A Física Quântica é uma das teorias mais
bem-sucedidas da Ciência, ao mesmo tempo uma das menos compreendidas pelos
cientistas. Graças a ela, a tecnologia atingiu patamares jamais imaginados
antes da metade do século passado. Seus efeitos na sociedade e, em particular,
na economia são marcantes, como o fato de 30% do PIB norte-americano decorrer
de produtos oriundos de aplicações do conhecimento da teoria quântica[2].
Mas o que, afinal, é a física quântica? Ela é,
simplesmente, uma teoria da matéria. Ela foi desenvolvida para explicar e
descrever, quantitativamente, o comportamento da matéria em escalas de tamanho
micro e nanoscópicas. Uma excelente introdução à física quântica, escrita para
o entendimento dos espíritas, pode ser encontrada no blog “Era do Espírito”[3].
Mas, se é uma teoria da matéria, por que o
movimento espírita tem demonstrado enorme interesse na física quântica?
Há duas razões principais para isso. A
primeira decorre de diversas interpretações ‘estranhas’ dessa teoria, que
lembram conceitos místicos. Como essas interpretações são bem diferentes da
percepção que temos dos fenômenos cotidianos, elas fazem pensar que os
fenômenos espíritas (também considerados diferentes da percepção que temos dos
fenômenos cotidianos) devem ter relação direta com essas interpretações.
Exemplos de interpretações ‘estranhas’ da física quântica: um objeto estar em
mais de um lugar ao mesmo tempo; influência do observador nas medidas
experimentais; uma partícula que pode se comportar como uma onda e vice-versa;
a existência de universos paralelos; ligação não local etc. Essas
interpretações são estranhas porque elas são tentativas de se entender o
comportamento das partículas microscópicas com as mesmas noções de espaço,
tempo e movimento que temos do mundo macroscópico, através dos nossos cinco
sentidos.
Nem sempre é correto
ou científico forçar a relação entre
teorias distintas
A segunda razão para o interesse espírita na
física quântica são as seguintes palavras de Kardec: “Caminhando de par com o
progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas
lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria
nesse ponto”. (Item 55 do cap. I de A
Gênese[4]).
Como a física quântica é uma das teorias mais
bem-sucedidas na Ciência, isso levou alguns companheiros, bem-intencionados,
diga-se de passagem, a pensar que: se o Espiritismo estiver em sintonia com a
física quântica, então ele estará em sintonia com as ‘novas descobertas’ da
Ciência. Mas o problema com essa linha de raciocínio é que nem tudo na natureza
é descrito pela física quântica, nem tudo precisa estar em sintonia com ela
para ‘caminhar de par com o progresso’, e o que costuma ser mais grave, nem
sempre é correto e científico forçar a relação entre teorias distintas.
Na tentativa, então, de ver o Espiritismo
valorizado e em sintonia com a Ciência, alguns companheiros têm divulgado
‘extrapolações’ dos conceitos da teoria quântica para explicar ou descrever os
conceitos e fenômenos espíritas. ‘Extrapolar’ uma teoria científica é
utilizá-la para descrever fenômenos para os quais ela não foi originalmente
desenvolvida, sem realizar experimentos
metódicos que comprovem essa utilização. Como consequência, tem-se visto no
meio espírita a utilização de termos como ‘Deus quântico’, ‘alma quântica’,
‘consciência quântica’, ‘reencarnação e física quântica’, ‘cura quântica’,
‘pensamento quântico’, ‘comprovação do Espiritismo pela física quântica’ etc.
A questão que pretendemos examinar aqui é se
essas extrapolações não escondem uma armadilha para o conhecimento espírita. No
discurso, essas extrapolações soam como confirmações da Ciência para conceitos
espíritas. Mas, ao esmiuçar o significado dos conceitos da física quântica, o
que eles representam e quais as suas bases e dependências, vemos que elas (as
extrapolações) trazem mais problemas do que soluções. O principal problema é
que essas extrapolações representam um apoio direto ao materialismo.
A teoria quântica tem
uma relação muito forte de dependência
com a matéria
No máximo, os conceitos da física quântica
podem servir, um dia, para a descrição do comportamento e das propriedades dos
fluidos espirituais. Mas não servem para definir ou caracterizar conceitos como
Deus, a alma, o pensamento, a reencarnação e outros.
