MARCUS VINICIUS DE AZEVEDO BRAGA
acervobraga@gmail.com
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)
Vou começar contando uma
história que me contaram recentemente... Em uma juventude espírita, certo dia
surgiu um jovem com alto grau de ceticismo, e, no meio do estudo, ele começou a
questionar os pilares da doutrina – Deus, imortalidade, reencarnação,
mediunidade – com argumentos sólidos e bem construídos, de quem sabia do que
estava falando.
A dirigente da Juventude, em uma
demonstração de sagacidade, ao invés de reprimir o jovem “quizumbeiro”, deixou
o barco correr para ver como os jovens iam se portar. Os jovens titubearam, e
na argumentação não lograram sustentar as suas convicções frente a tantos
questionamentos de interlocutor tão assertivo.
Obviamente, o menino cético
sumiu na semana seguinte e a dirigente aproveitou, pelo princípio da
oportunidade, o ocorrido de forma construtiva e, na próxima aula, trouxe a
temática da fé raciocinada, em rica discussão que provocou os jovens.
Parabenizando essa lúcida
orientadora de juventude, temos que esse caso nos leva a uma profunda
reflexão... Como estamos construindo a nossa fé raciocinada? Estamos nos
pautando pela lógica, pela pesquisa, pela reflexão e pelo estudo? Estamos
construindo uma fé sólida, que convive com a razão e com a dúvida, ou nos
acomodamos na postura do que é assim porque está escrito na pergunta tal de O
Livro dos Espíritos?
A via das simplificações, dos
livros sagrados, da pasteurização, dos resumos e superficialidades não resiste
a uma ventania mais forte, como no exemplo de Jesus da casa construída na
areia, ou ainda, no exemplo concreto trazido aqui, que é uma replicação do que
passamos todos os dias na rua, no trabalho, diante dos jornais, nos quais a
nossa convicção é posta à prova, não em um sentido do “eu acredito”, mas sim do
“eu faço”.
Kardec, ao falar n’ “O Evangelho
segundo o Espiritismo” da fé raciocinada, traz um trecho magistral quando diz:
“A fé raciocinada, aquela que se apoia nos fatos e na lógica, é clara, não
deixa atrás de si nenhuma dúvida. Acredita-se porque se tem a certeza, e só se
tem a certeza quando se compreendeu. Eis por que não se dobra, pois somente é
inabalável a fé que pode encarar a razão face a face, em todas as épocas da
Humanidade”.
Situação que ele exemplifica em
vários momentos da origem do Espiritismo, em especial nos célebres debates com
o cético e com o crítico, na obra “O que é o Espiritismo”, nos quais Kardec
sustenta com argumentos e fatos suas convicções, situação que fazemos hoje em
melhor posição, pois, no que tange à fenomenologia, por exemplo, avançou-se
muito nos estudos sobre diversas situações que corroboram os postulados
espíritas.
Note, estimado leitor, que não
falamos aqui em se envolver em uma cruzada de tertúlias filosóficas na escola e
no trabalho tentando angariar adeptos para as fileiras espíritas pela
argumentação, em exercícios de maiêutica. Essa construção de convicção é para
nós mesmos, para sustentar nossa fé e nossos exemplos, em especial nos momentos
difíceis, e muito fáceis, que abalam a nossa fé, por ela confrontar a nossa
conduta. Fé cega é uma faca amolada, já dizia o compositor Milton Nascimento!
E para construir essa convicção
sólida, não vejo outro caminho que não o estudo disciplinado, a discussão em
grupos, a luz de textos consistentes, em especial das chamadas obras básicas,
ilustrado por outras obras respeitáveis, relacionando essas ideias ao
cotidiano, por exemplos concretos, na articulação de teses e antíteses que
constroem sínteses.
Um caminho longo, mas árduo, que
sedimenta o conhecimento espírita, fugindo da sedução de visões simplistas,
abordagens superficiais, resumos, palestras, romances, em conteúdos soltos e
frágeis, que uma vontade mais determinada ou um problema mais sério derrubam
como uma árvore podre na ventania.
A fé raciocinada é um grande
desafio proposto pelo Espiritismo, e nos vacina de males antigos, como o
fanatismo, o desânimo e a exploração religiosa. Ilumina a prática do bem, a
ação mediúnica, sobrepondo a quantidade pela qualidade. Espíritas convictos,
trabalhadores coerentes!
Fugir disso é o dogma, o
conteudismo, o formalismo, e já assistimos a esse filme e já sabemos como ele
vai terminar... Depois, nos restará o espanto diante de práticas estranhas, a
importação de paradigmas, de causas, o assistencialismo, e as curiosas
tentativas de se padronizar corações e mentes, ideias essas que ferem o cerne
do Espiritismo.
A trinca de atividades –
estudo-mediunidade-caridade – presente nas casas espíritas compreende todas as
fontes de conhecimento, todos os estudos-ação, por causa da reflexão e da
mudança de disposições íntimas que elas proporcionam. Tudo é estudo, em tudo se
aprende! Mas o estudo tem a propriedade de fazer o “visgo” que relaciona no
plano mental essas reflexões.
Como os jovens da história,
terminamos pensativos sobre a fé raciocinada, nos perguntando em que base andam
assentadas as nossas crenças, pois que devemos refletir sobre esse conceito
trazido por Kardec, de uma fé adjetivada da luz da razão, que nos robustece em todas
as épocas de existência como encarnados.
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