sexta-feira, 11 de março de 2016

A Crise da Morte – Juventude perdida na guerra[1]


 

Ernesto Bozzano
 

Passemos agora a casos mais recentes. Começarei por um fato tirado da obra de Mrs. Jessie Platts: The Witrhess[2].
Trata-se de uma coleção de comunicações mediúnicas muito interessantes, obtidas graças à mediunidade da própria Mrs. J. Platts, viúva do Rev. Charles Platts, que teve a infelicidade de perder seus dois filhos na grande guerra. As comunicações publicadas provêm do filho mais moço: Tiny, rapaz de 18 anos apenas, morto quando combatia na frente francesa, em abril de 1917, e que se comunicou psicograficamente, mercê da mediunidade improvisada de sua mãe, no ano seguinte, quando a guerra continuava mais terrível do que nunca. Forneceu provas diretas e indiretas de sua identidade pessoal. As diretas consistiam nisto: anunciava à sua mãe a entrada, no mundo espiritual, de outros Espíritos de militares, mortos em combate naquele momento; depois de alguns dias, vinham efetivamente noticias oficiais da morte desses mesmos combatentes.
Informara ele, à sua mãe, de que servia de simples instrumento transmissor de ensinos que lhe confiava um Espírito missionário, o qual, quando vivo, fora um eclesiástico de nome Padre Hilarion. Ora, Mrs. Platts ignorava que esse personagem houvesse realmente existido. Chegou a verificá-lo, documentando-se a respeito. Isto dito, a fim de pôr em plena luz o valor das mensagens em questão, entro a referir a passagem que concerne á chegada do filho da Sra. Platts ao meio espiritual. Eis o que ele escreveu:
Os seres que vivem no meio terrestre muito têm que aprender acerca do estado que os espera depois da morte; quero dizer – do instante em que o Espírito se destaca do organismo corporal, é-me permitido falar-te disso rapidamente nesta mensagem.
Começo por dizer que não haverá dois Espíritos desencarnados que tenham de passar pela mesma experiência a tal respeito. Entretanto, essas experiências variadas apresentam uma circunstância comum: é que todos os Espíritos imaginam a principio estar ainda entre os vivos e os que atravessaram uma agonia de sofrimentos ficam profundamente surpreendidos de se acharem curados de súbito. Tal é a alegria que experimentam, que julgo ser essa a impressão mais forte que se possa sentir, depois da crise da morte. Quando morri, ou, mais exatamente, quando meu corpo morreu, eu me julgava mais vivo do que nunca e esperava receber ordem de um novo pulo para frente. (Ao ser ferido pelo projétil que me matou, estávamos separados do nosso regimento e tentávamos, com grandes precauções, pôs de novo em contato com ele.)
Algumas vezes, os Espíritos desencarnados, ao se acharem sós num meio desconhecido, são tomados de grande pavor; mas, isso só se dá com os que em vida foram profundamente egoístas e nunca dirigiram seu pensamento a Deus. Contudo, em chegando o momento, esses Espíritos são ajudados e animados, a sua vez, por seus Espíritos-guias, mas preciso lhes é, primeiro adquirirem uma espiritualidade suficiente, para se acharem em condições de perceber os Espíritos-guia. Quase todos os desencarnados passam por um período de sono reparador, que pode durar um dia ou dois, como pode durar semanas e meses; isto depende das circunstancia em que morreram. No meu caso, eu fora morto de maneira fulminante, não sofrera, não passara por enfermidades exaurientes; apesar disso, porém, estive mergulhado no sono durante cerca de uma semana, porque, tendo sido súbita a minha morte, meu corpo fluídico fora bruscamente arrancado do corpo somático, com um contragolpe sensível sobre o primeiro.
Quando, entre os Espíritos recém-chegados, há os que se encontrem ligados por vivas afeições a outros Espíritos desencarnados algum tempo antes, estes últimos lhes acorrem ao encontro, antes que passem pela fase do sono reparador. Não se pode imaginar ventura maior do que a desses encontros no meio espiritual, após longas separações que pareciam definitivas. Se bem os Espíritos saibam que terão de separar-se ainda por certo tempo, não o lamentam, por estarem cientes de que estas separações já não serão quais as anteriores.
E, quando os Espíritos recém-chegados despertam do sono reparador, seus “guias” intervêm, para informá-los do adestramento espiritual que a cada um se acha reservado.
A narração que precede é especialmente interessante, porque resumem em duas páginas as modalidades essenciais em que se desenrola normalmente a crise da morte, para a grande maioria dos vivos, modalidades que, no entanto, variam enormemente nos casos extremos de personalidades de vivos que desencarnam em condições muito evolvidas, ou muito degradadas, de espiritualidade.
