Léon Denis
A lei superior do universo é o
progresso incessante, a ascensão dos seres para Deus, foco das perfeições. Das
profundezas do abismo da vida, por uma rota infinita e uma evolução constante,
nos aproximamos d’Ele. No fundo de cada alma está depositado o germe de todas
as faculdades, de todos os poderes cabendo a ela fazê-los eclodir por seus
esforços e seus trabalhos. Visto sob este aspecto, nosso avanço e felicidade
futura é obra nossa. A Graça não tem mais razão de ser. A justiça se irradia
sobre o mundo porque, se todos tiverem lutado e sofrido, todos seremos salvos.
Da mesma forma, revela-se aqui
em toda sua grandeza a função da dor e sua utilidade para o avanço dos seres.
Cada globo, girando no espaço, é vasta oficina onde incessantemente trabalha a
substância espiritual. Assim como o mineral grosseiro, quando sob a ação do
fogo e da água, transforma-se pouco a pouco em metal puro, também a alma humana,
sob os pesados martelos da dor se transforma e fortifica. É por meio das provas
que se temperam os grandes caracteres. A dor é a purificação suprema, a
fornalha onde se fundem todos os elementos impuros que nos mancham: o orgulho,
o egoísmo e a indiferença. É a única escola onde se refinam as sensações, onde
se aprende a piedade e a resignação estoica. Os gozos sensuais, ligando-nos à
matéria, retardam nossa elevação, enquanto que o sacrifício e a abnegação, nos
libertam por antecipação dessa espessa ganga, nos preparam para novas etapas,
para uma ascensão mais alta. A alma, purificada, santificada pelas provas, vê
cessar as encarnações dolorosas. Deixa para sempre os globos materiais e
eleva-se sobre a escala magnífica dos mundos felizes.
Percorre o campo sem limites dos
espaços e das idades. A cada passo adiante, vê seus horizontes se alargarem e
sua esfera de ação crescer; percebe mais e mais distintamente a grande harmonia
das leis e das coisas, delas participando de uma maneira mais estreita, mais efetiva.
Então o tempo se eclipsa, os séculos se escoam como horas.
Unida às suas irmãs,
companheiras da eterna viagem, prossegue sua ascensão intelectual e moral no
seio de uma luz sempre grandiosa.
De nossas observações e
pesquisas se destaca, assim, uma grande lei: a pluralidade das existências da
alma. Já tínhamos vivido antes do nascimento e reviveremos após a morte. Esta
lei dá a chave desses problemas, até aqui insolúveis.
Por si só, explica a
desigualdade das condições, a variedade infinita das aptidões e dos caracteres.
Temos conhecido ou conheceremos sucessivamente todas as fases da vida social e
percorreremos todos os seus meios. No passado, éramos como os selvagens que
povoavam os continentes atrasados; no porvir, poderemos nos elevar à altura dos
gênios imortais, dos espíritos gigantes que, semelhantes a faróis luminosos,
aclaram a marcha da humanidade. A história deles é nossa história e, dela
participantes, percorremos os seus árduos caminhos, suportamos as evoluções
seculares relatadas nos anais das nações. Tempo e trabalho: eis os elementos de
nosso progresso.
Esta lei da reencarnação mostra,
de maneira evidente, a soberana justiça que reina sobre todos os seres. A cada
vez forjamos e quebramos nossos próprios grilhões. As provas assustadoras que
alguns entre nós sofrem são, em geral, consequência de nossa conduta passada. O
déspota torna-se escravo; a mulher altiva, vaidosa de sua beleza, retoma em um
corpo informe, sofredor; o ocioso torna-se mercenário, curvado sob um serviço
ingrato. Aquele que tem feito sofrer sofrerá por sua vez. Inútil procurar o
inferno nas regiões desconhecidas ou longínquas, o inferno está em nós,
esconde-se nos recessos ignorados da alma culpada, da qual somente a expiação
pode fazer cessar as dores. Não há penas eternas.
