terça-feira, 18 de novembro de 2025

MÚSICA DE ALÉM-TÚMULO[1]

 


Allan Kardec

 

O Espírito Mozart acaba de ditar ao nosso excelente médium, Sr. Bryon-Dorgeval, um fragmento de sonata. Como meio de controle este último o fez ouvir por diversos artistas, sem lhes indicar a fonte, simplesmente perguntando-lhes o que achavam do trecho. Todos reconheceram, sem hesitação, o estilo de Mozart.

Foi executado na sessão da Sociedade do dia 8 de abril passado, na presença de numerosos peritos, pela Srta. de Davans, aluna de Chopin e pianista distinta, que houve por bem prestar seu concurso. Como elemento de comparação, a Srta. Davans executou previamente uma sonata que Mozart compusera quando vivo.

Todos foram concordes em reconhecer não apenas a perfeita identidade do gênero, mas ainda a superioridade da composição espírita. Em seguida um trecho de Chopin foi executado pela mesma pianista que, novamente, revelou o seu talento habitual.

Não poderíamos perder essa ocasião para invocar os dois compositores, com os quais tivemos a seguinte conversa:

MOZART

 

1. Sem dúvida sabeis o motivo por que vos chamamos.

– Vosso chamado me dá imenso prazer.

2. Reconheceis como tendo sido por vós ditado o trecho que acabamos de ouvir?

– Sim, muito bem. Reconheço-o perfeitamente. O médium que me serviu de intérprete é um amigo que não me traiu.

3. Qual dos dois trechos preferis?

– Sem comparação, o segundo.

4. Por quê?

– Nele a doçura e o encanto são, ao mesmo tempo, mais vivos e mais ternos.

 

Observação – Com efeito, são qualidades reconhecidas no trecho.

 

5. A música do mundo que habitais pode ser comparada à nossa?

– Teríeis dificuldade em compreendê-la. Temos sentidos que, por ora, ainda não possuís.

6. Disseram-nos que em vosso mundo há uma harmonia natural, universal, que não encontramos na Terra.

– É verdade. Em vosso planeta fazeis a música; aqui, a Natureza inteira faz ouvir sons melodiosos.

7. Poderíeis tocar piano?

– Sem dúvida que posso, mas não o quero. Seria inútil.

8. Entretanto, seria poderoso motivo de convicção.

– Não estais convencidos ainda?

 

Observação – Sabe-se que os Espíritos jamais se submetem a provas. Muitas vezes fazem espontaneamente aquilo que não lhes pedimos. Esta, aliás, entra na categoria das manifestações físicas, com as quais não se ocupam os Espíritos elevados.

 

9. Que pensais da recente publicação de vossas cartas?

– Reavivaram bastante a minha lembrança.

10. Vossa lembrança está na memória de todo o mundo. Poderíeis avaliar o efeito que essas cartas produziram na opinião pública?

– Sim; tornei-me mais amado e as criaturas se apegaram muito mais a mim como homem do que antes.

 

Observação – Estranha à Sociedade, a pessoa que fez estas últimas perguntas confirma que foi exatamente essa a impressão produzida por aquela publicação.

 

11. Desejamos interrogar Chopin. Será possível?

– Sim; ele é mais triste e mais sombrio do que eu.

 

CHOPIN

 

12. [Após a evocação] – Poderíeis dizer-nos em que situação vos encontrais como Espírito?

– Ainda errante.

13. Tendes saudades da vida terrena?

– Não sou infeliz.

14. Sois mais feliz do que antes?

– Sim, um pouco.

15. Dizeis um pouco, o que significa que não há grande diferença. O que vos falta para serdes mais feliz?

– Digo um pouco em relação àquilo que poderia ter sido, porque, com minha inteligência, eu poderia ter avançado mais do que o fiz.

16. Esperais alcançar um dia a felicidade que vos falta atualmente?

– Certamente ela virá. Antes, porém, serão necessárias novas provas.

17. Disse Mozart que sois sombrio e triste. Por quê?

– Mozart disse a verdade. Entristeço-me por haver empreendido uma prova que não realizei bem e por não ter mais coragem de recomeçá-la.

18. Como considerais as vossas produções musicais?

– Eu as prezo muito, mas em nosso meio fazemo-las melhores; sobretudo as executamos melhor. Dispomos de mais recursos.

19. Quem são, pois, os vossos executantes?

– Sob nossas ordens temos legiões de executantes que tocam nossas composições com mil vezes mais arte do qualquer um dos vossos. São músicos completos. O instrumento de que se servem é, por assim dizer, a própria garganta; são auxiliados por alguns instrumentos, espécies de órgãos de uma precisão e de uma melodia que, parece, ainda não podeis compreender.

20. Sois errante?

– Sim; isto é, não pertenço, com exclusividade, a nenhum planeta.

21. Os vossos executantes também são errantes?

– Errantes como eu.

22. [A Mozart] – Poderíeis explicar-nos o que acaba de dizer Chopin? Não compreendemos essa execução por Espíritos errantes.

– Compreendo vossa surpresa; entretanto, já vos dissemos que há mundos particularmente destinados aos seres errantes, mundos que lhes podem servir de habitação temporária, espécies de bivaques, de campos onde descansem de uma demasiado longa erraticidade, estado este sempre um tanto penoso.

23. [A Chopin] – Reconheceis aqui um de vossos alunos?

– Sim, parece.

24. Assistiríeis à vontade a execução de um trecho de vossa composição?

– Isso me dará muito prazer, sobretudo se executado por alguém que de mim guardou uma boa recordação. Que ela receba os meus agradecimentos.

25. Qual a vossa opinião sobre a música de Mozart?

– Aprecio-a bastante. Considero Mozart como meu mestre.

26. Partilhais de sua opinião sobre a música de hoje?

– Mozart disse que a música era mais bem compreendida em seu tempo do que hoje: isso é verdade. Entretanto, objetarei que ainda existem verdadeiros artistas.

 

Nota – O fragmento de sonata ditado pelo Espírito Mozart acaba de ser publicado. Pode ser adquirido no Escritório da Revista Espírita ou na livraria espírita do Sr. Ledoyen, Palais Royal, Galerie d`Orléans, 31. Preço: 2 francos. – Será remetida sem despesas de Correio, contra vale postal naquela importância.



[1] REVISTA ESPÍRITA – maio/1859 – Allan Kardec

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

ROLANDO MÁRIO RAMACCIOTTI[1]

 


 

Nascido em Bauru, Estado de São Paulo, a 17 de novembro de 1913.

Rolando Mário Ramacciotti foi valoroso obreiro espírita, grande divulgador do livro, destacando-se sempre por sua extrema dedicação e fidelidade ao famoso médium Francisco Cândido Xavier. Homem de atitudes corajosas e firmes, o que fazia quando se tratava da defesa do livro espírita e da divulgação da obra daquele medianeiro. Em seu idealismo promoveu numerosas e magníficas tardes-noites de autógrafos, todas elas perfeitamente organizadas, com resultados que superaram quaisquer expectativas.

Foi fundador do GEEM - Grupo Espírita Emmanuel Sociedade Civil Editora, sediada em São Bernardo do Campo, Estado de São Paulo, onde foram publicadas obras que primam não somente pelo admirável aspecto gráfico e bom gosto, mas também pela acessibilidade do preço, com o que conseguia promover eficiente divulgação da literatura psicografada por aquele médium mineiro.

No ano de 1976 fundou, nas proximidades do GEEM, o Centro Espírita Maria João de Deus, homenageando assim o espírito da genitora de Francisco Cândido Xavier, instituição essa que vem, desde então, prestando inestimável serviço à divulgação do Espiritismo.

