Ernesto
Bozzano
Passemos agora a casos mais
recentes. Começarei por um fato tirado da obra de Mrs. Jessie Platts: The Witrhess[2].
Trata-se de uma coleção de
comunicações mediúnicas muito interessantes, obtidas graças à mediunidade da
própria Mrs. J. Platts, viúva do Rev. Charles Platts, que teve a infelicidade
de perder seus dois filhos na grande guerra. As comunicações publicadas provêm
do filho mais moço: Tiny, rapaz de 18 anos apenas, morto quando combatia na
frente francesa, em abril de 1917, e que se comunicou psicograficamente, mercê
da mediunidade improvisada de sua mãe, no ano seguinte, quando a guerra
continuava mais terrível do que nunca. Forneceu provas diretas e indiretas de
sua identidade pessoal. As diretas consistiam nisto: anunciava à sua mãe a
entrada, no mundo espiritual, de outros Espíritos de militares, mortos em
combate naquele momento; depois de alguns dias, vinham efetivamente noticias
oficiais da morte desses mesmos combatentes.
Informara ele, à sua mãe, de que
servia de simples instrumento transmissor de ensinos que lhe confiava um
Espírito missionário, o qual, quando vivo, fora um eclesiástico de nome Padre
Hilarion. Ora, Mrs. Platts ignorava que esse personagem houvesse realmente
existido. Chegou a verificá-lo, documentando-se a respeito. Isto dito, a fim de
pôr em plena luz o valor das mensagens em questão, entro a referir a passagem
que concerne á chegada do filho da Sra. Platts ao meio espiritual. Eis o que
ele escreveu:
Os seres que vivem no meio terrestre muito têm que aprender acerca do
estado que os espera depois da morte; quero dizer – do instante em que o
Espírito se destaca do organismo corporal, é-me permitido falar-te disso
rapidamente nesta mensagem.
Começo por dizer que não haverá dois Espíritos desencarnados que tenham
de passar pela mesma experiência a tal respeito. Entretanto, essas experiências
variadas apresentam uma circunstância comum: é que todos os Espíritos imaginam
a principio estar ainda entre os vivos e os que atravessaram uma agonia de
sofrimentos ficam profundamente surpreendidos de se acharem curados de súbito.
Tal é a alegria que experimentam, que julgo ser essa a impressão mais forte que
se possa sentir, depois da crise da morte. Quando morri, ou, mais exatamente,
quando meu corpo morreu, eu me julgava mais vivo do que nunca e esperava
receber ordem de um novo pulo para frente. (Ao ser ferido pelo projétil que me
matou, estávamos separados do nosso regimento e tentávamos, com grandes
precauções, pôs de novo em contato com ele.)
Algumas vezes, os Espíritos desencarnados, ao se acharem sós num meio
desconhecido, são tomados de grande pavor; mas, isso só se dá com os que em
vida foram profundamente egoístas e nunca dirigiram seu pensamento a Deus.
Contudo, em chegando o momento, esses Espíritos são ajudados e animados, a sua
vez, por seus Espíritos-guias, mas preciso lhes é, primeiro adquirirem uma
espiritualidade suficiente, para se acharem em condições de perceber os
Espíritos-guia. Quase todos os desencarnados passam por um período de sono
reparador, que pode durar um dia ou dois, como pode durar semanas e meses; isto
depende das circunstancia em que morreram. No meu caso, eu fora morto de
maneira fulminante, não sofrera, não passara por enfermidades exaurientes;
apesar disso, porém, estive mergulhado no sono durante cerca de uma semana,
porque, tendo sido súbita a minha morte, meu corpo fluídico fora bruscamente
arrancado do corpo somático, com um contragolpe sensível sobre o primeiro.
Quando, entre os Espíritos recém-chegados, há os que se encontrem
ligados por vivas afeições a outros Espíritos desencarnados algum tempo antes,
estes últimos lhes acorrem ao encontro, antes que passem pela fase do sono
reparador. Não se pode imaginar ventura maior do que a desses encontros no meio
espiritual, após longas separações que pareciam definitivas. Se bem os
Espíritos saibam que terão de separar-se ainda por certo tempo, não o lamentam,
por estarem cientes de que estas separações já não serão quais as anteriores.
E, quando os Espíritos recém-chegados despertam do sono reparador, seus
“guias” intervêm, para informá-los do adestramento espiritual que a cada um se
acha reservado.
A narração que precede é
especialmente interessante, porque resumem em duas páginas as modalidades
essenciais em que se desenrola normalmente a crise da morte, para a grande
maioria dos vivos, modalidades que, no entanto, variam enormemente nos casos
extremos de personalidades de vivos que desencarnam em condições muito
evolvidas, ou muito degradadas, de espiritualidade.
