sexta-feira, 4 de julho de 2025

O VOO DA LIBERDADE E AS TENSÕES NA GAVETA DO SILÊNCIO[1],[2]

 


Wilson Garcia[3]

 

O movimento espírita brasileiro, em sua vertente religiosa, tem longa tradição no estudo e aplicação cotidiana da ética cristã, especialmente centrada na mensagem moral transmitida por Jesus. Paulo de Tarso e os evangelistas figuram entre os protagonistas permanentes dessas abordagens, amplamente difundidas em livros, revistas e periódicos espíritas.

No entanto, é notável a pouca atenção que esse mesmo movimento dedica às questões históricas envolvendo Jesus e outras figuras do cristianismo nascente, como Paulo de Tarso. Os estudos históricos, entretanto, são frequentemente ignorados ou relegados ao silêncio institucional, assim como aqueles que, como Boberg, se lançam com força sobre o assunto. Os autores mais presentes na divulgação da moral cristã em espiritismo, comprometidos às vezes com cursos específicos, sequer consideram documentos, tal este livro, em suas menções bibliográficas.

José Lázaro Boberg constitui uma das exceções nesse panorama. Espírita e livre-pensador dedicado ao estudo profundo da história do cristianismo, ele se posiciona claramente numa perspectiva laica, afastada das visões dogmáticas tradicionais. Boberg enfrenta com coragem as fontes históricas e acadêmicas mais recentes, como os estudos desenvolvidos por pesquisadores renomados, entre eles John Dominic Crossan. Autor de obras fundamentais, como “O Cristo de Paulo de Tarso” (2020), Boberg acaba de lançar “O voo da liberdade – brilhe a vossa luz!”, reafirmando seu compromisso em unir espiritismo e pesquisa histórica.

Neste seu mais recente livro, Boberg marca com ênfase questões essenciais como a autonomia moral e o livre arbítrio dos indivíduos. Esses temas são abordados com clareza, ressaltando a importância da liberdade espiritual para a construção consciente do destino humano, alinhando-se plenamente à filosofia espírita.

Boberg destaca ainda a importância do conhecimento histórico como enriquecimento da racionalidade espírita, afastando-se das abordagens dogmáticas e incentivando uma compreensão mais profunda e humanizada de Jesus. Liberta a figura de Jesus dos tradicionais laços dogmáticos, posicionando-o como modelo universal de evolução moral e liberdade espiritual, fundamentos essenciais para o espiritismo genuinamente kardecista.

Um dos pontos centrais debatidos pelo autor é a conhecida afirmação: “O Espiritismo é o Cristianismo Redivivo”, que, embora amplamente difundida no movimento espírita brasileiro, não é originária da codificação kardequiana, mas fruto das obras psicografadas por Francisco Cândido Xavier através do espírito Humberto de Campos (Irmão X). Boberg recorda oportunamente que Allan Kardec, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, esclarece com precisão que a moral ensinada por Jesus transcende fronteiras religiosas, sendo aplicável universalmente a todas as tradições espirituais e filosóficas.

Boberg tem plena consciência das resistências internas e compreende que o silêncio espírita sobre os estudos históricos do cristianismo decorre, em grande parte, do impacto psicológico e existencial que essas revelações provocam em adeptos acostumados com uma visão consoladora, porém, às vezes, avessa a desafios intelectuais mais profundos. Ainda assim, acredita que confrontar essas questões com lucidez e coragem fortalece e legitima a razão espírita.

Ao final de “O voo da liberdade”, Boberg oferece uma valiosa síntese de mais de trinta teses aceitas pela academia contemporânea acerca do cristianismo primitivo. Uma delas destaca:

Os Evangelhos atualmente disponíveis são narrativas nas quais a memória de Jesus é embelezada por elementos místicos que exprimem a fé dos primeiros cristãos, e por ficções plausíveis que melhoram a história a ser contada para os ouvintes da época.

Esses estudos, que aproximam o Jesus histórico do contexto sociocultural em que viveu, contribuem significativamente para torná-lo mais humano e acessível, dialogando assim com a proposta espírita de um Cristo próximo, racional e profundamente ético.