A obra de propaganda espírita desenvolvida por Ramacciotti, abrange cerca de 500.000 exemplares. O livro "Calma", do espírito Emmanuel, é, inegavelmente, um dos mais belos trabalhos psicografados por aquele sensitivo em 1979.

Rolando Mário Ramacciotti fundou e dirigiu até o seu falecimento duas instituições irmãs: o GEEM - Grupo Espírita Emmanuel Sociedade Civil Editora e o "Nosso Lar"- instituição filantrópica de amparo à criança, sediadas e São Bernardo do Campo. A elas dedicou sua vida em tempo integral, com o sacrifício absoluto do lazer e dos gratos momentos de convivência com os familiares - esposa, filhos, genros, noras e netos - pequena grande comunidade que amou e serviu com carinho e nobreza.

Renunciando a si mesmo, em dedicação total à causa de Nosso Senhor Jesus Cristo, amparou crianças órfãs, mães viúvas, famílias carentes, enfermos de toda a sorte, enfim, de companheiros necessitados que nele encontraram o benfeitor de todas as horas, em mais de quatro décadas de identificação plena com a Doutrina Espírita.

No campo da divulgação, com o lançamento do primeiro livro editado pela GEEM - "Mais Luz", deu nova roupagem ao livro espírita, abrindo-lhe novos mercados e definindo-lhe novos padrões de comercialização.

Durante os últimos vinte anos, imprimiu milhares e milhares de mensagens psicografadas por Chico Xavier, veiculadas nos derradeiros treze anos, através de revista "Comunicação", adrede fundada. De "Mais Luz" até "Sinais de Rumo", editou GEEM vinte e um livros de Francisco Cândido Xavier. Seu amor e dedicação à divulgação do Espiritismo são sobejamente reconhecidos por todos quantos puderam sentir-lhe mais de perto a grandeza da alma generosa e boa.

Administrador austero, de larga visão, sua obra, seja no campo assistencial, seja na área da divulgação espírita, ombreia com o trabalho dos grandes apóstolos de nossa Doutrina em terras brasileiras.

Faleceu em São Paulo, no dia 13 de dezembro de 1979, aos 66 anos de nosso convívio mais direto. Pai generoso, esposo amigo, levou consigo entre tantas conquistas, a certeza do dever cumprido, certamente a sua maior alegria: foi amigo incondicional de Chico Xavier.

Ramacciotti foi, pois, um lídimo seareiro da Doutrina dos Espíritos, uma vez que é pelo fruto que se conhece a árvore.



[1] FEDERAÇÃO ESPÍRITA DO PARANÁ - https://www.feparana.com.br/topico/?topico=707

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

POR QUE NÃO CHORAR? JESUS CHOROU![1]

 


Jorge Hessen

 

Na dinâmica da vida as lágrimas do choro podem persistir durante uma noite inteira, mas ao amanhecer surge a alegria. Há pesquisas que indicam que a função evolutiva do choro é criar empatia entre as pessoas e incentivar a ajuda em situações de carência.

De fato, a colaboração histórica entre os indivíduos foi e ainda é crucial para a sobrevivência da humanidade.

É reconhecido que o ato de chorar desencadeia a liberação de hormônios e neurotransmissores que auxiliam no alívio da tristeza e da dor.

 Profissionais da área afirmam que reprimir o choro significa sufocar certas emoções, o que dificulta seu enfrentamento.

Por essa razão, médicos e psicólogos aconselham a expressão das lágrimas como uma forma de liberar os sentimentos.

Chorar volta e meia permite o acesso às emoções mais profundas. É um momento em que a dor não pode ser contida e precisa ser exteriorizada, mesmo que isso ocorra em solidão.

As lágrimas funcionam como uma resposta natural do corpo para liberar a tensão e ajudar a restaurar a estabilidade emocional.

Chorar alivia o sofrimento e pode nos levar a experiências mais profundas, especialmente quando atribuímos significado às lágrimas e à dor que estamos sentindo no momento.

Entretanto, é imprescindível fazer alguns alertas!

O choro pode representar um breve momento de melancolia, mas também pode indicar um transtorno psicológico depressivo.

A tristeza é uma emoção passageira e comum, uma resposta psicológica a situações específicas. Por outro lado, a depressão não é uma experiência mais arrastada.

Indivíduos que sofrem de depressão enfrentam um estado emocional persistente, atormentados por uma ansiedade mental duradoura.

Refletindo sobre o chorar, percebemos que essa expressão foi extremamente significativa em Jesus.

O evangelista documentou que, diante de Lázaro "já falecido", o Cristo se emocionou e chorou.

O Magno Galileu também demonstrou sua tristeza pela falta de entendimento das pessoas, enquanto estava sentado nas grandes raízes de uma árvore no quintal da casa de Pedro. Jesus também derramou lágrimas no Getsêmani, quando se encontrava a sós.

Dentro da perspectiva espírita o choro deve ser visto como uma forma natural de expressão dos sentimentos, tanto físicos quanto espirituais. É uma forma de liberar energias acumuladas e de exteriorizar emoções, como tristeza, alegria, compaixão ou remorso.

Em alguns casos, o choro pode ser parte de um processo de “cura interior”, onde a pessoa libera traumas, mágoas ou padrões de pensamento negativos.

As lágrimas podem ser um indicativo de que a pessoa está se libertando de cargas emocionais e espirituais.

Em circunstâncias de contato com o mundo espiritual, o choro pode ser uma manifestação da sensibilidade mediúnica.

A pessoa pode chorar ao receber mensagens de espíritos, ao sentir a energia de um ambiente espiritual ou ao vivenciar experiências espirituais intensas.

O choro também pode ser um momento de busca por consolo e esperança. Ao se permitir chorar, a pessoa pode encontrar alívio para suas dores e fortalecer sua fé na vida após a morte e na continuidade da jornada espiritual.

O choro, dentro da visão espírita, não deve ser visto como algo necessariamente negativo.

É uma manifestação natural dos sentimentos, que pode ser parte de um processo de cura, de desenvolvimento mediúnico ou de busca por conforto espiritual.



[1] O CONSOLADOR - Ano 19 - N° 941 - 21 de Setembro de 2025 - https://www.oconsolador.com.br/ano19/941/ca3.html

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

VOCAÇÃO[1]

 


VOCAÇÃO[1]

Miramez

 

Escolha das provas

 A que se devem atribuir as vocações de certas pessoas e a vontade que sentem de seguir uma carreira de preferência a outra?

Parece-me que vós mesmos podeis responder a esta pergunta. Pois não é isso a consequência de tudo o que acabamos de dizer sobre a escolha das provas e sobre o progresso efetuado em existência anterior?

Questão 270 / O Livro dos Espíritos

 

Parece-nos simples essa pergunta, no entanto, ela foi feita para enriquecer mais os conhecimentos espirituais das criaturas. O Codificador era inspirado pelos benfeitores espirituais na formulação das perguntas, de maneira a mostrar a verdade aos que desejarem despertar seus dons que se encontram em estado latente.

A vocação de certas pessoas para tal ou qual profissão está ligada à escolha que fez quando Espírito livre da matéria. Parece, para os ignorantes, que a criatura escolheu, naquele momento, o que deveria seguir, mas a escolha já se encontrava feita nos guardados da consciência.

A vida é organizada porque Deus é harmonia, e harmonia na sua profundidade é Amor. O passado reflete no presente, assim como esse nos fala do futuro. Se desejamos um futuro de paz e de luz, não escondamos as mãos; acionemo-las, no trabalho honesto e na dignidade cristã, lembrando-nos sempre de dar com uma mão sem que a outra veja.

