsicoespiritual. No entanto, por detrás da aparente alegria e transitória felicidade, revela-se o verdadeiro atraso espiritual em que ainda vivemos, pela explosão de animalidade que ainda impera em nosso ser. É importante lembrá-los de que há muitas outras formas de diversão, recreação ou entretenimento disponíveis ao homem contemporâneo, alguns verdadeiros meios de alegria salutar e aprimoramento (individual e coletivo), para nossa escolha.
 O espírito está pronto, mas a carne é fraca
 Não vemos, por fim, outro caminho que não seja o da "abstinência sincera dos folguedos", do controle das sensações e dos instintos, da canalização das energias, empregando o tempo de feriado do carnaval para a descoberta de si mesmo, o entrosamento com os familiares, o aprendizado através de livros e filmes instrutivos ou pela frequência a reuniões espíritas, eventos educacionais, culturais ou mesmo o descanso, já que o ritmo frenético do dia a dia exige, cada vez mais, preparo e estrutura físico-psicológica para os embates pela sobrevivência.
 Em síntese, se o carnaval é uma ameaça ao bem-estar social, nós espíritas temos muito a ver com ele, porque uma das tarefas primordiais de nossa Doutrina é a de lutar por dispositivos de preservação dos valores mais dignos da Sociedade, sem que se violente, obviamente, o direito soberano do livre-arbítrio de cada um, mas não nos esquecendo de que no carnaval sempre ocorre obsessão (espiritual) como resultado da invigilância e dos desvios morais. 
 Somente poderemos garantir a vitória do Espírito sobre a matéria se fortalecermos a nossa fé, renovando-nos mentalmente, praticando o bem nos moldes dos códigos evangélicos, propostos por Jesus Cristo, e não esquecendo os divinos conselhos do Mestre: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca''[9].  



[1] http://www.gostodeler.com.br/materia/14573/carnaval_carrum_navalis_ou_a_carne_nada_vale.html
[2] Vieira, Waldo.  Conduta Espírita, ditado pelo Espirito André Luiz, Rio de Janeiro: Ed FEB, 2001, cap.37 "Perante As Fórmulas Sociais"
[3] Artigo publicado na Revista Visão Espírita - Março de 2000
[4] São José Carlos Augusto. Carnaval: Grande Festa... De enganos! , Artigo publicado na Revista Reformador/FEB-Fev. 1983
[5] Xavier, Francisco Cândido. Sobre o carnaval, mensagem ditada pelo Espírito Emmanuel, fonte: Revista Reformador, Publicação da FEB fevereiro/1987
[6] Pereira, Yvonne A.  Devassando o Invisível, Rio de Janeiro: cap. V, edição da FEB, 1998
[7] Idem.
[8] João 5:17.
[9] Mt 26:41

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

O que procede do Coração[1]


Ermance Dufaux


“Escutai e compreendei bem isto: – Não é o que entra na boca que macula o homem; o que sai da boca do homem é que o macula. – O que sai da boca procede do coração e é o que torna impuro o homem”.
Mateus, 15:11
O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO – Cap. VIII, Item 8

 
Dentre os velhos inimigos a burilar na caminhada educativa, as tendências que assinalam nosso estágio de aprendizado espiritual constituem fortes impulsos da alma que desviam o ser de seu trajeto natural na aquisição das virtudes.

Tendências são inclinações, pendores que determinam algumas características comportamentais da personalidade. Muitas delas foram adquiridas em várias etapas reencarnatórias e sedimentam o sistema de valores, com o qual a criatura faz suas escolhas na rotina da existência.

Entre essas inclinações, vamos encontrar a adoração exterior como sendo hábito profundamente arraigado na mente determinando forte vocação para a ritualização, o místico e a valorização de tradições religiosas, através da qual o homem faz seu encontro com Deus.

Muito natural que nos dias atuais as manifestações exteriores em relação à divindade prevaleçam na humanidade terrena, considerando que o seu trajeto espiritual se encontra bem mais perto da animalidade que da angelitude.