Mas, dirá você, se outras vidas
precederam o nascimento, por que delas perdemos a lembrança? Como poderíamos
expiar com proveito quando as faltas são esquecidas?
A lembrança não seria uma pesada
bola presa aos nossos pés? Penosamente saídos das idades de furor e de
bestialidade, como deve ter sido esse passado de cada um de nós!
Através as etapas transpostas,
quantas lágrimas vertidas, quanto sangue derramado por nossos atos! Conhecemos
o ódio e praticamos a injustiça. Que fardo moral seria esta longa perspectiva
de faltas para espíritos ainda débeis e vacilantes!
E depois, a lembrança de nosso
próprio passado não estaria ligada de maneira íntima às lembranças do passado
dos outros? Que situação para o culpado, marcado pelo ferro em brasa, por toda
a eternidade! Pela mesma razão, os ódios e os erros se perpetuariam, cavando
divisões profundas, indeléveis, no seio desta humanidade já tão dilacerada.
Deus fez bem apagando de nossos
fracos cérebros a lembrança de um passado terrível.
Após haver sorvido a beberagem
do esquecimento, renascemos para uma nova vida.
Uma educação diferente, uma
civilização mais adiantada, faz desvanecer as quimeras que outrora visitaram
nosso espírito. Aliviados dessa bagagem bloqueante, avançamos com passos mais
rápidos nas vias que nos são abertas.
Todavia, esse passado não está
apagado de tal maneira que não possamos entrever alguns de seus vestígios. Se
nos desapegarmos das influências exteriores, descermos ao fundo de nosso ser;
se nos analisarmos com cuidado, nossos gostos e aspirações, descobriremos
coisas, em nossa existência atual e com a educação recebida, que nada poderia
explicar. Partindo daí, chegaremos a reconstituir esse passado, senão em todos
os seus detalhes, pelo menos em suas grandes linhas.
Quanto às faltas, que implicam
numa expiação necessária nesta vida, ainda que apagadas momentaneamente aos
nossos olhos, sua causa primeira continua existindo, sempre visível, qual seja,
nossas paixões e caracteres impetuosos, que as novas encarnações têm por
objetivo domar, dobrar.
Assim então, se deixamos no
limiar da vida as mais perigosas lembranças, levamos ao menos conosco os frutos
e as consequências dos trabalhos realizados, isto é uma consciência, um
julgamento, um caráter tal qual o houvermos talhado.
Tudo que nos é inato não é outra
coisa senão a herança intelectual e moral que as vidas desvanecidas nos
legaram.
E cada vez que se abrem para nós
as portas da morte, quando, liberta do jugo material, nossa alma escapa de sua
prisão na carne para reentrar no império dos Espíritos, então seu passado se
reconstitui pouco a pouco. Uma após outra, sobre o caminho seguido, revê suas
existências, as quedas, os altos, os avanços rápidos.
Julga a si mesma, medindo o
caminho percorrido. No espetáculo de seus descréditos ou de seus méritos,
expostos ante ela, encontra sua punição ou sua recompensa.
Sendo o propósito da vida o
aperfeiçoamento intelectual e moral do ser, que condições, que meios nos
conviriam melhor para realizá-lo?
O homem pode trabalhar em seu
aperfeiçoamento em todas as condições, em todos os meios sociais; entretanto,
se sairia bem mais facilmente dentro de certas condições determinadas.
A riqueza proporciona ao homem,
meios de estudo poderosos; permite-lhe dar ao seu espírito uma cultura mais
desenvolvida e mais perfeita; coloca em suas mãos facilidades maiores para
aliviar seus irmãos infelizes, participando por meio de fundações de utilidade
pública, visando o melhoramento de seus destinos. Mas são raros os que
consideram como um dever trabalhar no alívio da miséria, na instrução e
melhoria de seus semelhantes.