Cada criatura de Deus é um mundo com extensões imensuráveis. Existem campos e mais campos de trabalho, e a lavoura é fértil em todos os seus aspectos. Estamos com o celeiro cheio de sementes depositadas pelos nossos atos. Examinemos que tipo delas guardamos no coração, se as devemos lançar ao solo, pois sabemos que colhemos o que semeamos.

Se deve o encarnado fazer algumas reformas morais, que as faça logo, enquanto se encontra nas lides do mundo, aproveitando a oportunidade de se render à evidência. Se escolheu com alegria por que deve optar como profissão, não deve se esquecer que a vida é um solo santo que recebe o que nele se deposita, devolvendo mais tarde os frutos correspondentes para o seu caminho.

Não devemos chorar de revolta pelas dificuldades que atravessamos na carne ou em Espírito. Elas são as consequências do que fizemos das oportunidades. Se escolhemos a medicina na linha de reajustes no mundo, vejamos o que dela fazemos. Lembremo-nos primeiro da honestidade na profissão. O ouro empana a visão daqueles em que a usura é filha da sua ganância. Se seguimos o caminho do Direito, observemos a conduta ante o desespero alheio. Se fecharmos os olhos ao nosso mandato, podemos complicar a nossa vida quando voltarmos para a pátria verdadeira.

A vocação é um ministério, e cada profissão deve ser um sacerdócio em Cristo, ajudando a despertar os valores morais em cada coração. Devemos ganhar para viver, e não vivermos para ajuntar o ouro, sem que esse ouro circule em favor do próximo. A profissão tanto pode elevar como destruir as nossas possibilidades.

Se já somos conscientes da verdade, podemos ajudar aos que nos cercam, mostrando a cada um, pela palavra e pelo exemplo, o que devemos fazer das profissões, para que o mundo de amanhã se torne um paraíso de Deus, e benefício dos homens, mas, para tanto, a conquista é o molde de luz para a paz de consciência. Não joguemos fora o que Deus depositou em nosso caminho, como trabalho. Aprimoremos cada vez mais tudo que fazemos, sem nos esquecermos de convidar Jesus para nos inspirar no que fazer das oportunidades que nos foram entregues por misericórdia.



[1] FILOSOFIA ESPÍRITA – Volume 6 – João Nunes Maia

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

GNANATILLEKA BADDEWITHANA (caso de reencarnação)[1]

 


K.M. Wehrstein

 

O caso de reencarnação de Gnanatilleka Baddewithana foi o primeiro desse tipo a ser investigado e divulgado no Sri Lanka. Também é notável como uma das várias em que as declarações da criança sobre uma vida anterior foram escritas antes que fossem feitas tentativas de identificá-la.

 

Investigações

H.S.S. Nissanka, um estudioso e jornalista no Sri Lanka, publicou uma série de artigos no Silumina, um jornal nacional, sobre o tema da reencarnação. Quando os leitores escreveram para perguntar por que, se a reencarnação fosse real, não havia casos no Sri Lanka de pessoas se lembrando de uma vida passada, ele pediu que qualquer pessoa com conhecimento de tais casos entrasse em contato com ele, e vários o fizeram. Ele escolheu o caso de Gnanatilleka Baddewithana, sendo o mais próximo da cidade de Kandy, onde morava. Ele começou a investigação em 1º de novembro de 1960, quando a menina tinha quatro anos.

Ao entrevistar Gnanatilleka e outros informantes, Nissanka garantiu a presença de indivíduos locais proeminentes como testemunhas confiáveis: um prefeito da cidade, um conhecido monge e estudioso, advogados, psicólogos, professores e mestres. Um fotógrafo de notícias geralmente também estava presente. Ele gravou e anotou cuidadosamente tudo o que era dito pelos informantes. Ele também estabeleceu seus próprios procedimentos investigativos, como apresentar pessoas que a garota poderia ter conhecido em sua vida anterior em condições controladas e registrar cuidadosamente suas reações. Assim, existe um registro completo do que a menina se lembrava, antes da identificação da pessoa de vidas passadas.

Buscando explicações além da reencarnação, Nissanka e sua equipe procuraram cuidadosamente por conexões anteriores entre as duas famílias, mas não encontraram nenhuma através da qual o conhecimento de Gnanatilleka pudesse ter sido transmitido. Ambas as famílias, escreve ele, estavam claramente relutantes sobre a investigação no início, indicando que não estavam conspirando para ganhar publicidade. Gnanatilleka não mostrou sinais de doença mental, possessão espiritual, habilidade psíquica ou qualquer conhecimento paranormal além da vida de Tillekeratne; ela também se referiu a ele na primeira pessoa, e não na terceira pessoa.

À medida que a investigação avançava, Nissanka escreveu uma série de histórias de jornal sobre isso. Mais tarde, ele escreveu um livro, que foi publicado em inglês em 2001 e contém transcrições parciais, correspondência e traduções de documentos oficiais[2]. Os registros originais do caso agora são mantidos na Divisão de Estudos Perceptivos da Universidade da Virgínia.

O proeminente pesquisador de reencarnação Ian Stevenson soube do caso enquanto trabalhava em outro caso semelhante no Sri Lanka. A essa altura, a pessoa que Gnanatilleka se lembrava de ter sido havia sido identificada, mas Stevenson abordou a investigação de forma independente, sem ter visto as anotações de Nissanka ou ouvido suas fitas. Em 1961, ele viajou para três municípios do Sri Lanka para entrevistar Gnanatilleka, membros de sua família e a família da pessoa anterior, e outros. Ele também se correspondeu com o renomado monge e estudioso budista que esteve presente durante toda a investigação de Nissanka, o Venerável Piyadassi Thera. Stevenson publicou seu relato de caso em seu livro Twenty Cases Suggestive of Reincarnation[3], adicionando detalhes importantes à investigação de Nissanka.

 

Tillekeratne

Gallage Turin Tillekeratne, conhecido como Tillekeratne, nasceu em 20 de janeiro de 1941 em Talawakele, Sri Lanka, e morreu em 9 de novembro de 1954. Ele tinha seis irmãs e dois irmãos. Ele frequentou o Sri Pada College (uma escola secundária), viajando para lá de trem com seu irmão e sua irmã Gunalatha, a quem ele chamava de nangi (irmã mais nova), embora ela fosse realmente mais velha. As características observadas por sua mãe incluíam uma preocupação com a arrumação, também um amor por flores e desenho. Ela disse que ele usava caixas de tinta, fazia flores artificiais de papel crepom e consertava roupas em vez de jogá-las fora. Se sua mãe se movesse para bater em suas irmãs, ele imploraria para que ela batesse nele e a confortaria, soluçando, se seu pai a machucasse. Às vezes, ele se juntava a suas irmãs para pintar as unhas. Ele havia feito uma peregrinação a uma montanha chamada Adam's Peak, e uma vez estava presente na multidão quando a jovem rainha Elizabeth II passou em um trem durante uma visita ao Sri Lanka.

A morte de Tillekeratne aos treze anos foi oficialmente atribuída a "insuficiência cardíaca devido a nefrite aguda". No entanto, um trauma de impacto o precedeu: de acordo com a família, uma bola de críquete de couro duro atingiu sua perna enquanto ele brincava na escola.

 

Gnanatilleka

Gnanatilleka Baddewithana nasceu em 14 de fevereiro de 1956 em Hedunawewa-Dihintalawa, um vilarejo remoto nas montanhas centrais do Sri Lanka. Seu pai era um pequeno agricultor de arroz que às vezes também trabalhava em plantações de chá.