Ao trazer tais discussões para a esfera pública espírita, Boberg presta um serviço inestimável à maturidade intelectual e espiritual do movimento, rompendo com o silêncio e incentivando uma reflexão crítica necessária e urgente.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

O PODER DA VONTADE[1]

 


Miramez

 

Pode alguém por si mesmo afastar os maus Espíritos e libertar-se da dominação deles?

Sempre é possível, a quem quer que seja, subtrair-se a um jugo, desde que com vontade firme o queira.

Questão 475 / O Livro dos Espíritos

 

Para libertar-se da dominação de Espíritos inferiores é indispensável cortar a sintonia que temos com eles. Já dissemos muitas vezes que a obsessão, e mesmo a possessão, é processo de afinidade espiritual do obsediado com o obsessor.

O poder da vontade é válido, mas não é somente pela vontade que se pode ficar livre dos Espíritos perseguidores; a razão nos fala que devemos nos livrar desse tipo de companhia mudando o modo de pensar e, certamente, de viver. Os corvos sobrevoam onde o cheiro os atrai; as moscas procuram ambiente que lhes convém; e assim, os homens buscam sempre o ambiente da sua natureza íntima e atraímos Espíritos da nossa mesma faixa de entendimento. Deves fortalecer o poder da vontade, que é o teu dever, porém, deves usar essa vontade forte para o aperfeiçoamento das qualidades espirituais que carregas no coração.

Existem vários tipos de Espíritos; os dominadores são os piores, pois eles emitem forças negativas para nos dominar, de acordo com as suas ideias de escravidão. Compete-nos reagir com as nossas forças igualmente, mas, também nos esforçando para sair da dependência, e isso se opera com a nessa renovação espiritual, modificando as nossas atitudes, a nossa vida.

Pureza mental não é fácil de conquistarmos, todavia, nunca é impossível. Depois que passarmos ao domínio de nós mesmos, nunca mais voltaremos atrás, porque a vida é crescente, buscando o infinito. A nossa alegria é que a felicidade existe e todos poderemos encontrá-la, ficando com ela eternamente, quando a vida se constituirá em um verdadeiro condicionamento de firmeza de princípios, que encontrará afinidade em nosso mundo interior, espraiando-se em toda a extensão infinita interna, acendendo luzes e edificando o amor nas linhas da fraternidade. Se te modificares e te integrares com a caridade, é certo que somente Espíritos da mesma índole aproximar-se-ão do teu coração.

A religião menos procurada no mundo terreno é a mais perfeita: a religião do amor. Ela pode tomar muitos nomes, mas é sempre a mesma, é o sol da Divindade saída dos lábios de Jesus. A Terra, antes de Cristo, conhecia o nome amor, mas, fazia dele um processo de interesse próprio. Depois do Mestre, esse amor tornou-se um brilhante, transmutando-se em todas as virtudes do bem, capaz de levar as criaturas para a verdadeira paz íntima. O amor é a maior expressão de Deus por onde ele vibre.

Desenvolve o poder da vontade, mas saibas usar esse poder da tua mente, colocando os teus sentimentos a serviço da dama mais iluminada da Terra: a caridade, com as suas divisões benfeitoras e fiéis à fraternidade. Tudo que fizeres, faze-o com amor. Ele sempre dá um toque de luz nos impulsos da vida, libertando-te de todas as injúrias que venhas a encontrar nos caminhos do despertamento espiritual.

Para nos livrarmos das más companhias, necessário se faz criemos ambiente para que os bons companheiros possam encontrar em nós afinidades onde vibram seus corações. Meditemos em Jesus, de modo que a Sua presença em nós faça renovar nossos sentimentos, nos indicando o que devemos fazer da vida. A possessão não nos domina completamente; e ficando um resto de luz nas ideias, podemos fazer dela um caminho para o arrependimento.

Busquemos o Evangelho, para que ele possa nos induzir à renovação da vida no coração da própria vida. Jesus nunca fica longe dos Seus tutelados. Ele está estendendo Suas mãos, permanentemente, em procura das nossas. Aceitemos o Seu chamado.



