Não menos positivo é o fato do erguimento de uma pessoa; mas, é algo
muito mais raro, porque é mais difícil de ser imitado. É sabido que o Sr. Home
se elevou mais de uma vez até ao teto, dando assim volta à sala.
Dizem que S. Cupertino possuía a mesma faculdade, não sendo o fato mais
miraculoso com este do que com aquele.
A. Kardec, "A Gênese", Cap. XIV, "Os fluidos", II -
Explicação de alguns fenômenos considerados sobrenaturais.
Estaria o Século XXI pronto para confrontar fenômeno destruidor de
paradigmas, a levitação? (M. Grosso[2])
O fenômeno mediúnico
manifesta-se das mais variadas maneiras, numa escala de força e tempo que ainda
nos é desconhecida. Quando surgem as circunstâncias favoráveis, eclodem sem
consideração por fé, crença ou ponto de vista. Se há manifestações tão singelas
e apagadas que passam despercebidas da maioria, por outro lado, há as que
causam admiração e espanto, tamanho o grau de aparente desrespeito às leis
naturais - porque representam operação de leis desconhecidas - que imprimem as
suas testemunhas. A revista "Edge Science" de Dezembro de 2015
(número 242) traz um artigo interessante de Michael Grosso sobre uma
figura lendária da Igreja, o santo S. José de Cupertino (160-1663). José de
Cupertino (Giuseppe da Copertino) foi canonizado por Clemente XIII em 1767 e,
até hoje, é adorado por Católicos que veem nele uma das 200 derrogações (ou
suspensões) das leis naturais por obra direta de Deus que a Igreja conta entre
seus santos. Por que? Eis uma das histórias que se conta, segundo M. Grosso2:
Próximo ao natal de 1632, o
Padre Giuseppe convidou alguns pastores a trazer seus instrumentos musicais
para tocar na igreja de Grotella, na Itália. Ao entrarem na igreja, começou José
a cantar e dançar. Mais tarde os pastores narraram sob juramento o que
aconteceu: "Padre Giuseppe estava tão feliz que começou a dançar no centro
da nave ao som das flautas. De repente, suspirou em voz alta e gritou, voando
pelos ares como um pássaro, até metade da distância do teto, onde continuou a
dançar acima do altar principal. Isso foi ainda mais formidável, pois o altar
estava repleto de velas acesas e ele permaneceu entre elas sem derrubar
nenhuma. Ficou naquela posição, com seus joelhos acima do altar, abraçado ao
tabernáculo por cerca de quinze minutos e então retornou, sem causar qualquer
transtorno. Seus olhos estavam cheios d'água e disse: 'Louvado seja Deus, meus
irmãos'. Permanecemos todos em admiração e disse comigo mesmo: 'Isso sim é que
é um milagre'“[3].
José de Copertino tinha a
incrível capacidade de levitar, fenômeno que ocorreu por 35 anos ininterruptos
até seu falecimento. Antes da manifestação de voo, José caia numa espécie de
"êxtase", conforme descrito por seus biógrafos. O mais difícil é
desacreditar as milhares de testemunhas que viram José levitar sob pena de se
chegar a uma explicação ridícula ou anacrônica. Nas palavras de M. Grosso2:
Poderíamos nos perguntar: dado
que José era tão submisso e aparentemente pouco inteligente[4],
como pôde ele enganar tantas pessoas, algumas inclusive bastante ilustres? De
acordo com registros históricos, José levitou diante do Papa Urbano VIII,
vários cardiais, médicos, o Rei da Polônia, o Duque de Brunswick, a Princesa de
Savoia e numerosas outras personalidades VIP’s. Podemos concluir que nenhum
deles era esperto o suficiente para desmascarar esse impostor? Poderia José ter
enganado o Papa Bento XIV (Prosper Lambertini), conhecido por ser um
racionalista? A alternativa a essa explicação é que todos esses dignatários
eram parte de uma ilusão em massa para criar a imagem de um padre voador. Mas,
com que objetivo? E, por que, depois de tantos séculos, ninguém se apresentou
para revelar a verdade sobre tal conspiração?