Assinalarei também a concordância habitual, relativa ao detalhe fundamental dos Espíritos desencarnados que não sabem já terem morrido, concordância que se renova invariavelmente (salvo alguns casos que confirmam a regra) desde o despontar do movimento espiritual e que é teoricamente muito notável, dada a sua singularidade, que exclui a hipótese dos romances subliminais. Com efeito, não se pode admitir que uma personificação subconsciente, derivação absoluta do consciente, forje informações que contrastem inteiramente com o que a esse respeito julgue a consciência normal.
Não se poderia admitir tampouco que - centenas de personalidades mistificadoras desta espécie se encontrem acordes fortuitamente na invenção das mesmas informações fantasistas, contrárias às vistas da razão humana. Pois que se obtêm, mediunicamente, tantos detalhes concordantes, acerca de circunstâncias que parecem inverossímeis à mentalidade dos vivos, e, pois que esses detalhes são obtidos por intermédio de sensitivos que não podiam imaginá-los conscientemente e que ignoravam que revelações análogas haviam sido consignadas por outros experimentadores, logicamente se deve daí inferir que só uma explicação pode existir para o fato: a de que os detalhes ministrados pelas personalidades espirituais concordam entre si, porque provêm de uma causa única: a observação direta. Em outros termos: se todas as personalidades mediúnicas descrevem as mesmas condições de meio espiritual, com os mesmos detalhes, fundamentais e secundários, e com os mesmos relevos de fundo, isso demonstra que as condições de meio assim descritas são autenticamente espirituais, ao mesmo tempo em que objetivas, permanentes, reais, absolutamente reais.
Outro detalhe fundamental, inteiramente concordante em todas as revelações transcendentais, é o que se refere às fases do sono reparador, a que estariam sujeitos todos as Espíritos recém-chegados ao mundo espiritual. Todas combinam, até na indicação das causas que tornariam necessário esse período de repouso absoluto do Espírito.
Notarei ainda que as revelações concordam todas, admiravelmente, acerca de outro detalhe secundário, contido nessa mesma mensagem e, precisamente, no trecho onde se alude ao insulamento em que se achariam os Espíritos que, durante a vida terrena, se mostraram profundamente egoístas, insulamento determinado pela imperfeição, neles, da faculdade de percepção espiritual, imperfeição que seria uma consequência inevitável da estado rudimentar em que se lhes encontra a espiritualidade. Seguir-se-ia que este insulamento não poderia ter fim, senão quando os Espíritos hajam adquirido uma espiritualidade suficiente para estarem em condições de perceber a presença de Espíritos-guias.
Este último dado, posto incidentemente na mensagem com que nos ocupamos, é teoricamente importante, pois concorda com todos os ensinamentos ministrados a tal respeito por numerosas outras personalidades mediúnicas, que nos ensinam que os Espíritos inferiores não podem perceber os que pertencem às hierarquias superiores. Repito que as concordâncias, referentes aos detalhes secundários, são sempre teórica e progressivamente mais importantes à medida que os detalhes parecem de natureza mais vulgar ou mais estranha. São esses detalhes que provocam a maior surpresa no investigador que trata de comparar entre si as diversas coleções de revelações transcendentais.
Finalmente, importa não esquecer o que o Espírito, de quem vem a mensagem, afirmou primeiramente – sempre de perfeito acordo com os outros, isto é, que não há duas personalidades espirituais que tenham de atravessar as mesmas experiências, após a crise da morte. Esta afirmação é absolutamente racional. Com efeito, se no mundo dos vivos não pode haver duas individualidades que pensem absolutamente da mesma maneira; se, pela lei de afinidade, todo Espírito gravita no plano espiritual que lhe é próprio; e se e pensamento de cada Espírito cria o seu meio objetivo e subjetivo, é certo que não pode haver duas personalidades desencarnadas que devam passar pelas mesmas vicissitudes espirituais. Daí resulta que o ensino de que se trata explica perfeitamente muitas pretendidas contradições das revelações transcendentais, que cumpre se atribuam à variedade infinita dos temperamentos individuais, combinados com os diferentes graus de evolução alcançados no meio terrestre por cada personalidade humana.
Termino, lembrando que Mrs. Jessie Platts foi levada a cogitar de pesquisas mediúnicas e a tentar escrever automaticamente, pela morte de seus dois filhos na guerra. Ela, pois, nada conhecia – ou muito pouco – das doutrinas espíritas e tudo ignorava acerca do conteúdo das outras coleções de revelações transcendentais.


[2] A Crise da Morte: segundo o depoimento dos Espíritos que se comunicam / Ernesto Bozzano; tradução de Guillon Ribeiro – 10ª. Edição – 2ª. reimpressão – Rio de Janeiro: FEB, 2009; págs. 37 a 43.

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