Em resposta ao pedido de casos de Nissanka, um vizinho de Gnanatilleka escreveu a ele que a menina havia dito que morava em uma casa em uma cidade chamada Talawakele (a cerca de 22 milhas de distância) com seus pais e uma irmã. Nissanka viajou para sua aldeia natal com Piyadassi e um professor como testemunhas de suas primeiras entrevistas com Gnanatilleka e sua família.

 

Declarações

Nissanka tabulou 61 declarações de Gnanatilleka sobre a vida de Tillekeratne que não se poderia esperar que ela soubesse, a maioria das quais foi verificada como verdadeira pela família de Tillekeratne ou outros associados. Eles incluíram:

§  A pessoa anterior viu a Rainha Elizabeth II durante uma visita de Estado (um evento dois anos antes de seu nascimento); a rainha havia viajado de trem.

§  Ele visitou o Pico de Adão.

§  Ele viajou para a escola de trem com sua irmã mais velha.

§  Ele se juntou às irmãs dela para pintar as unhas.

§  Ele fez flores de papel.

§  Ele tinha sido um menino.

§  A 'mãe Talawakele' havia comprado lenha (a palavra para 'comprado' era a usada pela família de Tillekeratne).

§  O Buda no templo em Talawakele era muito grande (esta declaração foi feita antes de sua primeira visita a Talawakele).

§  Não havia coqueiros em Talawakele (o clima era diferente devido à elevação).

§  A 'mãe Talawakele' fazia hambúrgueres.

§  Os pais Talawakele foram separados.

§  Seu pai trabalhava nas plantações de chá.

§  Além disso, havia muitos detalhes corretos sobre a cidade de Talawakele, incluindo descrições do templo e dos correios.

Stevenson criou uma tabulação com 34 declarações e reconhecimentos, muitos dos quais, embora não todos, eram os mesmos que Nissanka havia registrado[4].

 

Reconhecimentos

As duas primeiras viagens de Nissanka a Talawakele para encontrar a família anterior de Gnanatilleka foram infrutíferas. Uma pista acabou sendo falsa e muitas famílias se opuseram a serem questionadas sobre uma criança que havia morrido. Destemida, Nissanka providenciou para que ela visitasse Talawakele.

Enquanto dirigiam para a cidade, porém, a menina de quatro anos começou a reconhecer aspectos dos arredores. Ela ressaltou que certas casas estavam faltando (elas haviam sido demolidas). Nissanka a levou por toda a cidade para ver se ela reconheceria o bairro em que morava. Ela não o fez, mas ficou emocionada ao ver o templo. A partir daí, Nissanka conseguiu rastrear um homem que disse que as memórias de Gnanatilleka correspondiam às circunstâncias de seu jovem cunhado, Tillakeratne.

Nissanka tentou levar Gnanatilleka para conhecer sua família de vidas passadas, mas ficou frustrada com a presença de multidões de curiosos. No entanto, ele conseguiu entrevistar a mãe e a irmã de Tillekeratne.

Gnanatilleka foi então testada em sua casa por três professores de Talawakele, apenas um dos quais Tillekeratne conhecia. Cada um perguntou se ela o conhecia: ela respondeu corretamente que conhecia apenas um, D.V. Sumathipala, e subiu em seu colo. Ela então o levou às lágrimas ao reencenar parte de uma história que ele estava ensinando a Tillekeratne pouco antes de sua morte. Ela também descreveu com precisão o layout da escola em Hatton, uma cidade que ela nunca havia visitado.

 

Comportamentos

Quando criança, Gnanatilleka implorou tanto para ser levada para Talawakele que seu irmão mais velho acabou concordando, e foi assim que suas descrições da cidade foram verificadas pela primeira vez. Ela ficou perturbada com os rumores de que a mulher encontrada morta em sua própria aldeia era de Talawakele, e apenas a visita com seu irmão poderia acalmá-la.

Nissanka descobriu que o amado professor de Tillekeratne, D.V. Sumathipala, poderia confortar Gnanatilleka de forma mais eficaz quando ela estava angustiada do que seus próprios pais.

Suas reações aos membros de sua família correspondiam ao relacionamento dele com eles. Por exemplo, em seu primeiro encontro com a família, ela reagiu com raiva à presença de um de seus irmãos, recusando-se a deixá-lo segurá-la. Os pais revelaram que esse irmão e Tillekeratne sempre tiveram um relacionamento hostil.

Tanto Tillekeratne quanto Gnanatilleka gostaram da cor azul e preferiram se vestir com ela.

Stevenson observou que Tillekeratne e Gnanatilleka eram fortemente religiosos[5].

 

Reconhecimentos familiares

Gnanatilleka conheceu sua antiga família em 18 de dezembro de 1960. Ela foi levada para um quarto no andar de cima de uma pousada em Talawakele para que não pudesse ver ninguém até que eles entrassem. Nissanka foi acompanhado por outros 26 assistentes / testemunhas, muitos deles notáveis.

Um tanto cansada e entediada a essa altura, Gnanatilleka se animou quando a mãe de Tillekeratne entrou na sala e jogou os braços em volta dela dizendo: "Mãe Talawakele". A família e os associados de Tillekeratne entraram sozinhos, com exceção de dois grupos de três, e a menina foi questionada a cada vez se conhecia a pessoa. Ela identificou cada pessoa corretamente. Quando alguém foi trazido que Tillekeratne não conhecia, ela respondeu corretamente que não conhecia a pessoa. Ela reconheceu os pais de Tillekeratne, todos os seus irmãos que foram apresentados a ela, incluindo uma irmã a quem ela se dirigiu no mesmo estilo que Tillekeratne tinha, e dois amigos da família.

Gnanatilleka foi então convidado a visitar as casas da mãe de Tillekeratne, três irmãs casadas e tia, e cumprimentou a todos com um gesto usado pelos cingaleses para cumprimentar pessoas que conhecem bem.

 

Causa da morte de Tillekeratne

Analisando as respostas da família, Nissanka e seus associados notaram seu desconforto quando questionados sobre a causa da morte, em contraste com sua maneira próxima em todos os outros aspectos. Eles alegaram que ele havia sido atingido na perna por uma bola de críquete antes da doença da qual morreu, mas isso não foi lembrado por nenhum ex-escola, colegas ou professores, e não parecia uma causa provável para Nissanka.

A própria descrição de Gnanatilleka do que levou à morte de Tillekeratne foi bem menos inofensiva: "A mãe de Talawakele bateu nela enquanto ela estava sentada comendo sua refeição em casa. Ela caiu da cadeira e caiu no chão'.

Em 1962, um vizinho de Gnanatilleka relatou que ele estava presente em uma ocasião com ela e a mãe de Tillekeratne, e aproveitou a oportunidade para perguntar a esta última como seu filho morreu. Ela começou a descrever como ele foi atingido por uma bola de críquete, na qual Gnanatilleka explodiu com raiva: 'Mãe, você está mentindo! Não foi assim que eu morri, caí de uma cadeira ... e agora você está mentindo sobre isso! Nissanka observou que a doença estava presente antes do incidente e que a mãe de Tillekeratne não poderia ser culpada por sua morte, mas que era compreensível que a família desejasse esconder as verdadeiras circunstâncias.

Stevenson observou independentemente uma observação dos pais de Gnanatilleka de que a menina tinha medo de médicos e hospitais, também de subir em qualquer coisa da qual pudesse cair[6].