A riqueza, frequentemente, seca
o coração humano; extingue essa chama interior, esse amor ao progresso e às
melhorias sociais que anima toda alma generosa; ergue uma barreira entre os
poderosos e os humildes; leva a viver em um meio onde não se alcança os
deserdados desse mundo e onde, por consequência, suas necessidades e males
permanecem quase sempre ignorados e desconhecidos.
A miséria também tem seus
pavorosos perigos: a degradação dos caráteres, o desespero, o suicídio. Mas,
enquanto a riqueza nos torna indiferentes e egoístas, a pobreza, ao nos
aproximar dos humildes, nos faz compartilhar a dor. É preciso ter sofrido, por
si mesmo, para apreciar os sofrimentos do outro. Enquanto os poderosos, no seio
dos honrados, invejam-se e procuram rivalizar em brilho, os pequenos,
aproximados pela necessidade, vivem, por vezes, em tocante confraternização.
Observem as aves de nossa região
durante os meses de inverno, quando o céu está sombrio, quando a terra está
coberta de um manto branco de neve; apertados uns contra os outros, na borda de
um telhado, aquecem-se mutuamente em silêncio. A necessidade os une. Mas vêm os
belos dias, o sol resplandecente, a provisão abundante, e eles chilreiam,
perseguem-se, combatem-se, dilaceram-se.
Assim é o homem. Doce, afetuoso
com seus semelhantes nos dias de tristeza, a posse de bens materiais o torna,
muito frequentemente, esquecido e duro.
Uma condição modesta convém
melhor ao espírito desejoso de progredir, de adquirir as virtudes necessárias à
sua ascensão moral. Longe do turbilhão dos prazeres enganadores, aquilatará
melhor a vida. Solicitará da matéria o que é necessário à conservação de seu
organismo, mas evitará cair nos hábitos perniciosos, tornar-se presa das
inumeráveis necessidades fictícias que são os flagelos da humanidade. Será
sóbrio e trabalhador, contentando-se com pouco, ligando-se, acima de tudo, aos
prazeres da inteligência e às joias do coração.
Assim, fortificado contra os
assaltos da matéria, o sábio, sob a pura luz da razão, verá resplandecer seu
destino. Esclarecido sobre o objetivo da vida e o porquê das coisas,
permanecerá firme, resignado diante da dor; saberá fazê-la servir à sua
depuração, ao seu adiantamento. Afrontará a prova com coragem, compreendendo
ser salutar, que é o choque que rasgará nossas almas, e que é só por esse
dilaceramento que poderá ser derramado o fel que está em nós. Se os homens
rirem dele, se for vítima da injustiça e da intriga, aprenderá a suportar
pacientemente seus males, dirigindo seus pensamentos para nossos irmãos mais
velhos: Sócrates bebendo a cicuta, Jesus na cruz, Joana na fogueira.
Consolar-se-á no pensamento de que os maiores, os mais virtuosos, os mais
dignos, sofreram e morreram pela humanidade.
E quando, enfim, após uma
existência bem completada, vier a hora solene, será com calma, sem pesar, que
acolherá a morte; a morte, que os homens envolvem com sinistro aparato; a
morte, espanto dos poderosos e dos sensuais, e que, para o pensador austero,
não é mais que a libertação, a hora da transformação, a porta que se abre para
o império luminoso dos Espíritos.
Esse umbral das regiões
supraterrestres, flanqueá-lo-á com serenidade. Sua consciência, desapegada das
sombras materiais, se vestirá ante ele como um juiz, representante de Deus,
perguntando: “Que fez da vida?” E responderá: — “Tenho lutado, sofrido, amado,
ensinado o bem, a verdade, a justiça; tenho dado aos meus irmãos o exemplo da
retidão, da doçura; tenho socorrido aqueles que sofrem, consolado os que
choram. E agora, que O Eterno me julga, eis-me aqui em Suas mãos!”
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