As evidências de levitação de
José de Cupertino têm um peso ainda maior porque, segundo2, durante
a contra-reforma protestante, a Inquisição chegou a encarcerar José,
proibindo-o de realizar a missa ou participar de procissões públicas. As
autoridades inquisitoriais não queriam que a população o vissem voar e, assim,
buscassem no padre curas e outros milagres, como está fartamente registrado em
autos de várias paróquias como Grotella, Nápoles, Roma, Nardo, Pietra Rubbia,
Osimo e Fossombrone2. Pode-se dizer qualquer coisa da ética dos
métodos e das motivações do tribunal do Santo Ofício, mas o fato é José foi
preso justamente pela comoção pública causada por seus voos, e seria ele um
caso de fogueira se descobrissem uma impostura. O estado de êxtase em que a
população ficava ao ver o fenômeno alarmou outras paróquias que procuram na
Inquisição uma maneira de parar as manifestações.
José de Cupertino e a
mediunidade de efeitos físicos
Segundo M. Grosso em2,
a época de José de Cupertino era um tempo que pessoas eram queimadas vivas caso
não tivessem as "credenciais de fé" necessárias. Portanto, os
registros históricos confirmam a realidade do fenômeno da levitação e criam um
problema difícil para os céticos. É o que chamamos de "anomalia". A
explicação do fato, portanto, deve ser outra. Ainda segundo Grosso:
Quando olho para as fontes
históricas das narrações sobre José, encontro registros bem documentados,
narrativas que descrevem fenômenos estranhos, não somente levitação: histórias
de fragrâncias inexplicáveis que persistiam por meses ou anos impregnadas a
objetos, descrições sobre curas, do que hoje se chama de "telepatia"
ou que, no Século XVII, era conhecido com "leitura dos corações" ou
"discernimento" e, finalmente, a vida de José foi capaz de gerar
muitos documentos que descrevem suas profecias e clarividência. Domenico
Bermini, um historiador eclesiástico, afirma em uma biografia de José (de 1722)
que ele registrou 22 profecias de pessoas que iriam falecer2.
Manifestações de efeitos físicos
são pródigas em fenômenos de levitação (o caso das mesas girantes) e curas. E
as tais "profecias" descritas pelos biógrafos de José de Cupertino
atestam sua capacidade mediúnica intelectual, sua habilidade de ouvir ou
receber informações dos Espíritos sobre fatos à distância - particularmente
associados ao estado de pessoas próximas à desencarnação. Ainda que Espíritos
não apareçam3 no que se produziu dos relatos do santo (e não
poderiam aparecer, pois aquela era uma época de perseguições aos que não
estavam de acordo com a fé ortodoxa), o que temos dos relatos é suficiente para
caracterizá-lo como um dos mais poderosos médiuns que já passou pela Terra.
Os fenômenos espíritas, bem como
os magnéticos, antes que suas causas fossem conhecidas, tiveram que passar por
prodígios. Ora, como os céticos, os espíritos fortes, isto é, os que têm o
privilégio exclusivo da razão e do bom-senso, não creem que uma coisa seja
possível desde que não a compreendem. É por isso que todos os fatos tidos como
prodigiosos são objeto de suas zombarias. Como a religião contém grande número
de fatos desse gênero, não creem na religião. Daí à incredulidade absoluta há
apenas um passo. Explicando a maioria desses fatos, o Espiritismo lhes dá uma
razão de ser. Ele, pois, vem em auxílio à religião, demonstrando a
possibilidade de certos fatos que, por não mais terem caráter miraculoso, não
são menos extraordinários; e Deus nem é menos grande, nem menos poderoso por
não haver derrogado as suas leis. De quantos gracejos não foram objeto as levitações
de São Cupertino? Ora, a suspensão no ar dos corpos pesados é um fato explicado
pelo Espiritismo. Nós, pessoalmente, fomos testemunha ocular, e o Sr. Home,
como outras pessoas de nosso conhecimento, repetiram várias vezes o fenômeno
passado com São Cupertino. Assim, o fenômeno entra na ordem das coisas
naturais.