 

Desenvolvimento posterior

Stevenson soube por um correspondente que, aos seis anos de idade, Gnanatilleka havia parado de falar espontaneamente de sua vida passada[7]. No entanto, quando ele fez uma visita de acompanhamento quatro anos depois, ela alegou se lembrar da vida passada ainda e deu respostas que sugeriam que isso era verdade. Em outra visita, quando tinha quinze anos, ela disse que as memórias de vidas passadas estavam desaparecendo, mas que ela reteve algumas, principalmente aquelas relacionadas às experiências de Tillekeratne na escola. O contato entre as duas famílias diminuiu[8].

Stevenson perguntou a Gnanatilleka e sua família por que ela tinha ido até eles para renascer. Eles relataram que, aos cinco anos, ela disse que se lembrava, como Tillekeratne, de ficar fascinada ao ver seu atual irmão mais velho, D.A. Baddewithana, dançando por ocasião da visita da rainha. D.A. Baddewithana confirmou que havia dançado em Talawakele naquela ocasião[9].

Lora, uma colega de classe de Tillekeratne, nunca conheceu Gnanatilleka, então Stevenson montou um teste de reconhecimento com Lora e um amigo. Apesar das memórias desbotadas, Gnanatilleka foi capaz de reconhecer Lora e dizer que a conhecia de Talawakele, embora ela tenha errado o nome, dizendo 'Dora[10]'.

 

Críticas e controvérsias

Gnanatilleka e suas memórias atraíram considerável atenção da mídia no Sri Lanka[11]. A história foi divulgada por jornais de língua inglesa, pela estação de rádio do governo e, eventualmente, pela mídia na Índia, Inglaterra e outros países. Nissanka e Piyadassi foram convidados para palestrar sobre o caso em universidades e outros locais no Sri Lanka.

Objeções à publicidade foram expressas por budistas ortodoxos, que achavam que a reencarnação não precisava ser provada, cristãos que persuadiram as bibliotecas escolares a proibir o livro (até que os budistas protestaram e ele foi trazido de volta) e marxistas, que achavam que os recursos deveriam ser usados para combater a fome em vez de vidas passadas. Nissanka ouviu que os críticos estavam visitando moradores de Talawakele para alertá-los contra a cooperação com a investigação. O marido de uma das irmãs de Tillekeratne acusou Nissanka de publicar mentiras e prometeu revelar a "verdade real" sobre a morte de Tillekeratne se Nissanka consentisse em conhecê-lo. A irmã então escreveu para Nissanka dizendo que seu marido havia abusado fisicamente dela e abandonado sua família.

Abraham T. Kovoor, um cético do Sri Lanka, tentou desmascarar o caso em um livro de 1980[12], com base em uma investigação de H.S.D. Senaratne, membro da Associação Racionalista do Sri Lanka. Ele fez afirmações que são especulativas de várias maneiras, contraditas pelos fatos ou carecem de poder explicativo. Por exemplo, ele ridiculariza como inúteis declarações não específicas, como 'Eu tinha uma mãe' e 'Eu fui para a escola', embora tais declarações não tenham sido registradas nem apresentadas como evidência por Nissanka e Stevenson. Além disso, Kovoor se opõe repetidamente a Gnanatilleka respondendo a perguntas "impróprias" de uma forma que parece confirmar a hipótese da reencarnação, declarando que ela só pode ter feito isso por meio de treinamento, acusando os investigadores de colaborar em fraudes.

 

Literatura

§  Kovoor, A.T. (1980). Gods, Demons and Spirits. Bombay: Jaico Publishing House.

§  Nissanka, H.S.S. (2001). The Girl Who Was Reborn: A Case Study Suggestive of Reincarnation. Colombo, Sri Lanka: S Godage.

§  Stevenson, I. (1974). Twenty Cases Suggestive of Reincarnation (2nd ed., rev.). Charlottesville, Virginia, USA: University Press of Virginia.

 

Traduzido com Google Tradutor



[2] Nissanka (2001). Todas as informações nesta e nas quatro seções a seguir são retiradas deste trabalho, exceto onde indicado de outra forma.

[3] Stevenson (1974), 131-49.

[4] Stevenson (1974), 136-41.

[5] Stevenson (1974), 144.

[6] Stevenson (1974), 145.

[7] Stevenson (1974), 142.

[8] Stevenson (1974), 147.

[9] Stevenson (1974), 147-48.

[10] Stevenson (1974), 148.

[11] Nissanka (2001), 126.

[12] Kovoor (1980), 139-48. Obrigado a Vitor Moura Visoni pela ajuda com esta seção.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

CENAS DA VIDA PRIVADA ESPÍRITA[1]

 


Allan Kardec

 

Em nosso último número apresentamos o quadro da vida espírita em conjunto; seguimos os Espíritos desde o instante em que deixam o corpo terreno e fizemos um rápido esboço de suas ocupações. Propomo-nos hoje mostrá-los em ação, reunindo num mesmo quadro diversas cenas íntimas, cujo testemunho nos foi dado através das comunicações. As numerosas conversas familiares de além-túmulo, já publicadas nesta revista, podem dar uma ideia da situação dos Espíritos, conforme o seu grau de adiantamento, mas aqui há um caráter especial de atividade, que nos faz conhecer ainda melhor o papel que, mal grado nosso, representam entre nós. O tema do estudo, cujas peripécias vamos relatar, se nos ofereceu espontaneamente; apresenta interesse maior porque tem, como herói principal, não um desses Espíritos superiores que habitam mundos desconhecidos, mas um desses que, por sua própria natureza, ainda estão presos à Terra, um contemporâneo que nos deu provas manifestas de sua identidade.

É entre nós que a ação se passa e cada um de nós nela representa um papel.

Além disso, esse estudo dos costumes espíritas tem de particular o fato de nos mostrar a progressão dos Espíritos na erraticidade e como podemos concorrer para a sua educação.

Um de nossos amigos, após longas experiências infrutíferas, das quais triunfou a sua paciência, de repente tornou-se excelente médium escrevente e audiente. Certa vez ele estava ocupado a psicografar com outro médium, seu amigo, quando, a uma pergunta dirigida a um Espírito, obteve resposta bastante estranha e pouco séria, na qual não reconhecia o caráter do Espírito evocado. Tendo interpelado o autor da resposta, depois de o haver intimado em nome de Deus para se dar a conhecer, aquele assinou Pierre Le Flamand, nome completamente desconhecido do médium. Estabeleceu-se, então, entre ambos, e mais tarde entre nós e esse Espírito, uma série de conversas que passaremos a relatar.

Primeira Conversa

 

1. Quem és? Não conheço ninguém com esse nome.

– Um de teus antigos camaradas de colégio.

2. Não tenho a menor lembrança.

– Lembra-te da surra que um dia levaste?

3. É possível; entre escolares isso acontece algumas vezes. Realmente, lembro-me de algo assim, mas também me recordo de ter pago com a mesma moeda.

– Era eu; mas não te quero mal.

4. Obrigado. Tanto quanto me recordo, tu eras um biltre bastante mau.

– Eis tua memória que volta. Enquanto vivi não mudei. Eu tinha a cabeça dura, mas no fundo não era mau; batia-me com o primeiro que aparecesse: em mim isso era uma necessidade. Depois, ao dar as costas, já não pensava em nada.

5. Quando e com que idade morreste?

– Há quinze anos; eu tinha cerca de vinte anos.

6. De que faleceste?

– Uma leviandade de rapaz... consequência de minha falta de juízo...

7. Ainda tens família?

– Perdi meus pais há muito tempo; morava com um tio, meu único parente...; se fores a Cambrai promete procura-lo; é um bravo homem, a quem muito aprecio, embora me tenha tratado duramente; mas eu o merecia.

8. Ele tem o teu mesmo nome?

– Não; em Cambrai não há mais ninguém com o meu nome; ele se chama W...; mora na rua... no...; verás que sou eu mesmo que te falo.

