Léon Denis[2]
Encontram-se, em ambos os sexos, excelentes
médiuns; é à mulher, entretanto, que parecem outorgadas as mais belas
faculdades psíquicas. Daí o eminente papel que lhe está reservado na difusão do
novo Espiritualismo.
Malgrado às imperfeições
inerentes a toda criatura humana, não pode a mulher, para quem a estuda
imparcialmente, deixar de ser objeto de surpresa e algumas vezes de admiração.
Não é unicamente em seus traços pessoais que se realizam, em a Natureza e na
Arte, os tipos da beleza, da piedade e da caridade; no que se refere aos
poderes íntimos, à intuição e adivinhação, sempre foi ela superior ao homem.
Entre as filhas de Eva é que obteve a antiguidade as suas célebres videntes e
sibilas. Esses maravilhosos poderes, esses dons do Alto, a Igreja entendeu, na
Idade Média, aviltar e suprimir, mediante os processos instaurados por
feitiçaria. Hoje encontram eles sua aplicação, porque é sobretudo por
intermédio da mulher que se afirma a comunhão com a vida invisível.
Mais uma vez se revela a mulher
em sua sublime função de mediadora que o é em toda a Natureza. Dela provém a
vida; e ela a própria fonte desta, a regeneradora da raça humana, que não
subsiste e se renova senão por seu amor e seus ternos cuidados. E essa função
preponderante que desempenha no domínio da vida, ainda a vem preencher no
domínio da morte. Mas nós sabemos que a morte e a vida são uma, ou antes, são
as duas formas alternadas, os dois aspectos contínuos da existência.
Mediadora também é a mulher no
domínio das crenças. Sempre serviu de intermediária entre a nova fé que surge e
a fé antiga que definha e vai desaparecendo. Foi o seu papel no passado, nos
primeiros tempos do Cristianismo, e ainda o é na época presente. O Catolicismo
não compreendeu a mulher, a quem tanto devia. Seus monges e padres, vivendo no
celibato, longe da família, não poderiam apreciar o poder e o encanto desse
delicado ser, em quem enxergavam antes um perigo.
A antiguidade pagã teve sobre
nós a superioridade de conhecer e cultivar a alma feminina. Suas faculdades se
expandiam livremente nos mistérios. Sacerdotisa nos tempos védicos, ao altar
doméstico, intimamente associada, no Egito, na Grécia, na Gália, às cerimônias
do culto, por toda a parte era a mulher objeto de uma iniciação, de um ensino
especial, que dela faziam um ser quase divino, a fada protetora, o gênio do
lar, a custódia das fontes da vida. A essa compreensão do papel que a mulher
desempenha, nela personificando a Natureza, com suas profundas intuições, suas
percepções sutis, suas adivinhações misteriosas, é que foi devida a beleza, a
força, a grandeza épica das raças grega e céltica.
Porque, tal seja a mulher, tal é
o filho, tal será o homem. É a mulher que, desde o berço, modela a alma das
gerações. É ela que faz os heróis, os poetas, os artistas, cujos feitos e obras
fulguram através dos séculos. Até aos sete anos o filho permanecia no gineceu
sob a direção materna. E sabe-se o que foram as mães gregas, romanas e
gaulesas. Para desempenhar, porém, tão sagrada missão educativa, era necessária
a iniciação no grande mistério da vida e do destino, o conhecimento da lei das
preexistências e das reencarnações; porque só essa lei dá à vida do ser, que
vai desabrochar sob a égide materna, sua significação tão bela e tão comovedora.
Essa benéfica influência da
mulher iniciada, que irradiava sobre o mundo antigo como uma doce claridade,
foi destruída pela lenda bíblica da queda original.
Segundo as Escrituras, a mulher
é responsável pela proscrição do homem; ela perde Adão e, com ele, toda a
Humanidade; atraiçoa Sansão. Uma passagem do Eclesiastes a declara “uma coisa
mais amarga que a morte”. O casamento mesmo parece um mal: “Que os que têm
esposas sejam como se não as tivessem” – exclama Paulo.
Nesse ponto, como em tantos
outros, a tradição e o espírito judaico prevaleceram, na Igreja, sobre modo de
entender do Cristo, que foi sempre benévolo, compassivo, afetuoso para com a
mulher. Em todas as circunstâncias a escuda ele com sua proteção; dirige-lhe
suas mais tocantes parábolas. Estende-lhe sempre a mão, mesmo quando decaída.
Por isso as mulheres reconhecidas lhe formam uma espécie de cortejo; muitas o
acompanharão até a morte.
