PROJETO INTERNACIONAL AWARE GANHA A CONTRIBUIÇÃO DE
ESPECIALISTAS DA UFJF INTERESSADOS NA RELAÇÃO ENTRE MENTE E CÉREBRO E EM SUAS
IMPLICAÇÕES PARA A ÁREA DA SAÚDE
Uma equipe multidisciplinar de
professores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) se uniu a um projeto
de pesquisa internacional buscando investigar a natureza das Experiências de
Quase-Morte (EQMs) em pacientes vítimas de parada cardíaca. Pessoas que
vivenciaram tal situação e receberam procedimentos de ressuscitação bem-sucedidos
frequentemente relatam terem tido a experiência de imagens e sensações
extracorpóreas durante o período no qual estiveram sem pulso. Tais experiências
desafiam o conhecimento científico estabelecido, considerando-as impossíveis em
virtude da ausência presumida de atividade cerebral causada pela falta de irrigação
sanguínea e oxigenação do cérebro.
Relatos de EQMs ocorrem desde a
antiguidade e se tornaram comuns na literatura médica nas últimas décadas, mas
permanecem até hoje sem explicação científica. Os casos não são ouvidos exclusivamente
em consultórios, pessoas às quais afirmam terem “visto a morte de perto” são
personagens comuns em programas de televisão e filmes. A intenção da pesquisa
não é dar respostas definitivas para as questões envolvendo mente e cérebro,
mas apontar evidências para o começo de novas perguntas, como ressaltou um dos
coordenadores do grupo, o professor do Departamento de Clínica Médica da
Faculdade de Medicina, Leonardo Miana.
A metodologia do projeto
consiste na instalação de prateleiras acima dos leitos de Unidades de Terapia
Intensiva (UTIs) de hospitais de Juiz de Fora. Nas prateleiras, parecidas com
bandejas, são colocadas figuras impressas de objetos ou pessoas públicas, reconhecidas
facilmente pela população, como a de uma fruta, um político ou um esportista.
Tais imagens ficam localizadas a 30cm do teto onde só poderiam ser visualizadas
por alguém que estivesse flutuando. Não há como observá-las de qualquer lugar
do chão ou de cima do leito. O estudo é cego, médico e paciente não sabem quais
figuras estão ali.
Os leitos são constantemente
monitorados e, caso algum dos internados sofra uma parada cardíaca, seus
relatos serão investigados posteriormente. Após a recuperação do paciente, um
questionário embasado na Escala de Greyson – com perguntas formadas por componentes
cognitivos, emocionais, transcendentais e paranormais –, será aplicado para
classificar sua experiência como uma EQM padrão ou não.
Caracterizada a experiência como
uma EQM padrão, inicia-se uma segunda etapa da pesquisa. A versão do paciente
sobre os acontecimentos vivenciados durante a parada cardíaca será gravada e analisada
cuidadosamente com o intuito de identificar se o investigando relata fatos ou
ocorrências que se desenrolaram durante o período de parada cardíaca. Entre
outras evidências, será verificado se há menções às figuras expostas nas
prateleiras, ou seja, se o paciente, aparentemente de fora do corpo, conseguiu
ver as figuras. O médico e professor do Departamento de Fisiologia do Instituto
de Ciências Biológicas (ICB) da UFJF, Carlos Mourão, outro integrante do grupo,
explica que, além da aplicação da escala de Greyson e do acompanhamento dos
relatos, diferentes testes neurológicos e psicológicos são feitos para
descartar variáveis que poderiam desacreditar a veracidade das narrativas, como
doenças neurológicas ou transtornos psiquiátricos.
Leonardo Miana diz que, nos dois
anos de aplicação da pesquisa, a expectativa é de se obter de 50 a cem casos de
parada cardíaca com sucesso na reanimação e na recuperação do paciente.
“Destes, esperamos que, pelo
menos, 10% relatem experiências de quase-morte.” Os números foram estimados de
acordo com dados estatísticos observados em outros estudos.
Para o pesquisador, mesmo que
apenas um ou dois pacientes apresente evidências consistentes de percepções
verídicas durante o período de inatividade cerebral, haverá um forte indicativo
de que mente e cérebro são coisas distintas e, portanto, o fenômeno das EQMs
não encontraria explicação nas teses convencionais às quais veem a consciência
humana como um produto gerado exclusivamente pelas atividades cerebrais.