 

Observação – O fato foi verificado pelo próprio médium numa viagem que empreendeu algum tempo depois. Encontrou o Sr. W... no endereço indicado; disse-lhe este que realmente havia tido um sobrinho com esse nome, bastante estouvado e inconveniente, falecido em 1844, pouco tempo depois de ter sido sorteado para o serviço militar. Esta circunstância não havia sido indicada pelo Espírito; mais tarde ele o fez espontaneamente. Veremos em que ocasião.

 

9. Por obra de que acaso vieste à minha casa?

– Por acaso, se quiseres; creio, porém, que foi o meu bom gênio que me impeliu a ti, por me parecer que só teremos a ganhar com o restabelecimento de nossas relações... Eu estava aqui ao lado, na casa do teu vizinho, ocupado em olhar os quadros... nada de retratos de igreja...; de repente eu te avistei e vim. Percebi que estavas ocupado, a conversar com outro Espírito, e quis intrometer-me na conversa.

10. Mas por que respondeste às perguntas que eu fazia a outro Espírito? Isso não parece provir de um bom camarada.

– Encontrava-me na presença de um Espírito sério e que não parecia disposto a responder; respondendo em seu lugar, eu imaginava que ele soltasse a língua, mas não tive êxito. Não dizendo a verdade, eu queria obrigá-lo a falar.

11. Isto não é certo, pois poderia ter resultado em coisas desagradáveis, caso eu não tivesse percebido o embuste.

– Haverias de o saber sempre, mais cedo ou mais tarde.

12. Dize-me mais ou menos como entraste aqui.

– Bela pergunta! Acaso temos necessidade de puxar o cordão da campainha?

13. Podes, então, ir a toda parte, entrar em qualquer lugar?

– Claro!... E sem me fazer anunciar! Não somos Espíritos a troco de nada.

14. Entretanto eu julgava que certos Espíritos não tivessem o poder de penetrar em todas as reuniões.

– Acreditas, por acaso, que teu quarto é um santuário e que eu seja indigno de nele penetrar?

15. Responde com seriedade à minha pergunta e deixa de lado as graçolas de mau gosto. Vês que não tenho humor para suportá-las e que os Espíritos mistificadores são mal recebidos em minha casa.

– É verdade que há reuniões onde Espíritos tratantes, como nós outros, não podem entrar; mas são os Espíritos superiores que nos impedem e não os homens. Aliás, quando vamos a algum lugar, sabemos muito bem manter-nos calados e afastados, se necessário. Escutamos e, quando nos aborrecemos, vamo-nos embora... Ah!... sim! Parece que não estás satisfeito com a minha visita.

16. É que não recebo de bom grado o primeiro que aparece e, francamente, não fiquei satisfeito por vires perturbar uma conversa séria.

– Não te zangues..., não desejo perturbar-te... sou sempre um bom rapaz...; de outra vez far-me-ei anunciar.

17. Lá se vão quinze anos que estás morto...

– Entendamo-nos. Quem está morto é meu corpo; mas eu, que te falo, não estou morto.

 

Observação – Muitas vezes, mesmo entre os Espíritos levianos e brincalhões, encontram-se palavras de grande profundidade. Esse eu que não está morto é absolutamente filosófico.

 

18. É bem assim que compreendo. A propósito, conta-me uma coisa: tal como agora te encontras, podes ver-me com tanta clareza como se estivesses em teu corpo?

– Vejo-te ainda melhor; eu era míope; foi por isso que quis me livrar do serviço militar.

19. Lá se vão, dizia eu, quinze anos que estás morto e me pareces tão estouvado quanto antes; não avançaste, pois?

– Sou o que era antes: nem melhor, nem pior.

20. Como passas o tempo?

– Não tenho outras ocupações, a não ser divertir-me e informar-me dos acontecimentos que podem influenciar o meu destino. Vejo muito. Passo parte do tempo ora em casa de amigos, ora no teatro... Por vezes surpreendo coisas muito engraçadas... Se as pessoas soubessem que têm testemunhas quando pensam estar sós!... Enfim, procedo de maneira que o tempo me seja o menos pesado possível... Dizer quanto tempo isso haverá de durar, eu não o saberia e, entretanto, há algum tempo que vivo assim... Tens explicações convincentes para isso?

21. Em suma, és mais feliz do que eras quando estavas vivo?

– Não.

22. O que te falta? Não tens necessidade de coisa alguma; não sofres mais; não temes ser arruinado; vais a toda parte e tudo vês; não temes as preocupações, nem as doenças, nem as enfermidades da velhice. Não será isto uma existência feliz?

– Falta-me a realidade dos prazeres; não sou bastante evoluído para fruir uma felicidade moral; desejo tudo que vejo, e é isso que me tortura; aborreço-me e procuro matar o tempo como posso!... Mas, até quando?... Experimento um mal-estar que não posso definir...; preferia sofrer as misérias da vida a esta ansiedade que me oprime.

 

Observação – Não está aqui um quadro eloquente dos sofrimentos morais dos Espíritos inferiores? Invejar tudo quanto veem; ter os mesmos desejos e realmente nada desfrutar, deve ser verdadeira tortura.

 

23. Disseste que ias ver os amigos; não será uma distração?

– Meus amigos não percebem que estou com eles; aliás, nem mesmo pensam em mim. Isso me faz mal.

24. Não tens amigos entre os Espíritos?

– Estouvados e tratantes como eu, que como eu se aborrecem. Sua companhia não é muito agradável; aqueles que são felizes e raciocinam afastam-se de mim.

25. Pobre rapaz! Eu te lamento e, se te pudesse ser útil, o faria com prazer.

– Se soubesses o quanto essas palavras me fazem bem! É a primeira vez que as ouço.

26. Não poderias encontrar ocasião de ver e ouvir coisas boas e úteis que contribuiriam para o teu progresso?

– Sim, mas para isso é necessário que eu saiba aproveitar as lições. Confesso que prefiro assistir às cenas de amor e de deboche, que não têm influenciado o meu Espírito para o bem. Antes de entrar em tua casa, lá me achava a considerar quadros que despertavam em mim certas ideias...; mas, deixemos isso de lado... No entanto eu soube resistir à vontade de pedir para reencarnar, a fim de desfrutar os prazeres de que tanto abusei. Vejo, agora, quanto teria errado. Vindo à tua casa, sinto que fiz bem.

27. Muito bem! Espero, futuramente, que me dês o prazer, caso queiras a minha amizade, de não mais concentrar a atenção nesses quadros que podem despertar más ideias e que, ao contrário, possas pensar naquilo que aqui ouvirás de bom e de útil para ti. Tu te sentirás bem, podes crer.

– Se esse é o teu pensamento, também será o meu.

28. Quando vais ao teatro experimentas as mesmas emoções que sentias quando vivo?

– Várias emoções diferentes; a princípio, aquelas; depois me misturo nas conversas... e escuto coisas singulares.

29. Qual o teu teatro predileto?

– “Les Variétés”. Muitas vezes acontece que eu os veja todos na mesma noite. Também vou aos bailes e às reuniões onde há divertimento.

30. De modo que, enquanto te divertes, te instruis, visto ser impossível observar bastante na tua posição.

– Sim, mas o que mais aprecio são certos colóquios. É realmente curioso ver a manobra de algumas criaturas, sobretudo das que ainda querem passar por jovens. Em toda essa lengalenga ninguém diz a verdade: assim como o rosto, o coração se maquia, de modo que ninguém se entende. Acerca disso realizei um estudo dos costumes.