[1] FILOSOFIA ESPÍRITA – Volume 10 – João Nunes Maia

quarta-feira, 2 de julho de 2025

SUJITH LAKMAL JAYARATNE (caso de reencarnação)[1]

 


James G. Matlock

 

Sujith Lakmal Jayaratne era um menino do Sri Lanka que se lembrava de ter sido um contrabandista alcoólatra de arak, cuja personalidade e comportamentos característicos ele demonstrava quando criança. Dezesseis das declarações de Sujith sobre a vida pregressa foram registradas por escrito antes de serem verificadas, e muitas outras foram documentadas posteriormente pelo pesquisador Ian Stevenson e seus assistentes de campo. Críticos céticos, no entanto, levantaram questões sobre o caso.

 

Sammy Fernando

Sammy era o apelido de um homem nascido em 3 de janeiro de 1919 em Gorakana, uma região do oeste do Sri Lanka situada a cerca de vinte quilômetros ao sul da capital, Colombo. Com uma personalidade vibrante, ele era conhecido por muitos como "Gorakana Sammy[2]".

Durante a primeira parte de sua vida adulta, Sammy trabalhou para uma empresa de ônibus e, em seguida, para a ferrovia nacional. No entanto, apaixonou-se por uma mulher (Maggie), a quem cortejou assiduamente, embora isso significasse perder tantos dias de trabalho que o demitiram. Mesmo assim, o casal se casou e Sammy mudou-se para a casa de Maggie, na estrada principal que levava a Colombo. Sammy e Maggie tiveram uma filha, Nandanie.

Incapaz de conseguir um emprego regular após ser demitido da ferrovia, Sammy tornou-se um destilador ilegal e fornecedor de arak, uma bebida alcoólica sob monopólio do governo. Construiu um alambique na selva atrás de sua casa e aproveitou suas terras às margens de um rio para transportar seus produtos pela ilha. As autoridades não ignoravam as atividades de Sammy e o visitavam regularmente. Ele foi preso e encarcerado nada menos que oito vezes.

Como experimentava seus produtos para manter o controle de qualidade e não levava consigo nenhum outro alimento ou bebida em suas viagens fluviais, Sammy gradualmente mergulhou em um estado de alcoolismo clínico. Seus negócios, porém, lhe eram bons economicamente, e ele tinha gostos caros para comida e vestuário. Também era generoso, dando dinheiro aos pobres e à sua sobrinha favorita, Kusuma Dabare, que lhe preparava refeições especiais quando estava bêbado.

Como muitos alcoólatras, Sammy tinha dificuldade em controlar seu temperamento. Maggie suportava o peso de seus acessos de raiva. No dia de sua morte, ele chegou em casa bêbado e, como costumava fazer nessas ocasiões, ela saiu de casa para caminhar pela rua. Sammy começou a segui-la, mas parou em uma loja de cigarros. Ao sair, ainda bastante embriagado, cruzou o caminho de um caminhão que passava. Ele tinha cinquenta anos na época.

 

Sujith Lakmal Jayaratne

Sujith Lakmal Jayaratne nasceu em 8 de agosto de 1969, prematuro, após uma gravidez de sete meses, pouco mais de seis meses após a morte de Sammy. Sua família morava em Mount Lavinia, mais adiante na estrada entre Gorakana e Colombo.

Os pais de Sujith se separaram logo após seu nascimento. Sua mãe foi morar com a mãe dela e Sujith cresceu em sua casa.

Quando Sujith tinha oito meses, sua mãe mencionou a palavra "caminhão" em sua presença e ele rapidamente bebeu seu leite, o que ela vinha tentando em vão fazer com que ele fizesse. Ela usou a palavra com o mesmo efeito em ocasiões subsequentes; era a única maneira de fazê-lo tomar leite quando ele resistia.

Assim que começou a falar de forma coerente, entre dezoito meses e dois anos de idade, Sujith começou a se referir à vida de Sammy Fernando. Nessa fase inicial, ele frequentemente complementava suas palavras com sons e gestos não verbais, imitando o barulho de uma locomotiva ou imitando um homem andando com uma bengala. Ele levantava um par de dedos para indicar o número dois.