Nesse sentido, é interessante analisar que, mesmo nas fileiras da doutrina da fé raciocinada, encontra-se a maioria de seus adeptos engalfinhados em vigorosas reminiscências que fizeram parte das movimentações da alma nas vivências das religiões tradicionais. Atrofiamento do raciocínio, supervalorização dos valores institucionais, engessamento de conceitos, sensação de missionarismo religioso, atitude de supremacia da verdade, idolatria a seres “superiores”, submissão de conveniência a líderes, relação de absolvição ou penitência com práticas espíritas, desvalorização de si mesmo em razão da condição de pecador, condutas puritanas perante a sociedade e seus costumes, cultivo de comportamentos moralistas, confusão entre pureza exterior e renovação íntima, essas são algumas tendências que se apresentam junto aos nossos celeiros espíritas, remanescentes de fortes condicionamentos psíquicos.

Semelhantes caracteres imprimiram um padrão de práticas e conceitos no movimento espírita que, de alguma forma, estipulam referências a serem adotadas pelos seus seguidores.

Com todo respeito à fraternidade, necessitamos urgentemente ter a coragem de avaliar com sinceridade as influências “éticas” perniciosas dessas tendências no quadro de nossas vivências espiritistas. São reflexos inevitáveis do crescimento evolutivo que ninguém pode negar, mas daí a aceita-las sem quaisquer esforços de melhoria, é conivência e pusilanimidade. Torná-las uma referência religiosa pela qual se deva reconhecer o verdadeiro seguidor do Espiritismo é uma atitude recheada de ancestralismo e hipocrisia.

A comunidade espírita, que tantas benfeitorias tem prestado ao mundo, carece de uma reavaliação global em sua estrutura no que tange à noção de comprometimento. Convém que os líderes mais sensibilizados instiguem a formação da cultura da franqueza com fraternidade e clareza, no intuito de estabelecer uma oxigenação na sementeira para obtenção de mais qualidades nos frutos.

Muitos companheiros, os quais merecem nossa compreensão, costumam disseminar a concepção de que tudo deve correr conforme os acontecimentos, e justificam-se com a frase: “se fazendo assim está dando certo, porque mudar?” Em verdade, o que deveríamos pensar é: se fazendo assim estamos colhendo algo, então quanto não colheríamos se fizéssemos melhor, se nos abríssemos às renovações que a hora reclama?!!

Há uma acomodação lamentável que precisa ser aferida. A noção espírita de comprometimento foi acintosamente assaltada pelas velhas tendências de conseguir o máximo fazendo o mínimo. É a devoção exterior, a influência marcante da personalidade impregnada de religiosismo estéril querendo tomar conta da cabeça e do coração daqueles que estão sendo chamados a novos e mais altaneiros compromissos, na espiritualização de si mesmo e da comunidade onde floresceram.

Frágil padrão de validação da conduta espírita tem tomado conta dos costumes entre os idealistas. Enraizou-se o axioma “espírita faz isso e não faz aquilo” que tenta enquadrar o valor das ações em estereótipos de insustentável bom senso. Estereótipos, como seria óbvio, que sofrem as fantasias do “homem velho” habituado a sempre rechear com facilidades os seus caminhos em direção ao Pai, a fim de não ter que se enfrentar e assumir a árdua batalha contra suas ilusões enfermiças.

É assim que vamos notando uma supervalorização das coisas, como a não adoção de alimentação carnívora, a impropriedade de não frequentar certos ambientes sociais, a fuga da ação política, a análise da vida dissociada das ciências e conquistas humanas, a interminável procura do passe como instrumento de melhoria espiritual ao longo de anos a fio, não chorar em velórios, distanciamento da riqueza como se fosse um mal em si mesma, cenho carregado como sinônimo de responsabilidade, silêncio tumular nos ambientes espíritas. Se fumar, não é espírita; se separar matrimonialmente, tem a reencarnação fracassada; se ingerir alcoólicos, não pode ser considerado alguém em reforma; se for homossexual, não pode entrar no centro; e assim prosseguem as idiossincrasias que são estipuladas umas aqui, outras acolá.

Absolutamente não devemos desprezar o valor de todas essas questões, quando bem orientadas para o bom senso e a lógica. Entretanto, nenhuma dessas posturas é referência segura sobre a qualidade de nossos sentimentos, o que parte do coração. O que sai do coração e passa pela boca é o critério de validação de nossa realidade espiritual. Por ele se conhece a verdadeira pureza, a pureza interior que é determinada pela forma como sentimos a vida que nos rodeia. E sobre esse assunto só temos condições de avaliar o que se passa no nosso íntimo, jamais o que “sai” do coração do outro.