31. Pois bem! Não vês que poderíamos ter boas conversas, como esta, da qual ambos podemos tirar proveito?

– Sempre; como dizes, a princípio para ti; depois, para mim. Tens ocupações necessárias ao teu corpo; quanto a mim, posso dar todos os passos possíveis para instruir-me sem prejudicar a minha existência.

32. Já que é assim, continuarás as tuas observações ou, como dizes, teus estudos sobre os costumes; até o momento não os aproveitaste muito. É preciso que eles sirvam ao teu esclarecimento e, para isso, é necessário que o faças com um objetivo sério, e não como diversão e para matar o tempo. Dir-me-ás o que viste, raciocinaremos e tiraremos as conclusões para a nossa mútua instrução.

– Será realmente bastante interessante. Sim, com certeza estou a teu serviço.

33. Não é tudo. Gostaria de proporcionar-te ocasião para praticares uma boa ação. Queres?

– De todo o coração! Dir-se-á que poderei servir para alguma coisa. Fala-me logo o que é preciso que eu faça.

34. Nada de pressa! Não confio missões tão delicadas assim àqueles a quem não tenho confiança. Tens boa vontade, não há dúvida; mas terás a perseverança necessária? Eis a questão. É preciso, pois, que eu te ensine a te conheceres melhor, para saber de que és capaz e até que ponto posso contar contigo. Conversaremos sobre isso uma outra vez.

– Tu o verás.

35. Adeus, pois, por hoje.

– Até breve.

 

Segunda Conversa

 

36. Então, meu caro Pierre, refletiste seriamente naquilo que conversamos o outro dia?

– Mais seriamente do que imaginas, pois faço questão de te provar que valho mais do que pareço. Sinto-me mais à vontade, desde que tenho algo a fazer. Agora tenho um objetivo e não mais me aborreço.

37. Falei de ti ao Sr. Allan Kardec; comuniquei-lhe nossas conversas e ele ficou muito contente; deseja entrar em contato contigo.

– Já o sei; estive em sua casa.

38. Quem te conduziu até lá?

– Teu pensamento. Voltei aqui depois daquele dia. Vi que querias falar-lhe a meu respeito e disse a mim mesmo: Vamos lá primeiro; provavelmente encontrarei material de observação e, quem sabe, uma ocasião de ser útil.

39. Gosto de ver-te com esses pensamentos sérios. Que impressão tiveste da visita?

– Oh! Muito grande. Ali aprendi coisas que nem suspeitava e que me esclareceram quanto ao futuro. É como uma luz que se fizesse em mim. Agora compreendo tudo quanto tenho a ganhar no meu aperfeiçoamento... É preciso...; é preciso.

40. Posso, sem cometer indiscrição, perguntar-te o que viste na casa dele?

– Certamente. Lá, como na casa de outras pessoas, vi tantas coisas que não falarei senão quando quiser... ou quando puder.

41. O que queres dizer com isso? Não podes dizer tudo quanto queres?

– Não. Desde alguns dias vejo um Espírito que parece seguir-me por toda parte, que me impele ou me contém; dir-se-ia que me dirige; sinto um impulso, do qual não me dou conta e ao qual obedeço, mau grado meu. Se quero dizer ou fazer algo inconveniente, posta-se à minha frente..., olha-me... e eu me calo... e me detenho.

42. Quem é esse Espírito?

– Nada sei; mas ele me domina.

43. Por que não lhe perguntas?

– Não tenho coragem. Quando lhe quero falar ele me olha e sinto a língua travada.

 

Observação – É evidente que aqui a palavra língua é uma figura, já que os Espíritos não possuem linguagem articulada.

 

44. Deves ver se é bom ou mau.

– Deve ser bom, pois que me impede de dizer tolices; mas é severo... Por vezes tem um ar irritado; doutras, parece olhar-me com ternura... Veio-me a ideia de que poderia ser o Espírito de meu pai, que não quer se dar a conhecer.

45. Isso parece plausível. Ele não deve estar muito satisfeito contigo. Ouve-me bem. Vou dar-te um conselho a respeito. Sabemos que os pais têm por missão educar os filhos e encaminhá-los na senda do bem. Consequentemente, são responsáveis pelo bem ou pelo mal que eles praticam, conforme a educação que receberam, com o que sofrem ou são felizes no mundo dos Espíritos. A conduta dos filhos, pois, influi até certo ponto sobre a felicidade ou a infelicidade dos pais após a morte.

Como tua conduta na Terra não foi muito edificante, e como desde a tua morte não fizeste grande coisa de bom, teu pai deve sofrer por isso, caso tenha algo a censurar-se por não te haver guiado bem...

– Se não me tornei um homem de bem, não foi por me ter faltado, mais de uma vez, a corrigenda necessária.

46. Talvez não tivesse sido a melhor maneira de corrigir-te; seja como for, sua afeição por ti é sempre a mesma e ele te prova aproximando-se de ti, se de fato é ele, como presumo. Deve sentir-se feliz com a tua mudança, o que explica a alternância de ternura e de irritação. Quer auxiliar-te no bom caminho em que acabas de entrar e, quando te vir realmente empenhado nisso, estou certo de que se dará a conhecer. Desse modo, trabalhando por tua própria felicidade, trabalharás pela dele. Nem mesmo me surpreenderia caso tivesse sido ele próprio quem te impeliu a vir à minha casa. Se não o fez antes foi porque quis dar-te o tempo de compreender o vazio de tua existência sem realizações e sentir-lhes os dissabores.

– Obrigado! Obrigado...! Ele lá está, atrás de ti...

Pôs a mão na tua cabeça, como se te ditasse as palavras que acabas de proferir.

47. Voltemos ao Sr. Allan Kardec.

– Fui à sua casa anteontem à noite. Estava ocupado, escrevendo em seu gabinete..., trabalhando numa nova obra em preparo... Ah! Ele cuida bem de nós, pobres Espíritos; se não nos conhecem não é por sua culpa[2].

48. Estava só?

– Só, sim, isto é, não havia ninguém com ele; mas havia ao seu redor uma vintena de Espíritos que murmuravam acima de sua cabeça.

49. Ele os escutava?

– Ouvia-os tão bem que olhava para todos os lados de onde provinha o ruído, para ver se não eram milhares de moscas; depois abriu a janela para olhar se não seria o vento ou a chuva.

 

Observação – O fato era absolutamente exato.

 

50. Entre tantos Espíritos reconheceste algum?

– Não; não são aqueles com quem me reunia. Eu tinha a impressão de ser um intruso e pus-me a um canto a fim de observar.

51. Esses Espíritos pareciam estar interessados por aquilo que ele escrevia?

– Creio que sim. Dois ou três, sobretudo, sopravam o que ele escrevia e davam a impressão de ouvir a opinião dos outros; quanto a Kardec, acreditava piamente que as ideias eram suas, parecendo satisfeito com isso.

52. Foi tudo o que viste?

– Depois chegaram oito ou dez pessoas que se reuniram num outro aposento com Kardec. Puseram-se a conversar; faziam perguntas; ele respondia e explicava.

53. Conheces as pessoas que lá estavam?

– Não; sei apenas que havia pessoas importantes, pois a uma deles se referiam sempre como príncipe, e a outra como sr. duque. Os Espíritos também chegaram em massa; havia pelo menos uma centena, dos quais vários tinham sobre a cabeça uma espécie de coroa de fogo. Os outros se mantinham afastados e ouviam.

54. E tu, que fazias?

– Eu também ouvia, mas sobretudo observava. Veio-me, então, a ideia de fazer uma artimanha para ser útil a Kardec; dir-te-ei mais tarde o que era, quanto eu tiver alcançado êxito. Então deixei a reunião e, vagando pelas ruas, divertia-me em frente às lojas, misturando-me com a multidão.