Sujith queria ir a Gorakana e disse que era Gorakana Sammy. Ele se lembrava de alguém que ficou mancando após cair de um trem. Isso, de fato, aconteceu com o irmão mais novo de Sammy, que machucou as costas ao cair de um trem. Ele ficou engessado por um tempo e, quando se recuperou, estava mancando. Por dois meses, andou com uma bengala.

Sujith disse que ele próprio havia trabalhado com trens, mas também que vendia arak. Era casado com uma mulher chamada Maggie, com quem às vezes brigava. Um dia, depois de uma discussão, foi a uma loja comprar cigarros. Ao sair da loja, pisou na rua, foi atropelado por um caminhão e morreu.

 

Investigação de Caso

Fase Inicial

Acontece que o irmão mais velho da avó materna de Sujith era monge budista. Ele ouviu falar de Sammy e conversou com ele quando visitou seu templo. Um monge mais jovem do mesmo templo se interessou pelo caso e entrevistou Sujith em março de 1972, quando ele tinha dois anos e meio. Ele registrou dezesseis depoimentos sobre suas memórias e, em seguida, foi a Gorakana em busca de verificá-las.

É digno de nota que Sujith não revelou ao monge seu nome de vida passada nem descreveu como ele morreu, embora já tivesse relatado essas coisas à sua família. O monge escreveu em cingalês, mas suas anotações foram posteriormente traduzidas para o inglês por Ian Stevenson. As dezesseis declarações que ele registrou de Sujith foram:

§  Ele era de Gorakana.

§  Ele morava na seção 'Gorakawate' de Gorakana.

§  Seu pai era Jamis.

§  Jamis tinha apenas um olho.

§  Ele (Sammy) viajou de ônibus e de trem.

§  Alguém caiu e ficou manco.

§  Em Gorakana, ele frequentou "a escola dilapidada".

§  Francisco foi seu professor.

§  Ele deu dinheiro para Kusuma.

§  Kusuma preparou gafanhotos (um alimento) para ele.

§  Ele doou dinheiro para o Kale Pansala (um templo budista).

§  Havia dois monges no Kale Pansala.

§  Um desses monges chamava-se Amitha.

§  Ele tomou banho em água fria.

§  O banheiro ficava no limite de sua propriedade.

§  Sua casa era caiada.

Em Gorakana, o monge entrou em contato com Kusuma Debare e contou-lhe parte do que Sujith havia dito. Ela não associou imediatamente essas coisas à sua família, talvez por não conhecer o nome Gorakawate, um termo mais antigo para a região onde Sammy havia vivido. Mas, depois de refletir sobre o assunto, no dia seguinte foi ao Monte Lavinia para ver o monge, confirmou algumas das declarações de Sujith como aplicáveis ​​ao seu tio Sammy Fernando e pediu para conhecer o menino.

O monge pediu a Kusuma que aguardasse esse encontro até que ele concluísse suas investigações. Ele retornou a Gorakana e, dessa vez, conseguiu verificar quase todas as declarações que havia registrado. A notícia se espalhou rapidamente por Gorakana e membros daquela comunidade foram ao Monte Lavinia para encontrar Sujith.

O monge conseguiu esses contatos, mas com dificuldade. Quando Kusuma foi encontrar Sujith pela primeira vez, ela levou consigo outras dez pessoas, o que o sobrecarregou. Quando Kusuma retornou com apenas quatro pessoas, Sujith a reconheceu pelo nome. Ele também reconheceu um dos que a acompanhavam, um sobrinho de Sammy.

Depois disso, o monge levou Sujith a Gorakana pela primeira vez. Lá, ele fez algumas declarações e reconhecimentos adicionais. Sua história chamou a atenção da imprensa e os primeiros artigos sobre o caso foram publicados em 23 de abril, tanto em cingalês quanto em inglês.

 

Ian Stevenson

As notícias de 23 de abril foram notadas por um assistente de campo do pesquisador Ian Stevenson , que iniciou investigações em seu nome. Ele obteve a lista do monge com as declarações de Sujith, juntamente com um relatório que o tio-avô de Sujith havia feito sobre suas interações com ele. Ele traduziu esses relatos para Stevenson e entrevistou Sujith, sua mãe e vários outros membros de sua família que o ouviram falar sobre Sammy.

