Marcelo Henrique Pereira
Dentre os crimes existentes,
mormente no âmbito da natureza sexual, um dos mais aberrantes e horrendos é,
sem dúvida nenhuma, o estupro. A legislação humana - particularmente, a
brasileira, - impinge-lhe uma severa capitulação, dispondo sobre ele no título
reservado aos Crimes contra os Costumes, no capítulo dos Crimes contra a
Liberdade Sexual, conforme os artigos reproduzidos no quadro ao lado.
A moderna legislação pátria
considera-o, ainda, como crime hediondo[2]
, o qual significa depravado, vicioso, sórdido, imundo, repelente, repulsivo,
horrendo, sinistro, pavoroso, medonho. (Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa, 2ª ed., pag. 884, Nova Fronteira, 1986).
As características fundamentais
do tipo-crime dão-nos conta de que o sujeito ativo só pode ser homem e o
passivo, mulher, e que o delito pode ocorrer mediante coação física e/ou moral.
Deixando de lado os aspectos
puramente legais do tema, pretendemos traçar uma abordagem acerca da visão
espírita (e espiritual) deste ato, assim como de suas causas e consequências,
abstratamente falando. Queremos deixar bem claro que nossas posições são
pessoais, com base em informações genéricas contidas nas obras básicas da
Codificação Kardequiana, em virtude da escassa bibliografia existente.
Dentre as liberdades de que a
criatura humana é detentora, na qualidade de direitos fundamentais, talvez a
mais significativa seja a liberdade sexual. Afinal de contas, baseada em
padrões de moralidade, distintos entre si e peculiares a cada individualidade,
a escolha de parceiros sexuais não obedece a nenhum padrão. O ser, baseado em
sentimentos e (ainda) em instintos, deixa aflorar sua sexualidade, partindo
para a busca e o encontro de um companheiro para satisfazer seu prazer, na
permuta de energias sexuais.
Por isso, quando se tem notícia
de que ocorreu um estupro, isto é, a conjunção carnal forçada, imposta pela
força física ou pela coação moral (psicológica), estamos diante da maior
violência que se pode praticar contra o ser, excetuando-se, é claro, o aborto,
onde a vítima é totalmente incapaz de defender-se.
No estupro, o que conta não é a
possibilidade (ou não) de resistência da vítima às ações do agressor. Isto é
secundário. Tampouco se deve verificar se a primeira, por sua ação ou intenção,
manifesta em gestos, comportamentos, olhares, sinais, ou, ainda, em sua forma
de trajar ou sua conversação, tenha provocado o aflorar dos desejos sexuais de
outrem. Ou, ainda, se o criminoso possuía um estado psicopatológico anterior
que o mantinha intimamente ligado à ideia da relação sexual, ou, até, a sua
vinculação mental (fixação mental) ao objeto de seus desejos. O que realmente
conta é a atitude desmedida, agressiva e irracional, e a enorme carga de
responsabilidade que resulta do ato cometido, que agride a função sexual da
vítima e interfere na energia contida nas gônadas femininas.
Em alguns encontros espíritas,
presenciamos discussões que procuravam delimitar o estupro perante a
Espiritualidade, isto é, tentavam analisar se, dentre as provas e expiações a
que o homem se sujeita, em razão de seu grau evolutivo e da sua passagem por
este planeta, não poderia estar planejada uma situação em que ocorreria o
estupro, como forma de resgate de erros pretéritos, por parte da vítima.
O exame das obras básicas é,
como dissemos, fundamental e constitui o primeiro passo, para entender tal
situação.
Então, o que constitui o
Planejamento Encarnatório?
Do exame de "O Livro dos Espíritos" [3],
podemos extrair a cristalina ideia de que nem todas as tribulações que
experimentamos na vida foram previstas e escolhidas por nós. A escolha se
resume ao gênero da prova. Exemplificadamente, o Espírito de Verdade nos
adverte: "Se o Espírito quis nascer entre malfeitores, por exemplo, sabia
a que tentações se expunha, mas ignorava cada um dos atos que viesse a
praticar. Estes atos são efeito de sua vontade, ou de seu livre arbítrio."
