quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Insegurança e crises[1]




Esboroam-se, sob os camartelos das revoluções hodiernas, os edifícios da tradição ultramontana, cedendo lugar às apressadas construções do desequilíbrio, sem memória ancestral, sem alicerce cultural.
Ruem, diante dos abalos da ciência tecnológica, o empirismo passadista e as obras da arbitrária dominação totalitária, substituídos pelo alucinar das novas maquinações de aventureiros desalmados, perseguindo suas ambições imediatistas a prejuízo da sociedade, do indivíduo.
A política desgovernada exibe os seus corifeus, que se fazem triunfadores de um dia, logo passando ao anonimato, repletos de gozos e valores perecíveis, a intoxicar-se nos vapores dos vícios e das perversões em que falecem os últimos ideais que ainda possuíam.
Os direitos humanos decantados em toda parte sofrem o vilipêndio daqueles que os deveriam defender, em razão do desrespeito que apresentam diante das leis por eles mesmos elaboradas, em desprezo flagrante às Instituições que se comprometeram socorrer, por descrédito de si próprios.
A anarquia substitui a ordem e as transformações sociais apressadas não têm tempo de ser assimiladas, porque substituídas pelos modismos que se multiplicam em velocidade ciclópica.
Velhos dogmas, nascidos e cultivados no caldo da ignorância, são esquecidos e nascem as ideias liberais revolucionárias, que instigam o homem fraco contra o seu irmão mais forte gerando ódios, quando deveriam amansar o lobo ameaçador, a fim de que, pacificado, pudesse beber na mesma fonte com o cordeiro sedento, que lhe receberia proteção dignificadora.
As circunstâncias externas do inter-relacionamento das criaturas, fenômeno consequente ao desequilíbrio do indivíduo, engendram no contexto hodierno a insegurança, que fomenta as crises.
Sucedem-se, desse modo, as crises de autoridade, de respeito, de honradez, de valores ético-morais, e a desumanização da criatura assoma nos painéis do comportamento, insensibilizando-a pelo amolentamento emocional ou exacerbação, na volúpia do prazer e da violência conduzidos pelas ambições desmedidas.
As crises respondem pela desconfiança das pessoas, umas em relação às outras, pelo rearmamento belicoso de uns indivíduos contra os outros, pela agressividade automática e atrevida.
A queda do respeito que todos se devem, respeito este sem castração nem temor, estimula a indisciplina que começa na educação das gerações novas, relegadas a plano secundário, em que se cuidam de oferecer coisas, em mecanismos sórdidos de chantagem emocional, evitando-se dar amor, presença, companheirismo e orientação saudável.
A crise de autoridade responde pela corrupção em todas as áreas, sob a cobertura daqueles que deveriam zelar pelos bens públicos e administrá-los em favor da comunidade, pois que, para tal se candidataram aos postos de comando, sendo remunerados pelos contribuintes para este fim. Como efeito, os maus exemplos favorecem a desonestidade, discreta e pública, dos membros esfacelados do organismo social enfermo, preparando os bolsões de miséria econômica, moral, com todos os ingredientes para a rebelião criminosa, o assalto a mão armada, o apropriamento indébito dos bens alheios, a insegurança geral. O que se nega em compromisso de direito, é tomado em mancomunação da força com o ódio.
Mesmo os valores espirituais do homem se apresentam em crise de pastores, e amigos, capazes de exercerem o ministério da fé religiosa com serenidade, sem separativismo, com amor, sem discórdia na grei, com fraternidade, sem disputas da primazia, sem estrelismo.
Nas várias escolas de fé espocam a rebelião, as disputas lamentáveis, a maledicência ácida ou o distanciamento formando quistos perigosos no corpo comunitário.
O homem apresenta-se doente, e a sociedade, que lhe é o corpo grupal, encontra-se desestruturada em padecimento total.
As crises gerais, que procedem da insegurança individual, são, por sua vez, responsáveis por mais altas e expressivas somas de desconforto, insatisfação, instabilidade emocional do homem, formando um círculo vicioso que se repete, sem aparente possibilidade de arrebentar as cadeias fortes que o constituem.
Vitimado por sucessivos choques desde o momento do parto, quando o ser é expulso do claustro materno, onde se encontrava em segurança, este enfrenta, desequipado, inumeráveis desafios que não logra superar. Chegando a idade adulta, ei-lo receoso, desestruturado para enfrentar a maquinaria insensível dos dias contemporâneos, em que a eletrônica e a robótica são conduzidas, porém, avançam, tomando o controle da situação e, lentamente, reduzindo-o a observador das respostas e imposições digitadas, apertando ou desligando controles e submetendo-se aos resultados preestabelecidos, sem emoção, sem participação pessoal nos dados recolhidos.