Stevenson envolveu-se diretamente no caso quando visitou o Sri Lanka em março e outubro de 1973. Ele entrevistou Sammy e sua família, além de várias pessoas em Gorakana. Sua lista de entrevistados mostra que ele conversou com treze pessoas no Monte Lavinia e 21 em Gorakana, além de algumas em outros lugares. Seus assistentes cingaleses contataram algumas testemunhas que ele não conseguiu encontrar em suas viagens. Stevenson também visitou lugares mencionados por Sujith, entre eles o templo Kale Pansala.

Stevenson prestou atenção especial à possibilidade de contatos entre Sujith e membros de sua família e da família de Sammy Fernando. Embora Gorakana e Monte Lavinia sejam próximos, ele não conseguiu identificar nenhum contato direto entre as famílias e se convenceu de que a família de Sujith desconhecia a história de Sammy antes de Sujith começar a falar sobre Sammy.

 

Declarações e Reconhecimentos Adicionais

Stevenson e seus assistentes registraram vinte declarações adicionais atribuídas a Sammy por outras testemunhas antes de conhecer Kusuma e visitar Gorakana pela primeira vez[3]. Esses itens incluíam:

§  Seu nome era Sammy (às vezes Gorakana Sammy).

§  Kusuma era filha de sua irmã mais nova.

§  Kusuma estava em Gorakana.

§  O cabelo de Kusuma era muito longo e grosso.

§  Sua esposa se chamava Maggie.

§  Ele tinha uma filha chamada Nandanie.

§  Ele morava em uma casa com telhado de telhas.

§  Ele se banhou no poço.

§  Havia um coqueiro-rei perto do poço em sua casa.

§  O poço e a árvore ficavam atrás de sua casa.

§  Ele podia chegar à casa por uma trilha na selva.

§  Ele comeu pão e curry de peixe no café da manhã.

§  Ele trabalhava para as ferrovias.

§  Ele transportou arak em um barco.

§  Certa vez o barco afundou em um rio e a arak se perdeu.

§  Depois disso ele voltou a negociar com arak.

§  Um dia ele brigou com Maggie depois de beber.

§  Ele foi até uma loja para comprar cigarros.

§  Um caminhão o atropelou enquanto ele atravessava a rua.

§  Ele morreu imediatamente.

Todas, exceto a última, estavam corretas para Sammy Fernando. Sammy não morreu imediatamente após o acidente, mas no hospital, uma ou duas horas após a internação.

Stevenson também documentou vinte relatos de reconhecimentos feitos por Sujith de pessoas e lugares conhecidos por Sammy, depois que seu caso se tornou conhecido[4].

 

Personalidade e Comportamentos

A representação de Sammy feita por Sujith impressionou todos que o conheceram; sua personalidade e comportamentos habituais constituem uma parte importante deste caso.

§  Sujith tinha um medo enorme de caminhões quando criança.

§  Sammy era um bom cantor e dançarino e Sujith gostava dessas atividades.

§  Tanto Sammy quanto Sujith eram generosos com os outros.

§  Sujith e Sammy tinham gostos e estilos de vestimenta semelhantes. Sammy gostava de camisas caras de Terylene, assim como Sujith. Muitos homens do Sri Lanka amarravam seus sarongues acima do umbigo, mas Sammy e Sujith posicionavam o sarongue abaixo do umbigo, e ambos formavam um grande nó com o tecido na parte superior da vestimenta. Quando Sujith foi questionado sobre o motivo de ter dado o nó dessa maneira, ele explicou que era ali que carregava seu dinheiro, uma prática de Sammy.

§  Sammy era um fumante que preferia a marca de cigarros Four Aces, e Sujith pedia que eles fossem comprados para ele.

§  Sujith gostava das mesmas comidas que Sammy. Ambos gostavam de pratos apimentados, como curry picante.

§  Sujith pedia arak e, quando recebia uma alternativa (como água com gás), sentava-se com as pernas dobradas na postura adotada por Sammy ao beber e, em seguida, arrotava, limpava a boca e andava por aí como se estivesse embriagado. Ele pedia comidas apreciadas por quem bebe arak regularmente.