A explicação para isso é, na verdade, bem
simples. É que a teoria quântica tem uma relação muito forte de dependência com
a matéria. Ela só é aplicável a coisas materiais, como partículas ou ondas.
Segundo a física quântica (vide nota 2 acima), toda informação que podemos ter
de um sistema material está contida na chamada ‘função de onda’, que é uma
função matemática que contém os valores possíveis para todas as propriedades
mensuráveis do sistema material. Segundo a física quântica, não existe ‘função
de onda’ desassociada de um sistema material. Assim, se um conceito espírita
depender de conceitos quânticos, então esse conceito espírita terá que estar
associado a um sistema material. Isso não é problema quando se pensa apenas nos fluidos espirituais que, como ensinam os
Espíritos na questão 27 d´O Livro dos Espíritos[5]
(LE) e itens de 2 a 6 do cap. XIV de A Gênese (vide nota 3 acima), são
modificações e transformações do fluido universal, que é o princípio material.
Mas os conceitos quânticos não podem ser diretamente ligados a conceitos como
Deus, a alma, a inteligência, ou com fenômenos e processos como reencarnação e
mediunidade, exceto na contraparte fluídica dos mesmos.
Quais os prejuízos para o movimento espírita
de se agregar conceitos que envolvam a relação entre física quântica e
Espiritismo? Primeiro, temos a questão da fé
inabalável: “Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em
todas as épocas da Humanidade” (Kardec, item 7 do cap. XIX d´O Evangelho
segundo o Espiritismo[6]
(ESE)). Como encarar a razão dos que conhecem a fundo a física quântica e sabem
que ela não se aplica a conceitos espiritualistas?
Seria a reencarnação,
como querem alguns, explicada pela
física quântica?
Todo conceito espírita tem que estar embasado
na mais pura e cristalina verdade científica e filosófica para poder encarar a
razão da Ciência, dos críticos, dos céticos e de todos os que, por interesses
quaisquer, combatem a mensagem de amor e caridade da terceira revelação. Todo
conceito espírita precisa ter bases sólidas na razão e no bom senso para que a
divulgação do Espiritismo se faça clara e simples para todos que o buscam. Isso
é condição absolutamente necessária para uma das maiores caridades que se pode
fazer no meio espírita, segundo Emmanuel:[7]
“a maior caridade que podemos fazer pela Doutrina Espírita é a sua própria
divulgação”.
Outro problema é a falta de
coerência com os princípios espíritas, o que pode dar margem a uma preocupação
antiga de Kardec quando falou dos espíritas exaltados (O Livro dos Médiuns, cap.
III, item 28):[8] “O
pior é que, sem o quererem, dão armas
aos incrédulos, que antes buscam ocasião de zombar, do que se convencerem e
que não deixam de imputar a todos o
ridículo de alguns”. (Grifos em negrito, meus.) Segundo Kardec, um espírita
exaltado é aquele que “Em Espiritismo, infunde confiança demasiado cega e
frequentemente pueril, no tocante ao mundo invisível, e leva a aceitar-se, com
extrema facilidade e sem verificação, aquilo cujo absurdo, ou impossibilidade a reflexão e o exame demonstrariam”. (Grifos em negrito,
meus.) No caso, a exaltação ocorre na utilização apressada e sem demonstração
da física quântica na descrição de conceitos espíritas.
Vejamos um exemplo de ‘absurdo’ ou
‘impossibilidade’ que decorre de se interpretar o conceito de alma como sendo
uma ‘função de onda’:
Conhecido estudioso da física
quântica e suas relações com conceitos hinduístas propôs que, ao considerar a
alma como uma ‘função de onda’, a reencarnação seria explicada pela física
quântica.
O Espiritismo é uma
doutrina muito bem embasada nos fatos e
fenômenos
O problema é que, segundo esse mesmo
estudioso, se a alma for uma ‘função de onda’, no intervalo entre uma
encarnação e outra não pode haver vida consciente no mundo espiritual. Para se
ter uma ideia das consequências disso, basta dizer que obras como Nosso Lar, de
André Luiz, e outras não deveriam existir porque a alma como uma ‘função de
onda’, na erraticidade, permaneceria num estado inconsciente até renascer num
novo corpo[9].