Noutras circunstâncias, ou em estado fetal, experimenta os choques geradores de insegurança, no comportamento da gestante revoltada diante da maternidade não desejada e até mesmo odiada. O jogo de reações nervosas, as vibrações deletérias da revolta contra o ser em formação, atingem-lhe os delicados mecanismos psíquicos, desarmonizando os núcleos geradores do futuro equilíbrio, sob as chuvas de raios destruidores, que os afetam irreversivelmente.
O que o amor poderia realizar posteriormente e a educação lograr em forma de psicoterapia, ficam, à margem, sob os cuidados de pessoas remuneradas, sem envolvimento emocional ou interesse pessoal, produzindo marcas profundas de abandono e solidão, que ressurgirão como traumas danosos no desenvolvimento da personalidade.
A par dos fatores sóciomesológicos, outras razões são preponderantes na área do comportamento inseguro, que são aquelas que procedem das reencarnações anteriores, malogradas ou assinaladas pelos golpes violentos que foram aplicados pelo Espírito em desconcerto moral, ou que os padeceu nas rudes pugnas existenciais.
Assinalando com rigor a manifestação da afetividade tranquila ou desconfiada, aquelas impressões são arquivadas no inconsciente profundo, graças aos mecanismos sutis do perispírito. O homem é um ser inacabado, que a atual existência deverá colaborar para o aperfeiçoamento a que se encontra destinado. Faltando-lhe os recursos favoráveis ao ajustamento, torna-se uma peça mal colocada ou inadaptada na complexidade da vida social, somando à sua a insegurança dos outros membros, assim favorecendo as crises individuais e coletivas.
Por desinformação ou fruto de um contexto imediatista consumista, elaborou-se a tese de que a segurança pessoal é o resultado do ter, que se manifesta pelo poder e recebe a resposta na forma de parecer. Todos os mecanismos responsáveis pelo homem e sua sobrevivência se estribam nessas propostas falsas, formando uma sociedade de forma, sem profundidade, de apresentação, sem estrutura psicológica nem equilíbrio moral.
Trabalhando somente no exterior, relega-se, a plano secundário ou a nenhum, o sentido ético do ser humano, da sua realidade intrínseca, das suas possibilidades futuras, jacentes nele mesmo.
O homem deve ser educado para conviver consigo próprio, com a sua solidão, com os seus momentâneos limites e ansiedades, administrando-os em proveito pessoal, de modo a poder compartir emoções e reparti-las, distribuir conquistas, ceder espaços, quando convidado à participação em outras vidas, ou pessoas outras vierem envolver-se na sua área emocional.
Desacostumado à convivência psíquica consciente com os seus problemas, mascara-se com as fantasias da aparência e da posse, fracassando nos momentos em que se deve enfrentar, refletido em outrem que o observa com os mesmos conflitos e inseguranças. As uniões fraternais então se desarticulam, as afetivas se convertem em guerras surdas, o matrimônio naufraga, o relacionamento social sucumbe disfarçado nos encontros da balbúrdia, da extravagância, dos exageros alcoólicos, tóxicos, orgíacos, em mecanismos de fuga da realidade de cada um.
A educação, a psicoterapia, a metodologia da convivência humana devem estruturar-se em uma consciência de ser, antes de ter; de ser, ao invés de poder, de ser, embora sem a preocupação de parecer.
 Os valores externos são incapazes de resolver as crises internas, aliás, não poucas vezes, desencadeando-as.
O que o homem é, suas realizações íntimas, sua capacidade de compreender-se, às pessoas e ao mundo, sua riqueza emocional e idealística, estruturam-no para os embates, que fazem parte do seu modus vivendi e operandi , neste processo incessante de crescimento e cristificação.
A coragem para os enfrentamentos, sem violência ou recuos, capacita-o para os logros transformadores do ambiente social, que deslocará para o passado a ocorrência das crises de comportamento, iniciando-se a era de construção ideal e de reconstrução ética, jamais vivida antes na sua legitimidade.
Os conceitos do poder e da força estão presentes na sistemática governança dos povos. Sempre os militares governaram mais do que os filosóficos, e o poder sempre esteve por mais tempo nas mãos dos violentos do que na sabedoria dos pacíficos, gerando as guerras exteriores, porque os seus apaniguados viviam em constantes guerras íntimas, inseguros, aguardando a traição dos fracos que, bajuladores, os rodeavam, e a audácia dos mais fortes, que lhes ambicionavam o poderio, terminando, quase todos, vítimas das suas nefastas urdiduras.
A segurança íntima conseguida mediante o autodescobrimento, a humanização e a finalidade nobre que se deve imprimir à vida são fatores decisivos para a eliminação das crises, porquanto, afinal, a descrença que campeia e o desconcerto que se generaliza são defluentes do homem moderno que se encontra em crise momentânea, vitimado pela insegurança que o aturde.


[1] O Homem Integral  - Joanna de Ângelis/Divaldo Franco – Centro Espírita Caminho da Redenção

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