A regra norteadora, como sempre
é a liberdade de ação, com a necessária atenção para a responsabilidade quanto
ao reflexo destes, o resultado.
Fazendo, pois, uma analogia com
o suicídio, encontramos na literatura espírita a consideração de que todos os
desencarnes são previstos pela Espiritualidade, à exceção daquele, quando o ser
renuncia voluntariamente à oportunidade de vida, abreviando sua existência.
Assim, afirmamos que há certa
resistência de nossa parte em aceitar que uma brutalidade como o estupro possa
estar incluída como uma prova escolhida pelo espírito reencarnante, tendo em
vista que, deste modo, quem seria "escalado" para ser o algoz, o
estuprador? Não estaria sendo ele, instrumento de uma severa e dolorosa forma
de "resgate"?
Poderiam afirmar alguns: quem
sabe a vítima, numa vida, poderia retornar para ser o agressor em outra? Pois
bem! Onde fica a Lei de Justiça, Amor e Caridade? Ou, quem sabe, voltaríamos
nós à época da barbárie, onde a Lei de Talião era a severa espada da justiça,
isto é, o que se fez, da mesma maneira se sofre? A razão espírita repudia tais
considerandos...
Todavia, há que se mencionar,
também, a questão da "necessidade dos escândalos" (Mateus: 18, 6-11),
tão bem enfocada por Jesus.
Mas, "ai de quem seja
instrumento dos escândalos", diz a passagem, demonstrando claramente que a
Lei Natural presente no Universo aproveita as situações surgidas pela vontade
humana, filtrando-as e enquadrando-as no contexto das encarnações dos seres.
Uma guerra ocorre por vontade humana, dos dirigentes das nações e sua
efetivação ceifará muitas vidas, entre civis e militares.
Portanto, as pessoas atingidas
pela desencarnação violenta decorrente das guerras, assim como aquelas que
terão sequelas físicas e psicológicas, aproveitam o acontecimento funesto para
resgatarem dívidas de ontem. Mas, e quanto a seus algozes, os guerreiros que
provocaram mortes e ferimentos? Evidentemente, por suas atitudes, serão
julgados pelo tribunal da consciência e carecerão de novos reajustes, onde
saldarão seus débitos, em outras existências.
O estupro, assim, não obedece a
nenhum planejamento espiritual. Todavia, em acontecendo, vítima e agressor
submetem-se aos desígnios da Lei Maior, sujeitos à completa análise espiritual
da questão, resultando para a primeira, por suportar a prova com coragem e
resignação, condição de progresso espiritual e, para o segundo, dolorosa senda
de refazimento de seus atos, esperando contar, ainda, com o perdão da primeira
como forma de ajuda para superar suas próprias deficiências.
E para nós, que ainda nos
revoltamos quando presenciamos notícias sobre a ocorrência de um estupro,
bradando justiça, entendamos que nada escapa aos desígnios da Providência e,
antes de nos transformarmos em juízes dos infelizes seres que cometem tal atrocidade,
lembremo-nos da mensagem do Nazareno do "atire a primeira pedra", recolhendo-nos
à meditação e à prece em seu favor, para que os mesmos possam sair do mar de
lama em que se encontram, arrependendo-se sinceramente de seus atos,
reivindicando, assim, nova oportunidade benfazeja de reparação, para, ao final,
alcançar a paz e a serenidade.
Código Penal Brasileiro
Art. 213.
Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº
8.072, de 25.07.90)
Parágrafo único.
(Revogado pela Lei nº 9.281, de 04.06.96)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. (Redação dada ao parágrafo
pela Lei nº 8.069, de 13.07.90)
Art. 223. Se
da violência resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Redação dada pela Lei nº
8.072, de 25.07.90)
Parágrafo único:
Se do fato resulta a morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos. (Redação dada pela
Lei nº 8.072, de 25.07.90)
Art. 224.
Presume-se a violência, se a vítima:
a.
não é maior de 14
(catorze) anos;
b.
é alienada ou
débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;
c.
não pode, por
qualquer outra causa, oferecer resistência.
[2] Lei Federal no. 8.072/90.
[3] Questões 258 a 273.
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