Ou seja, apoiar essa teoria ‘quântica’ da alma é contradizer o que ensina o
Espiritismo! Admitir isso é fornecer munição para os adversários do Espiritismo
dizerem que os espíritas não têm conhecimento de sua própria doutrina.
Temos publicado outros exemplos de análise de
teses e teorias espiritualistas que, embora fraternas e bem-intencionadas,
utilizam conceitos da física de modo superficial e equivocado para propor
práticas incondizentes com a Doutrina Espírita[10]
e [11].
O Espiritismo é uma doutrina muito bem embasada nos fatos e fenômenos; muito
bem analisada e discutida em termos filosóficos; e muito bem clara nas
consequências de natureza moral de profundo alcance religioso. Simples nos seus
propósitos de regeneração da humanidade através da regeneração de cada um de
nós, a Doutrina Espírita é a única
doutrina conhecida na humanidade que tem um duplo caráter de uma revelação:
o caráter divino e o científico (Kardec, item 13 do cap. I de A Gênese – vide
nota 3 acima). É importante, portanto, valorizar o Espiritismo na forma como
foi revelado pelos bons Espíritos, não por fé cega ou fanatismo, mas para
podermos estudá-lo, compreendê-lo e, acima de tudo, trabalhá-lo no seu
progresso com conhecimento de causa, sem os riscos dos sofismas da razão, e
para desenvolvê-lo dentro dos parâmetros de qualidade e seriedade que o
tornarão cada vez mais conhecido, respeitado e, sobretudo, aproveitado por
todos.
[2] Fernanda Vilela, reportagem: “Mas, afinal, o que é
física quântica?”, site Agência Ciência Web, link: https://agenciacienciaweb.wordpress.com/2012/10/18/mas-afinal-o-que-e-fisica-quantica/ (Acessado em 11
de Outubro de 2015.)
[3] A. Xavier Jr., “Conceitos Básicos de Física Quântica
I-VI”, blog Era do Espírito, link: http://eradoespirito.blogspot.com/2012/02/conceitos-basicos-de-fisica-quantica-i.html http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/03/conceitos-basicos-de-fisica-quantica-ii.html http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/05/conceitos-basicos-de-fisica-quantica.html http://eradoespirito.blogspot.com.br/2012/08/conceitos-basicos-de-fisica-quantica-iv.html http://eradoespirito.blogspot.com.br/2013/02/conceitos-basicos-de-fisica-quantica-v.html http://eradoespirito.blogspot.com.br/2014/03/conceitos-basicos-de-fisica-quantica-vi.html (Todos os links
acessados em 11 de Outubro de 2015.)
[4] A. Kardec, A Gênese, Editora FEB, 36ª Edição, Rio de
Janeiro (1995).
[5] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76ª Edição,
Rio de Janeiro (1995).
[6] A. Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo, Editora
FEB, 112ª Edição, Rio de Janeiro (1996).
[7] F. C. Xavier e W. Vieira, Estude e Viva, pelos
Espíritos Emanuel e André Luiz, Editora FEB, 11ª Edição, Rio de Janeiro (2005).
[8] A. Kardec, O Livro dos Médiuns. Editora FEB, 96ª
edição, Rio de Janeiro (1996).
[9] A. F. da Fonseca, “A obra ‘A Física da Alma’ e o
Espiritismo”, O Consolador 188, (2010).
Link: http://www.oconsolador.com.br/ano4/188/especial.html (Acessado em 12
de Outubro de 2015.)
[10] A. F. da Fonseca, “Apometria: nem Ciência, nem
Espiritismo”, Reformador 2.224, p. 403 (2014).
[11] A. F. da Fonseca, “A Transmissão do Pensamento é um
Fenômeno Não-Local?”, Jornal de Estudos Espíritas 2, art. n. 010302 (2014).
Acesso através do link: https://sites.google.com/site/jeespiritas/volumes/volume-2---2014/resumo---art-n-010302 (Acessado em 14
de Outubro de 2015.)
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