Alberto Najar - Da BBC Mundo
na Cidade do México - 25 julho 2016
Os mexicanos Alek Pedraza e
Lucía Bru passam o dia brincando e rindo, como qualquer criança. Mas à noite
tudo muda: os dois sofrem de uma doença rara que pode matá-los enquanto dormem.
Na síndrome de Ondine (ou CCHS,
sigla em inglês para Congenital Central Hypoventilation Syndrome, ou Síndrome
da Hipoventilação Central Congênita, em tradução livre), a mutação de um gene
provoca danos na parte do cérebro responsável pelas reações automáticas do
corpo.
Uma das consequências mais
comuns disso é que a respiração fica prejudicada - na fase de sono profundo, a
pessoa pode simplesmente parar de respirar e morrer.
Por isso, Alex e Lucía precisam
ser ligados a equipamentos que os ajudam a respirar, enviando oxigênio
diretamente para a traqueia.
Há poucos estudos sobre a
doença, que ainda não tem cura. Em todo o mundo, há cerca de apenas 1,2 mil
pessoas que conseguiram sobreviver a ela nos primeiros meses de vida.
Em 40 anos, apenas algumas
centenas de casos foram analisados, conta José Bru, pai de Lucía. "Por ser
uma doença rara, o interesse de um governo ou de um laboratório farmacológico
para desenvolver uma cura é pouco", critica.
No Brasil, não há registro do
número de pessoas com a síndrome de Ondine, segundo o Ministério da Saúde.
Quando surgem casos, afirma a
pasta, é adotada a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças
Raras, que organiza desde 2014 a rede de atendimento para prevenção,
diagnóstico, tratamento e reabilitação.
"Atualmente, o ministério
dispõe de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para 36 doenças
raras. Para as doenças que ainda não contam com protocolos próprios, como a
síndrome de Ondine, a assistência e o cuidado às pessoas seguem as diretrizes
estabelecidas pela Política", informou a assessoria do ministério.
É comum que a doença seja
confundida globalmente com a síndrome da morte súbita infantil - falecimento
repentino de bebês durante o sono. Isso levaria a uma subnotificação, já que
não são realizados exames genéticos para descobrir a verdadeira causa do óbito.
'Chip desligado'
O nome da síndrome vem de uma
lenda antiga.
Nela, uma ninfa chamada Ondine
condena seu marido a morrer assim que pegar no sono como punição por tê-la
traído.
Na vida real, a alteração
genética causada pela doença faz com que o cérebro suspenda ações automáticas
que governam os órgãos do corpo, como o ritmo cardíaco ou o funcionamento dos
intestinos.
Um exemplo: os pulmões de Alek
não conseguem fazer a troca do dióxido de carbono pelo oxigênio, explica à BBC
Mundo, serviço em espanhol da BBC, a mãe do menino, Nadia Ortiz.
"Ele entra em sono profundo
imediatamente, quase depois de fechar os olhos. E então o cérebro não manda o
sinal para que ele continue respirando normalmente, que faça a troca de
oxigênio. É como se esse chip estivesse desligado."
"Alek respira enquanto está
dormindo, mas não consegue fazer essa troca. Se não tiver ajuda de um
respirador conectado à sua traqueia, pode correr riscos."
O maior perigo para o menino é
que o dióxido de carbono se acumule no sangue e leve a um quadro de hipóxia -
ou seja, de falta de oxigênio nos órgãos e tecidos, o que pode provocar uma
parada cardiorrespiratória.
O problema de Lucía é parecido,
mas seu cérebro também dá ordens para uma produção maior de insulina, problema
que pode ser permanente.
Traqueostomia
As crianças tiveram de se
submeter a traqueostomias ainda bebês para receber os tubos de plástico que são
conectados às máquinas de respiração.
A traqueostomia também ajuda na
oxigenação dos pulmões, além de auxiliar para extrair muco em casos de
urgência.
O tubo inserido no pescoço é
permanente e, apesar de ajudar a respiração, também traz problemas.
"É uma ferida aberta, o
risco de infecções é muito alto", diz Nadia Ortíz. "Uma gripe ou uma
tosse são muito perigosas para Alek. Não há intermediários entre a
traqueostomia e os pulmões. Nós respiramos pelo nariz, o que nos ajuda a
filtrar todos os bichos."
José Bru conta que isso demanda
uma higiene muito cuidadosa.
"Minha filha, por exemplo,
usa um nariz artificial, que funciona como um filtro. Mas qualquer gripe pode
virar uma pneumonia."
A doença também exige muito dos
pais, que precisam fazer uma vigília para monitorar os níveis de dióxido de
carbono e o ritmo cardíaco dos filhos.
Para divulgar o problema e
arrecadar recursos para pesquisa, José Bru e sua mulher criaram uma instituição
no México, a Fundação Síndrome de Ondine MX.
Já Nadia Ortíz e o marido,
Vladimir Pedraza, fizeram uma "vaquinha" na internet, na qual
arrecadaram US$ 250 mil (cerca de R$ 814 mil).
O dinheiro será usado em uma
cirurgia para implantar um marcapasso no diafragma de Alef, o que permitiria
que ele dormisse e respirasse sem ajuda externa. O procedimento é realizado em
um hospital de Los Angeles, nos Estados Unidos.
Mas além do atual momento
difícil, os pais se preocupam também com o futuro das crianças.
"Vai chegar um momento em
que vai perguntar 'porque eu tenho traqueostomia e você não?'", afirma a
mãe do garoto.
"Quando ela completar 15
anos, vou ter de contar que terá pausas cardíacas. Que vai precisar de um
marcapasso", diz o pai de Lucía.
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