Assinalarei também a
concordância habitual, relativa ao detalhe fundamental dos Espíritos
desencarnados que não sabem já terem morrido, concordância que se renova
invariavelmente (salvo alguns casos que confirmam a regra) desde o despontar do
movimento espiritual e que é teoricamente muito notável, dada a sua
singularidade, que exclui a hipótese dos romances subliminais. Com efeito, não
se pode admitir que uma personificação subconsciente, derivação absoluta do
consciente, forje informações que contrastem inteiramente com o que a esse
respeito julgue a consciência normal.
Não se poderia admitir tampouco
que - centenas de personalidades mistificadoras desta espécie se encontrem
acordes fortuitamente na invenção das mesmas informações fantasistas,
contrárias às vistas da razão humana. Pois que se obtêm, mediunicamente, tantos
detalhes concordantes, acerca de circunstâncias que parecem inverossímeis à mentalidade
dos vivos, e, pois que esses detalhes são obtidos por intermédio de sensitivos
que não podiam imaginá-los conscientemente e que ignoravam que revelações
análogas haviam sido consignadas por outros experimentadores, logicamente se
deve daí inferir que só uma explicação pode existir para o fato: a de que os
detalhes ministrados pelas personalidades espirituais concordam entre si,
porque provêm de uma causa única: a observação direta. Em outros termos: se
todas as personalidades mediúnicas descrevem as mesmas condições de meio
espiritual, com os mesmos detalhes, fundamentais e secundários, e com os mesmos
relevos de fundo, isso demonstra que as condições de meio assim descritas são
autenticamente espirituais, ao mesmo tempo em que objetivas, permanentes,
reais, absolutamente reais.
Outro detalhe fundamental,
inteiramente concordante em todas as revelações transcendentais, é o que se
refere às fases do sono reparador, a que estariam sujeitos todos as Espíritos
recém-chegados ao mundo espiritual. Todas combinam, até na indicação das causas
que tornariam necessário esse período de repouso absoluto do Espírito.
Notarei ainda que as revelações
concordam todas, admiravelmente, acerca de outro detalhe secundário, contido
nessa mesma mensagem e, precisamente, no trecho onde se alude ao insulamento em
que se achariam os Espíritos que, durante a vida terrena, se mostraram
profundamente egoístas, insulamento determinado pela imperfeição, neles, da
faculdade de percepção espiritual, imperfeição que seria uma consequência
inevitável da estado rudimentar em que se lhes encontra a espiritualidade.
Seguir-se-ia que este insulamento não poderia ter fim, senão quando os
Espíritos hajam adquirido uma espiritualidade suficiente para estarem em
condições de perceber a presença de Espíritos-guias.
Este último dado, posto
incidentemente na mensagem com que nos ocupamos, é teoricamente importante,
pois concorda com todos os ensinamentos ministrados a tal respeito por
numerosas outras personalidades mediúnicas, que nos ensinam que os Espíritos
inferiores não podem perceber os que pertencem às hierarquias superiores.
Repito que as concordâncias, referentes aos detalhes secundários, são sempre
teórica e progressivamente mais importantes à medida que os detalhes parecem de
natureza mais vulgar ou mais estranha. São esses detalhes que provocam a maior
surpresa no investigador que trata de comparar entre si as diversas coleções de
revelações transcendentais.
Finalmente, importa não esquecer
o que o Espírito, de quem vem a mensagem, afirmou primeiramente – sempre de
perfeito acordo com os outros, isto é, que não há duas personalidades
espirituais que tenham de atravessar as mesmas experiências, após a crise da
morte. Esta afirmação é absolutamente racional. Com efeito, se no mundo dos vivos
não pode haver duas individualidades que pensem absolutamente da mesma maneira;
se, pela lei de afinidade, todo Espírito gravita no plano espiritual que lhe é
próprio; e se e pensamento de cada Espírito cria o seu meio objetivo e
subjetivo, é certo que não pode haver duas personalidades desencarnadas que
devam passar pelas mesmas vicissitudes espirituais. Daí resulta que o ensino de
que se trata explica perfeitamente muitas pretendidas contradições das
revelações transcendentais, que cumpre se atribuam à variedade infinita dos
temperamentos individuais, combinados com os diferentes graus de evolução
alcançados no meio terrestre por cada personalidade humana.
Termino, lembrando que Mrs.
Jessie Platts foi levada a cogitar de pesquisas mediúnicas e a tentar escrever
automaticamente, pela morte de seus dois filhos na guerra. Ela, pois, nada
conhecia – ou muito pouco – das doutrinas espíritas e tudo ignorava acerca do
conteúdo das outras coleções de revelações transcendentais.
[2] A Crise da
Morte: segundo o depoimento dos
Espíritos que se comunicam / Ernesto Bozzano; tradução de Guillon Ribeiro –
10ª. Edição – 2ª. reimpressão – Rio de Janeiro: FEB, 2009; págs. 37 a 43.
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