Jorge Hessen Artigos, 31/ago/2015
Um leitor e amigo sugeriu-me
comentar sobre a alimentação carnívora. A princípio, não ignoro que a ingestão
de carne deriva dos nossos vícios milenários de nutrição. Alega-se também que a
nossa atual constituição física ainda depende da alimentação carnívora para a
manutenção da saúde e, por consequência, da vida, pois a carne é proteína e
proteína é necessária para boa formação muscular, inclusive a cardíaca.
Contudo, sei que as substâncias que o nosso corpo necessita também podem ser
retirados dos vegetais.
É importante saber a princípio
se a alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza.
Os Benfeitores disseram a Kardec que em razão “da nossa constituição física, a
carne nutre a carne, do contrário morremos. A lei de conservação nos prescreve,
como um dever, que mantenhamos nossas forças e saúde, para cumprir a lei do
trabalho. Temos que nos alimentar conforme exige a nossa organização
fisiológica [2]”.
Como observamos o ser humano é onívoro [3]
e inclui a necessidade de carne em sua alimentação. Foi o Criador que nos
constituiu fisiologicamente necessitando de carne. O complexo é nos
autoconvencermos de que um dia não necessitaremos mais da carne.
Sem dúvida que a frase “a carne
nutre a carne” justifica a alimentação carnívora sem remorsos. Porém, há os que
defendem que podemos nos esforçar para diminuir a ingestão da carne
paulatinamente. Concordo! Para tais
vegetarianos há indícios de que a dieta carnívora potencializa o advento de
inúmeras doenças que provavelmente têm menores chances de evoluir em pessoas
que fazem uso da dieta vegetariana. Este é um bom argumento para a abstenção (da
carne), até porque , segundo sustentam os Espíritos, “permitido é ao homem
alimentar-se de tudo o que lhe não prejudique a saúde” [4].
Os abstêmios da carne afirmam que há estudos sobre o risco cardiovascular em
vegetarianos e onívoros . Constatou-se
que a alimentação onívora, com excessos de proteínas e gorduras de origem
animal, potencializa eventos cardiovasculares. Ao passo que as dietas à base de
ovo, leite e vegetais ou só vegetais apresentaram menores riscos
cardiovasculares.
Entretanto os cientistas
alertaram que ainda é muito cedo para se estabelecer uma relação entre o
consumo de carne vermelha e laticínios e o câncer de próstata, por exemplo, embora
afirmem que as descobertas fornecem pistas para o estudo da ligação com a
doença. Os abstêmios da carne garantem que a adrenalina produzida no estresse
da morte, as toxinas (lixo metabólico) e a ureia que circulavam no organismo
quando o animal é morto, se impregnam na carne. Fora os micro-organismos
patogênicos: bactérias, vírus, protozoários (nenhum boi ou porco faz check-up
antes de morrer). Lembrando que quase a
metade da carne consumida no Brasil provém de abatedouros clandestinos,
portanto as condições sanitárias são uma roleta- russa, porém com todas as
balas no tambor.
Será que a prática do
vegetarianismo é uma demonstração de evolução espiritual e ser onívoro é, por
si só, um sinal de inferioridade moral? Respondo com Chico Xavier que não dispensava
um bife acebolado com arroz e feijão. Isso não é lenda, é fato! Pela narrativa
dos evangelistas o próprio Cristo comia peixe. O Mestre nunca desaprovou
alimento algum. Comumente recorria à figura do pastor e suas ovelhas. Ora,
pergunto aqui, para que um pastor criava ovelhas? Seria só para adorno caseiro
ou para engordá-las e em seguida comê-las? Se tal situação fosse censurável
perante a vida, o Sublime Senhor não usaria essa metáfora, pois o pastor seria
pior que o lobo.
Sim, Jesus comia peixes,
portanto comia carne (peixe não é vegetal), por isso Ele mesmo advertiu que o
importante não é o que entra na boca do homem, mas o que sai dela. O que não significa aqui que a frase deva ser
interpretada ao pé da letra e de modo extemporâneo para justificar o abuso da
ingestão de carne, até porque o abuso é ilícito em tudo.
Apesar dos nossos vícios
milenários de nutrição e os intransigentes debates em torno do assunto, não
creio que comer carne possa acarretar expiações futuras. Contrariamente, a
carne ainda serve de base alimentar para muita gente. Além disso, a atual
tecnologia tem produzido a carne em laboratório, isso sinaliza um futuro sem
frigoríficos, abatedouros e matadouros que não serão mais necessários.
Sem adentrar no mérito da
decisão particular daqueles que não ingerem carne, que eu respeito
profundamente, recorro a Kardec quando inquiriu aos Espíritos se era importante
abster-se o homem da alimentação animal, ou de outra qualquer, por expiação. Os
Benfeitores explanaram que “era meritório se tal abstenção fosse em benefício
dos outros. Aos olhos de Deus, porém, só há mortificação, havendo privação
séria e útil. Por isso é que qualificamos de impostores os que apenas
aparentemente se privam de alguma coisa [5]”.
A Doutrina Espírita não proíbe
nada; orienta com o apelo que faz à razão. É uma questão de bom-senso! Se a
“carne nutre a carne” nada me obriga a parar de comê-la. Até mesmo porque não
são muitas as pessoas que se despojam de alguma coisa em benefício do próximo.
Os motivos de alguns abstêmios da carne, raramente são muito convincentes; os
discursos tangem para filosofias espiritualistas que não têm maior aproximação
com o Espiritismo.
Faço aqui uma ajuizada
advertência considerando os médiuns que lidam com serviços mediúnicos de
desobsessão. Segundo André Luiz, “a alimentação, durante as horas que precedem
o serviço de intercâmbio espiritual, deve ser leve. Nada de estômago cheio. A
digestão laboriosa consome grande parcela de energia, impedindo a função mais
clara e mais ampla do pensamento, que exige segurança e leveza para exprimir-se
nas atividades da desobsessão [6]”.
“Aconselháveis os pratos
ligeiros e as quantidades mínimas, crendo-nos dispensados de qualquer anotação
em torno da impropriedade do álcool, acrescendo observar que os amigos ainda
necessitados do uso do fumo e da carne, do café e dos temperos excitantes,
estão convidados a lhes reduzirem o uso, durante o dia determinado para a
reunião, quando não lhes seja possível a abstenção total, compreendendo-se que
a posição ideal será sempre a do participante dos trabalhos que transpõe a
porta do templo sem quaisquer problemas alusivos à digestão [7]”.
Ver neste blog “Pesquisadores querem colocar carne artificial
à venda em até 5 anos”, postado em 18/10/2016.
[2] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: ed. FEB.
2001, pergunta 723.
[3] O termo onívoro vem do latim omnis, que significa
todos, e por isso alguns dizem que os onívoros são aqueles capacitados para
consumir qualquer tipo de alimento. Seguindo a definição de que onívoro é o ser
que se alimenta de carnes e vegetais, podemos dizer que o ser humano é onívoro,
embora o hábito de comer carne seja mais ligado a fatores culturais, uma vez
que o aparelho digestivo humano se assemelha mais ao dos seres herbívoros.
[4] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: ed. FEB.
2001, pergunta 722.
[5] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: ed. FEB. 2001,
perg.724.
[6] XAVIER, Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. Desobsessão,
Cap. II, RJ: Ed. FEB, 1973.
[7] Idem.