sábado, 25 de fevereiro de 2017

Um carrum navalis em que a carne nada vale[1]



 
 JORGE HESSEN - jorgehessen@gmail.com


              Carnaval é um termo procedente de uma festa romana e egípcia em homenagem ao Deus Saturno, quando carros alegóricos (a cavalo) desfilavam com homens e mulheres. Eram os carrum navalis, daí a origem da palavra "carnaval". Há também quem interprete a palavra conforme as primeiras sílabas das palavras da frase: carne nada vale. Como festa popular, poderia ser um acontecimento “cultural” presumível, não fossem os excessos cometidos em nome da “alegria”. Quando se pretende alcançar essa “alegria” através do prazer desregrado e dos excessos de toda ordem, o resultado é a insatisfação íntima, o vazio interior provocado pelo desequilíbrio moral e espiritual.
  Não fossem os excessos, o carnaval, como festival de nexo sociorracial, poderia tornar-se um acontecimento relativamente admissível; obviamente, não admitir isso seria incidir em inadvertência de intransigência. Entretanto, é urgente o lembrete de André Luiz para que o Espírita “afaste-se de festas lamentáveis, como as que assinalam a passagem do CARNAVAL, inclusive as que se destaquem pelos excessos de gula, desregramento ou manifestações exteriores espetaculares. Pois que a verdadeira alegria não foge da temperança”[2]. (Grifamos.)
 É o momento em que o Espírito humano normalmente exterioriza o que há de mais profundo, de mais primitivo em si mesmo. Historicamente temos observado que a ebulição momesca é evento que carrega, em si, a carga da barbárie e do primitivismo que ainda reina entre nós, os encarnados, marcados pelas paixões do prazer violento. Em face disso costuma ser chamado de “folia”, que vem do francês “folie”, que significa loucura ou extravagância.
 As consequências dos exageros momescos
 Já "foi um dia a comemoração dos povos guerreiros, festejando vitórias; foi reverência coletiva ao deus Dionísio, na Grécia clássica, quando a festa se chamava  bacanalia; na velha Roma dos césares, fortemente marcada pelo aspecto pagão, chamou-se  saturnalia e, nessas ocasiões, imolava-se uma vítima humana"[3].  
 Nos dias conturbados de hoje, sabe-se que "(...) de cada dez casais que caem juntos na folia, sete terminam a noite brigados (cenas de ciúme etc.); que, desses mesmos dez casais, posteriormente, seis se transformam em adultério, cabendo uma média de três para os homens e três para as mulheres (por exemplo); que, de cada dez pessoas (homens e mulheres, no caso) no carnaval, pelo menos sete se submetem espontaneamente a coisas que normalmente abominam no seu dia a dia, como álcool, entorpecente etc. Dizem, ainda, que tudo isso decorre do êxtase atingido na Grande Festa, quando o símbolo da liberdade, da igualdade, mas, também, da orgia e depravação, somadas ao abuso do álcool, levam as pessoas a se comportarem fora do seu normal (...)"[4].
 O Espírito Emmanuel adverte: "Ao lado dos mascarados da pseudoalegria, passam os leprosos, os cegos, as crianças abandonadas, as mães aflitas e sofredoras (...). Enquanto há miseráveis que estendem as mãos súplices, cheios de necessidades e de fome, sobram as fartas contribuições para que os salões se enfeitem”[5].
 Quando nos damos aos exageros de toda sorte, as influências perniciosas se intensificam e, muitas vezes, deixamo-nos dominar por Espíritos maléficos, ocasionando os infelizes fatos de todos os tipos de violências. Nesse cenário, os obsessores "influenciam, durante o Carnaval, os incautos que se deixam arrastar pelas paixões de Momo, impelindo-os a excessos lamentáveis, comuns por essa época do ano, e através dos quais eles próprios, os Espíritos, se locupletam de todos os gozos e desmandos materiais, valendo-se, para tanto, das vibrações viciadas e contaminadas de impurezas dos mesmos adeptos de Momo, aos quais se agarram”[6].
É válido fechar o centro espírita nos dias de carnaval?
 Portanto, além da companhia de encarnados, vincula-se a nós uma inumerável legião de seres invisíveis, recebendo deles boas e más influências a depender da faixa de sintonia em que nos encontremos. As tendências ao transtorno comportamental de cada um, e a correspondente impotência ou apatia em vencê-las, são qual ímã que atrai os Espíritos desequilibrados e fomentadores do descaso à dignidade humana, que, em suma, não existiriam se vivêssemos no firme propósito de educar as paixões instintivas que nos animalizam. Diante disso, Emmanuel ratifica a admoestação: "É lamentável que na época atual, quando os conhecimentos novos felicitam a mentalidade humana, fornecendo-lhes a chave maravilhosa dos seus elevados destinos, descerrando-lhes as belezas e os objetivos sagrados da Vida, se verifiquem excessos dessa natureza [CARNAVAL] entre as sociedades que se pavoneiam com os títulos da civilização”[7].  