Além da citação acima, Kardec
mais de uma vez comentou sobre a descrença e escárnio que sempre acompanhava as
referências a José de Cupertino. Na Revista Espírita de Outubro de 1859, artigo
"Os Milagres", escreve: "De quantas graçolas não foram objeto as
levitações de São Cupertino?" Tal fenômeno tem a mesma causa dos médiuns[6]
D. D. Home (1833-1886) e C. C. Mirabelli (1889-1951), por exemplo, que
realizaram levitações no Século XIX na Europa e XX no Brasil, respectivamente.
Mas, no artigo de M. Grosso, temos a confirmação da mediunidade de José de
Cupertino, pela presença de outras manifestações espontâneas, típicas da
mediunidade de efeitos físicos e intelectuais.
Qualquer que seja o ponto de vista que se
tenha sobre os voos de S. Cupertino, os registros históricos permanecem como
seus testemunhos e não permitem fácil interpretação em termos de teorias de
conspiração, alucinação em massa ou fraude. Fazem eles parte de uma época em
que fraudes teriam vida curta, tanto por conta da existência de uma polícia
doutrinária que punia severamente os que se aventuravam a zombar da fé
hegemônica, como pela titularidade e inteligência dos notáveis que assistiram o
fenômeno mais de uma vez.
Continuarão os céticos a duvidar
dentro de seu direito. No Século XXI, qualquer registro fotográfico de um
genuíno fenômeno de levitação seria facilmente explicado como manipulações de
softwares como o "Photoshop". Céticos mais duros exigiriam, para
aceitá-lo, um número arbitrário de demonstrações nas mais exóticas condições
possíveis, que levariam o médium à loucura. De nossa parte, ficamos contentes
em descobrir na história mais um exemplo de mediunidade rara de efeitos
físicos, que confirma as regularidade - não obstante peculiaridade - das
manifestações mediúnicas descobertas pelos pioneiros do Espiritismo. Podemos
dizer que José de Cupertino, duzentos anos antes, antecedeu o fenômeno das
mesas girantes do alvorecer do Espiritismo; tendo sido provavelmente ajudado por
muitos Espíritos em suas manifestações de voo. Seu caráter piedoso o tornou
insuspeito ao Santo Ofício, que procurou cercear entretanto as manifestações.
Tivesse as mesas girantes surgido naquela época, tal como aconteceu no Século
XIX, muitas pessoas teriam ido para a fogueira.
[2] M. Grosso (2015) Ectasy and Gravitation: The
Levitation of Joseph of Copertino. Edge
Science, n. 24. Um publicação da Society for Scientific Exploration. A revista
pode ser acessada em: http://microver.se/sse-pdf/edgescience_24.pdf (Acesso: dez. 2015)
[3] M. Grosso (2016). The Man Who Could Fly: St. Joseph of
Copertino and the Mystery of Levitation. Rowman
& Littlefield, p. 79.
Ele era carente de
capacidade intelectual a ponto de chamar-se a si mesmo de “Frei Burro”. Mas,
cheio de luzes sobrenaturais, discorria em profundidade sobre temas teológicos
e resolvia intrincadas questões que lhe eram apresentadas.
[5] A. Kardec (1860) O Maravilhoso e o sobrenatural.
Revista Espírita, Edição de setembro.
[6] Outros médiuns menos conhecidos e associados às
manifestações de levitação são: Amadee Zuccarini, Einer Nielsen, Boerge
Michaelsen e Colin Evans, esse último, entretanto, considerado um impostor
segundo os autores céticos da Wikipédia. Há ainda o caso de uma levitação do
faquir Subbayah Pullavar. Ver http://www.spiritarchive.org/levitation-of-humans.html
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