Sem dúvida alguma a pureza exterior pode ser um ensaio, um primeiro passo para o ingresso definitivo da Verdade em nosso coração. Todavia, amigos de ideal, pensemos se não estamos passando tempo demais na confortável zona do desculpismo, desejosos de facilitar para a consciência nossa noção sobre o que é “ser espírita”.

Quem muito recebeu, muito será pedido[2] . Em conclusão, comentamos que há muitos companheiros queridos do nosso ideário satisfeitos com o fato de apenas evitarem o mal, entretanto, estejamos alerta para a única referência ética que servirá a cada um de nós no reino da alma liberta da vida física: fazer todo o bem que pudermos no alcance de nossas forças[3] . Fora isso, somente trabalhando por uma imensa metamorfose nos reinos do coração de onde procedem todos os males.


[1] Reforma Íntima sem Martírio – Wanderley Soares de Oliveira
[2] LUCAS, 12:47 - 48.
[3] O LIVRO DOS ESPÍRITOS – Questão 770a.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A PARÁBOLA DA PÉROLA[1]

 


“O Reino dos Céus é semelhante a um negociante que buscava boas pérolas; e tendo achado urna de grande valor, foi vender tudo o que possuía e a comprou.”

(Mateus, XIII, 45 – 46.)
 

As pérolas constituem enfeites para a gente fina; são raras, por isso são caras. Quem possui grandes e finas pérolas possui tesouro, possui fortuna.
Além disso, são joias muito apreciadas no seu todo, pela sua estrutura, pela sua composição.
Os porcos não apreciam as virtudes das pérolas; preferem milho ou alfarrobas. Se lhes dermos pérolas, eles pisam-nas e submergem-nas no lamaçal em que vivem; por isso disse Jesus: Não deis pérolas aos porcos.
Certamente já havia o Senhor do Verbo Divino comparado o Reino dos céus a uma pérola de raro valor, quando propôs aquela recomendação a um discípulo que deliberara anunciar a sua Doutrina a um homem-suíno.
Na verdade, há homens que são Homens, e há homens que se parecem muito com suínos.
O suíno vive exclusivamente para o estômago e para a lama. Os homens suínos também vivem de lama e para o estômago. A estes as “pérolas” nada significam: as alfarrobas melhor lhes sabem.
O Reino dos Céus, nos tempos atuais, é incompatível com o Reino do Mundo.
Para a aquisição da pérola o homem vendeu tudo o que possuía; para a aquisição da Pérola do Reino dos Céus o homem precisa vender o Reino do Mundo.
Há Reino do Mundo, e há Reino dos Céus. Aquele desaparece com as revoluções, ao chamado da morte, ou o guante da miséria.
O Reino dos Céus permanece na alma daquele que souber possuí-lo.

[1] Parábolas e Ensinos de Jesus - Cairbar Schutel

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Computador que 'lê' pensamentos permite a pacientes com paralisia total se comunicar[1]


 
James Gallagher - Repórter de Saúde e Ciência da BBC News - 1 fevereiro 2017

 
Pacientes sem qualquer controle sobre seus corpos finalmente foram capazes de se comunicar, dizem cientistas.
Um computador foi usado para "ler" seus pensamentos em busca de respostas básicas como "sim" e "não" - inclusive, um dos participantes do estudo se recusou diversas vezes a dar permissão para que sua filha casasse.
O estudo, realizado na Suíça e divulgado no periódico científico PLOS Biology, indicou que a técnica trouxe uma grande melhora para a vida dos quatro pacientes que testaram a tecnologia.
Eles têm esclerose lateral amiotrófica em estágio avançado, e seus cérebros perderam a capacidade de controlar os músculos. Isso os deixou presos em seus corpos. Eles são capazes de pensar, mas não se movem ou falam.
Muitas vezes nesses casos, é possível desenvolver formas de comunicação com base nos movimentos dos olhos. Mas todos os pacientes da pesquisa realizada pelo Wyss Center não conseguiam fazer nem mais isso.
 