A situação da mulher, na
civilização contemporânea, é difícil, não raro dolorosa. Nem sempre a mulher
tem para si os usos e as leis; mil perigos a cercam, se ela fraqueja, se
sucumbe, raramente se lhe estende mão amiga. A corrupção dos costumes fez da
mulher a vítima do século. A miséria, as lágrimas, a prostituição, o suicídio –
tal é a sorte de grande número de pobres criaturas em nossas sociedades
opulentas.
Uma reação, porém, já se vai
operando. Sob a denominação de feminismo, um certo movimento se acentua
legítimo em seu princípio, exagerado, entretanto, em seus intuitos; porque ao
lado de justas reivindicações, enuncia propósitos que fariam da mulher, não
mais mulher, mas cópia, paródia do homem. O movimento feminista desconhece o
verdadeiro papel da mulher e tende a transviá-la do destino que lhe está
natural e normalmente traçado. O homem e a mulher nasceram para funções
diferentes, mas complementares. No ponto de vista da ação social, são
equivalentes e inseparáveis.
O moderno Espiritualismo, graças
às suas práticas e doutrinas, todas de ideal, de amor, de equidade, encara a
questão de modo diverso e resolve-a sem esforço e sem estardalhaço. Restitui a
mulher seu verdadeiro lugar na família e na obra social, indicando-lhe a
sublime função que lhe cabe desempenhar na educação e no adiantamento da
Humanidade. Faz mais, reintegra-a em sua missão de mediadora predestinada,
verdadeiro traço de união que liga as sociedades da Terra às do Espaço.
A grande sensibilidade da mulher
a constitui o médium por excelência, capaz de exprimir, de traduzir os
pensamentos, as emoções, os sofrimentos das almas, os altos ensinos dos
Espíritos celestes. Na aplicação de suas faculdades encontra ela profundas
alegrias e uma fonte viva de consolações. A feição religiosa do Espiritismo a
atrai e lhe satisfaz as aspirações do coração, as necessidades de ternura, que
estendem, para além do túmulo, aos entes desaparecidos. O perigo para ela, como
para o homem, está no orgulho dos poderes adquiridos, na suscetibilidade
exagerada. O ciúme, suscitando rivalidades entre médiuns, torna-se muitas vezes
motivo de desagregação para os grupos.
Daí a necessidade de desenvolver
na mulher, ao mesmo tempo que os poderes intuitivos, suas admiráveis qualidades
morais, o esquecimento de si mesma, o júbilo do sacrifício, numa palavra, o
sentimento dos deveres e das responsabilidades inerentes à sua missão mediatriz.
O Materialismo, não ponderando
senão o nosso organismo físico, faz da mulher um ser inferior por sua fraqueza
e a impele à sensualidade. Ao seu contato, essa flor de poesia verga ao peso
das influências degradantes, se deprime e envilece. Privada de sua função
mediadora, de sua imaculada auréola, tornada escrava dos sentidos, não é mais
um ser instintivo, impulsivo, exposto às sugestões dos apetites mórbidos. O
respeito mútuo, as sólidas virtudes domésticas desaparecem; a discórdia e o
adultério se introduzem no lar; a família se dissolve, a felicidade se
aniquila. Uma nova geração, desiludida e céptica, surge do seio de uma
sociedade em decadência.
Com o Espiritualismo, porém,
ergue de novo a mulher a inspirada fronte; vem associar-se intimamente à obra
de harmonia social, ao movimento geral das ideias. O corpo não é mais que uma
forma tomada por empréstimo; a essência da vida é o espírito, e nesse ponto de
vista o homem e a mulher são favorecidos por igual.
Assim, o moderno Espiritualismo
restabelece o mesmo critério dos Celtas, nossos pais; firma a igualdade dos
sexos sobre a identidade da natureza psíquica e o caráter imperecível do ser
humano, e a ambos assegura posição idêntica nas agremiações de estudo.
Pelo Espiritismo se subtrai a
mulher ao vértice dos sentidos e ascende à vida superior. Sua alma se ilumina
de clarão mais puro; seu coração se torna o foco irradiador de ternos
sentimentos e nobilíssimas paixões. Ela reassume no lar a encantadora missão
que lhe pertence, feita de dedicação e piedade, seu importante e divino papel
de mãe, de irmã e educadora, sua nobre e doce função persuasiva.
Cessa, desde então, a luta entre
os dois sexos. As duas metades da Humanidade se aliam e equilibram no amor,
para cooperarem juntas no plano providencial, nas obras da Divina Inteligência.
[2] No invisível - Léon Denis
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