 Outra questão: será válido fechar as portas dos centros espíritas nos dias de carnaval, ou mudar o procedimento das reuniões? 
 Existem alguns centros que fecham suas portas nos feriados do carnaval por vários motivos não razoáveis. Repensemos: uma pessoa com necessidades imediatas de atendimento fraterno, ou dos recursos espirituais urgentes em caso de obsessão, seria fraterno fazê-la esperar para ser atendida após as "cinzas", uma vez ocorrendo essa infelicidade em dia de feriado momesco? Convém lembrar que Jesus curava aos sábados, mesmo que o costume da época não permitisse. Por isso mesmo, Ele disse: "Por que não posso curar aos sábados se meu Pai trabalha sempre?"[8].
 O que o carnaval traz ao nosso Espírito?
 Os foliões inveterados alegam que o carnaval é um extravasador de tensões, liberando as energias... Todavia, no período carnavalesco, não encontramos diminuídas as taxas de agressividade e as neuroses. O que se vê é um verdadeiro somatório da violência urbana e de infelicidade familiar. As estatísticas registram como consequências do "reinado de Momo", por exemplo, gravidezes indesejadas e a consequente proliferação de abortos provocados, acidentes automobilísticos, aumento da criminalidade, estupros, suicídios, incremento do uso de diversas substâncias estupefacientes e de alcoólicos, assim como o surgimento de novos viciados, disseminação das doenças sexualmente transmissíveis (inclusive a AIDS) e as ulcerações morais, marcando, profundamente, certas almas desavisadas e imprevidentes.
 Os três dias de folia, assim, poderão se transformar em três séculos de penosas reparações. É bom pensarmos um pouco nisto: o que o carnaval traz ao nosso Espírito? Alegria? Divertimento? Cultura? Será que o apelo de Momo faz de nós homens ou mulheres melhores? Edifica o nosso Espírito? Muitos espíritas, ingenuamente, julgam que a participação nas festas de carnaval, tão do agrado dos brasileiros, nenhum mal acarreta à nossa integridade fisiopsicoespiritual. No entanto, por detrás da aparente alegria e transitória felicidade, revela-se o verdadeiro atraso espiritual em que ainda vivemos, pela explosão de animalidade que ainda impera em nosso ser. É importante lembrá-los de que há muitas outras formas de diversão, recreação ou entretenimento disponíveis ao homem contemporâneo, alguns verdadeiros meios de alegria salutar e aprimoramento (individual e coletivo), para nossa escolha.
 O espírito está pronto, mas a carne é fraca
 Não vemos, por fim, outro caminho que não seja o da "abstinência sincera dos folguedos", do controle das sensações e dos instintos, da canalização das energias, empregando o tempo de feriado do carnaval para a descoberta de si mesmo, o entrosamento com os familiares, o aprendizado através de livros e filmes instrutivos ou pela frequência a reuniões espíritas, eventos educacionais, culturais ou mesmo o descanso, já que o ritmo frenético do dia a dia exige, cada vez mais, preparo e estrutura físico-psicológica para os embates pela sobrevivência.
 Em síntese, se o carnaval é uma ameaça ao bem-estar social, nós espíritas temos muito a ver com ele, porque uma das tarefas primordiais de nossa Doutrina é a de lutar por dispositivos de preservação dos valores mais dignos da Sociedade, sem que se violente, obviamente, o direito soberano do livre-arbítrio de cada um, mas não nos esquecendo de que no carnaval sempre ocorre obsessão (espiritual) como resultado da invigilância e dos desvios morais. 
 Somente poderemos garantir a vitória do Espírito sobre a matéria se fortalecermos a nossa fé, renovando-nos mentalmente, praticando o bem nos moldes dos códigos evangélicos, propostos por Jesus Cristo, e não esquecendo os divinos conselhos do Mestre: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito na verdade está pronto, mas a carne é fraca''[9].  



[1] http://www.gostodeler.com.br/materia/14573/carnaval_carrum_navalis_ou_a_carne_nada_vale.html
[2] Vieira, Waldo.  Conduta Espírita, ditado pelo Espirito André Luiz, Rio de Janeiro: Ed FEB, 2001, cap.37 "Perante As Fórmulas Sociais"
[3] Artigo publicado na Revista Visão Espírita - Março de 2000
[4] São José Carlos Augusto. Carnaval: Grande Festa... De enganos! , Artigo publicado na Revista Reformador/FEB-Fev. 1983
[5] Xavier, Francisco Cândido. Sobre o carnaval, mensagem ditada pelo Espírito Emmanuel, fonte: Revista Reformador, Publicação da FEB fevereiro/1987
[6] Pereira, Yvonne A.  Devassando o Invisível, Rio de Janeiro: cap. V, edição da FEB, 1998
[7] Idem.
[8] João 5:17.
[9] Mt 26:41

3 comentários:

  1. Tudo é uma questão de uso e de saber dosar. Essa idéia da carne como algo ruim, a negação da materia ou carne em detrimento de uma recompensa espiritual sempre jogou o homem numa neurose e um conflito onde surgem diversos bloqueios e sempre sob uma moral "senhor-escravo".

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