Sinais
A atividade das células cerebrais muda os níveis de oxigênio do corpo, alterando assim a cor do sangue.
Os cientistas conseguiram detectar a coloração sanguínea no interior do cérebro por meio de uma técnica chamada espectroscopia de infravermelho.
Eles fizeram então perguntas de respostas tipo "sim" e "não", tipo "O nome de seu marido é Joaquim?", para treinar o computador na interpretação dos sinais cerebrais.
A precisão do sistema chegou a 75%, o que significa que os pacientes precisam ser questionados várias vezes para se ter certeza de suas respostas.
"Isso faz uma diferença enorme em sua qualidade de vida", diz o pesquisador Ujwal Chaudhary, um dos cientistas que participou do estudo.
"Imagine se você não tem nenhuma forma de se comunicar e passa a poder dizer 'sim' ou 'não'. O impacto é enorme."
Em um dos casos, a filha de um paciente pediu benção de seu pai para se casar com o namorado. Mas oito das dez respostas foram negativas.
"Não sabemos por que ele disse 'não'. Mas ela se casou mesmo assim", diz Chaudhary.
Essa forma de comunicação está sendo usada para fins mais práticos ligados ao dia a dia, como para saber se um paciente está sentindo dor ou quer receber uma visita da família.
"Se uma pessoa está totalmente presa em seu corpo, isso liberta sua mente e permite que ela interaja com o mundo à sua volta", diz John Donoghue, diretor do Wyss Center. "Isso é incrível."


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Fenômeno de Bicorporeidade[1]

 