Já na hipótese de as vítimas de
EQM não fornecerem evidência de percepção verídica durante a parada cardíaca,
várias suposições seriam pertinentes. Entre elas, uma encontra razoável
aceitação, a de que, no momento da parada cardíaca, algumas descargas elétricas
ainda em atividade no cérebro resultariam na produção cognitiva de imagens,
sensações, emoções, culminando naquilo que se convencionou chamar de EQM.
Também há a hipótese de que a experiência quase-morte seja uma criação mental
involuntária atuando como um mecanismo de defesa psicológica frente a uma
situação ameaçadora como a morte.
Outra suposição para explicar o
fenômeno – bastante controversa, pois não há evidências sustentáveis – é de que
o cérebro poderia manter algumas de suas funções mesmo na ausência de oxigenação.
Tal constatação, segundo os especialistas da pesquisa, traria grande
reviravolta na medicina, podendo resultar em novos procedimentos na área da
saúde.
QUESTÃO MENTE-CÉREBRO
Qualquer que seja o resultado
dos estudos, a certeza é de que a questão “mente e cérebro” não estará
solucionada. Para o professor Carlos Mourão, este será apenas um novo dado,
somando-se aos de outras pesquisas da área. “Será mais um tijolinho para ajudar
na construção da obra do conhecimento.” O professor do Departamento de
Psicologia do Instituto de Ciências Humanas (ICH), Saulo Araújo, também entende
que a ciência está longe de decifrar as questões envolvendo mente e cérebro,
presentes na filosofia há mais de dois mil anos. “A corrente reducionista
acredita que no dia em que conhecermos todo o cérebro, compreenderemos a mente,
a consciência em sua totalidade, mas isso pode não ser verdade.”
Outro participante do grupo, o professor
do Departamento de Filosofia do ICH, Gustavo Castañon, ressalta que independentemente
das conclusões do projeto, a grande contribuição desta pesquisa será a de incorporar
à arena da investigação científica um problema antes abordado simplesmente como
um conjunto de relatos místicos.
Sabe-se atualmente que as
atividades mentais estão habitualmente relacionadas com atividades cerebrais.
“Por exemplo, quando vejo, lembro ou imagino algo, há ativações de certas áreas
cerebrais relacionadas a estas funções. Mas a partir daí, não é possível
concluir se o cérebro produz estas atividades mentais ou se na verdade ele é um
veículo para manifestação da mente, que teria uma origem extracerebral”,
esclarece outro coordenador do grupo, o professor do Departamento de Clínica
Médica da Faculdade de Medicina, Alexander Moreira de Almeida. As pesquisas de
imageamento cerebral só apontam que certas experiências mentais acontecem juntamente
com ativações de determinadas áreas do cérebro, mas não podem ainda dizer qual
delas é a causa e qual é o efeito.
ESTÁGIO DA PESQUISA
No exterior, a pesquisa Aware
(sigla em inglês de awareness During Resuscitation), coordenada pelo britânico
Sam Parnia, da Universidade de Southampton, já obteve cerca de dois mil relatos
de experiências de quase-morte, desde seu início em 2009. Nenhum deles foi
divulgado, pois se espera a combinação de um número ainda mais expressivo de
depoimentos para a maior confiabilidade e consequente publicação dos
resultados.
O projeto Aware possui a
colaboração de 25 centros de pesquisa espalhados pela Europa, Estados Unidos e
Canadá, sendo a UFJF a única entidade participante do grupo fora da Europa e da
América do Norte. Aqui, os trabalhos ainda estão em fase de planejamento e
testes e aguardam a liberação do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep)
para serem iniciados. No momento, acadêmicos do curso de Medicina fazem visitas
à Santa Casa de Misericórdia, único hospital da cidade que já possui as
prateleiras com as figuras instaladas, para saber se os pacientes dos leitos da
UTI tiveram paradas cardíacas. Os hospitais Universitário, Monte Sinai, Albert Sabin
e João Felício em breve farão parte da pesquisa.
EQUIPE BRASILEIRA
Alexander Moreira de Almeida –
Professor Adjunto de Psiquiatria e Semiologia da Faculdade de Medicina da UFJF.
Alex.ma@ufjf.edu.br
Leonardo Augusto Miana –
Professor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFJF. leonardomiana@gmail.com
Carlos Alberto Mourão Júnior –
Professor Adjunto de Fisiologia do ICB da UFJF. carlos.mourao@ufjf.edu.br
Saulo de Freitas Araújo –
Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da UFJF. saulo.araujo@ufjf.edu.br
Gustavo Arja Castañon – Professor
Adjunto do Departamento de Filosofia da UFJF. gustavocastanon@hotmail.com
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