55. De sorte que, em vez de ir aos teus negócios, perdias o tempo?

– Não o perdi, pois que impedi um roubo.

56. Ah! Tu te metes também em assuntos da polícia?

– Por que não? Passando defronte de uma loja fechada, notei que lá dentro se passava algo estranho; entrei e vi um rapaz muito agitado, indo e vindo, como se quisesse ir ao caixa do lojista. Com ele havia dois Espíritos, um dos quais lhe soprava ao ouvido: Vamos, covarde! A gaveta está cheia; poderás te divertir à vontade etc.; o outro tinha o semblante de uma mulher, bela e cheia de nobreza, qualquer coisa de celeste e de bondade no olhar; dizia-lhe: Vai embora, vai embora! Não te deixes tentar; e lhe soprava as palavras: prisão, desonra. O rapaz hesitava. No momento em que se aproximava do caixa, interpus-me à sua frente para o deter. O Espírito mau pediu-me que não me metesse. Eu lhe disse que queria impedir o moço de cometer uma má ação e, talvez, de ser condenado às galés. Então o Espírito bom aproximou-se de mim e me disse: É preciso que ele sofra a tentação; é uma prova; se sucumbir, será por sua culpa. O ladrão ia triunfar quando o Espírito mau empregou um artifício abominável, que deu resultado: fez-lhe ver uma garrafa sobre uma mesinha: era aguardente; inspirou-lhe a ideia de beber, para criar coragem. O infeliz está perdido, pensei comigo... procuremos ao menos salvar alguma coisa. Eu não tinha outro recurso, a não ser advertir o patrão... depressa! Num piscar de olhos, eis-me em sua casa. Estava jogando cartas com a esposa; era preciso encontrar um meio de fazê-lo sair.

57. Se ele fosse médium, ter-lhe-ias feito escrever o que quiséssemos. Ele acreditaria pelo menos nos Espíritos?

– Não tinha bastante espírito para saber o que é isso.

58. Eu te ignorava o talento para fazer trocadilhos.

– Se me interrompes não direi mais nada. Provoquei-lhe um violento espirro; ele quis aspirar rapé, mas havia deixado na loja a tabaqueira. Chamou o filho, que dormia num canto, e disse-lhe para ir buscá-la...; não era bem isso que eu desejava; o menino despertou resmungando... Soprei à mãe, que dissesse: Não acorde a criança; tu podes muito bem ir buscá-la. Finalmente ele se decidiu... e eu o acompanhei, para que fosse mais depressa. Chegando à porta percebeu luz na loja e ouviu um ruído. Ficou tomado de medo; tremiam-lhe as pernas; empurrei-o para que avançasse; se tivesse entrado subitamente pegaria o ladrão como numa armadilha. Em vez disso, o imbecil pôs-se a gritar: “Pega o ladrão!” O ladrão escapou, mas, em sua precipitação, perturbado também pela aguardente, esqueceu de apanhar o boné. O dono da loja entrou quando já não havia ninguém... O que acontecerá com o boné não é da minha conta... Aquele sujeito está metido em maus lençóis. Graças a mim não houve tempo de consumar-se o furto, do qual livrou-se o comerciante pelo medo. Isso, porém, não o impediu de dizer, ao retornar à sua casa, que havia derrubado um homem de seis pés de altura. – “Veja só – disse ele – como as coisas acontecem! Se eu não tivesse tido a ideia de aspirar rapé!...” – “E se eu não te houvesse impedido de mandar o menino!” – retrucou a mulher. – “É preciso convir que tivemos sorte. Olha o que é o acaso!”

Eis, meu amigo, como nos agradecem!

59. És um bravo rapaz, meu caro Pierre, parabéns! Não te desanimes com a ingratidão dos homens; encontrarás muitos outros assim, agora que te comprometes a lhes prestar serviço, até mesmo entre os que creem na intervenção dos Espíritos.

– Sim, e sei que os ingratos um dia serão pagos com ingratidão.

60. Vejo agora que posso contar contigo e que te tornas verdadeiramente sério.

– Mais tarde verás que serei eu a te ensinar moral.

61. Como qualquer outro, eu o necessito e receberei de bom grado os conselhos, venham de onde vierem. Eu te disse que queria que praticasses uma boa ação; estás disposto?

– Podes duvidar disso?

62. Creio que um de meus amigos está ameaçado de grandes decepções, se continuar seguindo o mau caminho em que se encontra; suas ilusões poderão perdê-lo. Gostaria que tentasses reconduzi-lo ao bom caminho, por meio de algo que o pudesse impressionar vivamente. Compreendes o meu pensamento?

– Sim; gostarias que eu lhe produzisse alguma manifestação agradável, uma aparição, por exemplo; mas isso não depende de mim. Entretanto, posso dar provas sensíveis da minha presença quando isso me for permitido. Bem o sabes.

 

Observação – O médium ao qual este Espírito parece estar ligado é advertido de sua presença por uma impressão muito sensível, mesmo quando não pensa em chamá-lo. Reconhece-o por uma espécie de arrepio que sente nos braços, no dorso e nas espáduas; mas algumas vezes os efeitos são mais enérgicos. Numa reunião que ocorreu em nossa casa, no dia 24 de março passado, este Espírito respondeu às perguntas através de outro médium.

Falava-se de sua força física; de repente, como que para dar uma prova, ele agarrou um dos assistentes pela perna e, por meio de um abalo violento, levantou-o da cadeira e o atirou, assombrado, do outro lado da sala.

 

63. Farás o que quiseres, ou melhor, o que puderes. Aviso-te que ele possui alguma mediunidade.

– Tanto melhor; tenho meu plano.

64. Que esperas fazer?

– Primeiro vou estudar a situação; ver de que Espíritos ele se acha cercado e se há meios de fazer algo com estes. Uma vez em sua casa eu me anunciarei, como fiz na tua. Interpelar-me-ão e responderei: “Sou eu, Pierre Le Flamand, mensageiro espiritual, que venho pôr-me ao vosso serviço e que, ao mesmo tempo, desejaria vos agradecer. Ouvi dizer que acalentais certas esperanças que vos transtornam a cabeça e já vos fazem virar as costas aos amigos; creio de meu dever, em vosso próprio interesse, advertir-vos de quanto vossas ideias estão longe de ser proveitosas à vossa felicidade futura. Palavra de Le Flamand, posso garantir que vos venho visitar imbuído das melhores intenções. Temei a cólera dos Espíritos e, mais ainda, a de Deus, e crede nas palavras de vosso servidor, que garante que a sua missão é inteiramente voltada ao bem.” (sic) Se me expulsarem, voltarei três vezes e depois verei o que terei a fazer. É isso?

65. Muito bem, meu amigo, mas não digas nem mais, nem menos.

– Palavra por palavra.

66. Mas se te perguntarem quem te encarregou dessa missão, o que responderás?

– Que foram os Espíritos Superiores. Para o bem, posso não dizer toda a verdade.

67. Tu te enganas; desde que agimos para o bem, é sempre por inspiração dos Espíritos bons. Assim, tua consciência pode ficar tranquila, porquanto os Espíritos maus jamais nos impelem a fazer boas coisas.

– Está entendido.

68. Agradeço-te e te felicito pelas tuas boas disposições. Quando queres ser chamado para me dares conta do resultado de tua missão?

– Eu te avisarei.

 



[1] REVISTA ESPÍRITA – maio/1859 – Allan Kardec

[2] N. do T.: Trata-se da obra O que é o Espiritismo? Vide a Revista Espírita de julho de 1859.