Um dos membros da Sociedade nos dá ciência de uma carta de um de seus amigos de Boulogne-sur-Mer, datada de 26 de julho de 1856, na qual se lê a seguinte passagem:
“Desde que o magnetizei por ordem dos Espíritos, meu filho tornou-se um médium muito raro: pelo menos foi o que me revelou no estado sonambúlico no qual eu o havia posto, atendendo ao pedido seu de 14 de maio último, e quatro ou cinco vezes depois.
Para mim é fora de dúvida que, desperto, meu filho conversa livremente com os Espíritos que deseja, por intermédio de seu guia, que chama familiarmente de seu amigo; que se transporta à vontade em Espírito aonde deseja. Vou citar um fato cujas provas escritas tenho em mãos.
Há exatamente um mês estávamos os dois na sala de jantar. Eu lia o curso de magnetismo do Sr. Du Potet quando meu filho pegou o livro e o folheou; chegando num certo trecho, seu guia lhe disse ao ouvido: Lê isso. Era a aventura de um médico da América, cujo Espírito tinha visitado um amigo que dormia, a quinze ou vinte léguas de distância. Depois de o haver lido, disse: Bem que gostaria de fazer uma pequena viagem semelhante. – Pois bem! – disse o guia – Aonde queres ir?A Londres, para ver os amigos. – respondeu meu filho, designando os que desejava visitar.
Amanhã é domingo – foi a resposta – e não és obrigado a te levantares cedo para trabalhar. Dormirás às oito horas e irás viajar a Londres até às oito e meia. Na próxima sexta-feira receberás uma carta de teus amigos, censurando-te por haveres permanecido tão pouco tempo com eles.
Efetivamente, na manhã do dia seguinte, na hora indicada, ele adormeceu profundamente. Despertei-o às oito e meia: não se lembrava de nada; de minha parte não lhe disse uma só palavra, aguardando os acontecimentos.
Na sexta-feira seguinte eu trabalhava em uma de minhas máquinas e, como de hábito, fumava, pois já havia almoçado; olhando a fumaça do cachimbo meu filho diz: – Olha! Há uma carta na fumaça. – Como vês uma carta na fumaça?Tu a verás – responde ele – pois eis que o carteiro a está trazendo.
Efetivamente, o carteiro veio entregar uma carta de Londres, na qual os amigos de meu filho o censuravam por não haver passado com eles senão alguns instantes, no domingo precedente, das oito às oito horas e meia, com uma porção de detalhes que seria longo demais repetir aqui, entre os quais o fato singular de ter almoçado com eles. Como disse, tenho a carta, a provar que nada inventei.”
Tendo sido narrado o fato acima, disse um dos assistentes que a História se reporta a diversos fatos semelhantes, e citou Santo Afonso de Liguori, canonizado antes do tempo requerido por se haver mostrado simultaneamente em dois lugares distintos, o que passou por milagre.
Santo Antônio de Pádua achava-se na Espanha[2] e, no instante em que predicava, seu pai, acusado de assassinato, ia ser supliciado em Pádua. Nesse momento aparece Antônio, demonstrando a inocência do pai e revelando o verdadeiro criminoso, que mais tarde sofreu o castigo. Foi constatado que no mesmo instante Santo Antônio pregava na Espanha.
Tendo sido evocado, dirigimos as seguintes perguntas a Santo Afonso de Liguori:
1. O fato pelo qual fostes canonizado é real?
Sim.
2. Esse fenômeno é excepcional?
Não; pode apresentar-se em todos os indivíduos desmaterializados.
3. Era motivo justo para vos canonizarem?
Sim, desde que por minha virtude, eu me havia elevado até Deus; sem isso não teria podido transportar-me simultaneamente para dois lugares diferentes.
4. Todos os indivíduos, nos quais se apresentam esses fenômenos, merecem ser canonizados?
Não, porque nem todos são igualmente virtuosos.
5. Poderíeis dar-nos a explicação desse fenômeno?
Sim. Quando o homem, por sua virtude, se acha completamente desmaterializado, quando elevou sua alma para Deus, pode aparecer em dois lugares ao mesmo tempo, do seguinte modo: sentindo vir o sono, pode o Espírito encarnado pedir a Deus para transportar-se a um lugar qualquer. Seu Espírito ou sua alma, como quiserdes chamá-lo, abandona então o corpo, seguido de uma parte de seu perispírito, deixando a matéria imunda num estado vizinho ao da morte. Digo vizinho da morte porque ficou no corpo um laço, ligando o perispírito e a alma à matéria, e esse laço não pode ser definido. O corpo então aparece no lugar desejado. Creio que é tudo quanto desejais saber.
6. Isso não nos dá a explicação da visibilidade e da tangibilidade do perispírito.
Achando-se o Espírito desprendido da matéria, conforme seu grau de elevação, pode tornar-se tangível à matéria.
7. Entretanto, certas aparições tangíveis de mãos e de outras partes do corpo pertencem, evidentemente, a Espíritos de ordem inferior.
São Espíritos superiores que se servem dos inferiores, a fim de provarem o fenômeno.
8. O sono do corpo é indispensável para que o Espírito apareça em outros lugares?
A alma pode dividir-se quando se sente transportada a um lugar diferente daquele onde se acha o seu corpo.
9. Estando mergulhado em sono profundo, enquanto seu Espírito aparece alhures, o que aconteceria a um homem que fosse subitamente despertado?
Isso não ocorreria, porque se alguém tivesse a intenção de despertá-lo, o Espírito retornaria ao corpo, pois, lendo o pensamento, saberia prever essa situação.
Tácito refere um fato análogo[3]:
“Durante os meses que Vespasiano passou em Alexandria, aguardando a volta dos ventos estivais e da estação em que o mar oferece segurança, muitos prodígios ocorreram, pelos quais se manifestaram a proteção do céu e o interesse que os deuses tomavam por aquele príncipe...
Esses prodígios redobraram o desejo, que Vespasiano alimentava, de visitar a sagrada morada do deus, para consulta-lo sobre as coisas do Império. Ordenou que o templo se conservasse fechado para quem quer que fosse e, tendo nele entrado, estava todo atento ao que ia dizer o oráculo, quando percebeu, por detrás de si, um dos mais eminentes egípcios, chamado Basílide, que ele sabia estar doente, em lugar distante muitos dias de Alexandria.
Inquiriu dos sacerdotes se Basílide viera naquele dia ao templo; inquiriu dos transeuntes se o tinham visto na cidade; por fim, despachou alguns homens a cavalo, para saberem de Basílide e veio a certificar-se de que, no momento em que este lhe aparecera, estava a oitenta milhas de distância. Desde então, não mais duvidou de que tivesse sido sobrenatural a visão, e o nome de Basílide lhe ficou valendo por um oráculo”. (Tácito: Histórias, liv. IV, caps. 81 e 82. Tradução de Burnouf).
Desde que essa comunicação nos foi feita, diversos fatos do mesmo gênero, cuja fonte é autêntica, foram-nos relatados e, entre eles, existem alguns muito recentes, que por assim dizer ocorreram em nosso meio e se apresentaram nas mais singulares circunstâncias. As explicações às quais deram lugar alargaram o campo das observações psicológicas de maneira extraordinária.
A questão dos homens duplos, outrora relegada entre os contos fantásticos, parece ter, assim, um fundo de verdade.




[1] Revista Espírita – Dezembro/1858 – Allan Kardec
[2] N. do T.: Na verdade, Santo Antônio pregava na Itália, no instante em que seu pai ia ser supliciado em Portugal (Lisboa).
[3] N. do T.: Vide O Livro dos Médiuns – Segunda Parte – capítulo VII – item 120.