§  Sujith, assim como Sammy, tinha tendência a bater e chutar outras pessoas quando se sentia frustrado. Ele tinha um pouco do temperamento de Sammy e era rápido em usar a violência. Certa vez, ele esmurrou a mãe, explicando que era assim que a polícia conduzia os interrogatórios. Ele frequentemente se escondia ao ver os policiais.

§  Quando ele descreveu como Sammy havia morrido, Sujith ficava deitado de costas com o braço estendido, na postura em que o corpo de Sammy havia sido recuperado da estrada.

 

Xenoglossia

Xenoglossia é o uso de uma linguagem não aprendida na vida presente; em casos de reencarnação, geralmente é uma linguagem falada pela pessoa anterior e herdada da vida passada.

Sujith e Sammy falavam a mesma língua, cingalês, mas, mesmo quando criança, Sujith costumava encher sua fala de obscenidades. Sammy, por sua vez, tinha o hábito de xingar e gritar obscenidades, principalmente quando estava bêbado.

Embora não seja estritamente xenoglossia, Stevenson argumenta que o extenso vocabulário de Sujith, com palavras vulgares, se equivalia a isso, porque não havia ninguém de quem ele pudesse tê-las aprendido. Sua mãe e avó não falavam dessa maneira, e seu pai, que poderia ter falado, estava ausente[5].

 

Análise de Stevenson

Stevenson considerou os casos de Sujith um dos mais fortes que já havia estudado, devido ao fato de o monge ter registrado por escrito algumas de suas memórias antes de começar a verificá-las. No entanto, ele observa que outros registros anteriores também foram feitos sobre o caso, reduzindo a possibilidade de erros de memória por parte dos informantes. Além disso, a personificação de Sammy por Sujith era extraordinariamente forte:

Duvido que qualquer criança tenha demonstrado tão vividamente quanto ele os vários tipos de comportamento que caracterizam a conduta de alcoólatras. Que ele pudesse ter aprendido tal comportamento das pessoas imediatamente ao seu redor parece impensável. O fato de ele ter demonstrado isso tão plenamente me parece contribuir tanto para a autenticidade do caso quanto para a evidência de processos paranormais.

 

Críticas Céticas

O filósofo Brooke Noel Moore criticou o relatório de Stevenson sobre Sujith em um livro publicado em 1981[6]. Com base em uma série de suposições hipotéticas, ele tentou mostrar como a construção social poderia explicar o caso.

A criança pode ter simplesmente repetido alguns nomes e frases que ouviu, direta ou indiretamente, de um vizinho, e isso pode ter sido suficiente para excitar uma avó possivelmente entediada ou ociosa, que não se lembrava de ter ouvido os mesmos nomes ou frases.

Assim começou uma acumulação crescente de mais “provas”, de gestos inocentes e balbucios inarticulados que eram tomados como possíveis sinais de reconhecimento; de possíveis sinais de reconhecimento que eram então lembrados e descritos a outros como reconhecimentos irrefutáveis; e, finalmente, da “história” do caso que era revista inconscientemente para se conformar ao que, naquele momento, tinha começado a ser considerada como certezas[7] .

Paul Edwards acolheu os argumentos de Moore e chamou a atenção para o fato, observado por Moore, de que Sujith havia nascido apenas seis meses após a morte de Sammy. Mesmo considerando seu nascimento prematuro, é evidente que o corpo de Sujith estaria em gestação quando Sammy morreu, o que Moore e Edwards consideram preocupante. Edwards afirma:

Sabemos, portanto, que em determinado momento Sujith definitivamente não era Sammy Fernando. Se mais tarde ele se tornou Sammy, Moore pergunta: "o que aconteceu com o indivíduo que antes não era Sammy; ele também foi reencarnado[8]”?

No entanto, como apontado pelo pesquisador de reencarnação James Matlock , esta objeção

revela o compromisso com uma suposição a priori sobre a reencarnação (de que ela deve ocorrer na concepção) e carece de familiaridade com os dados do caso de Stevenson. Casos com interrupções de menos de nove meses não são incomuns... Somente se a reencarnação ocorresse necessariamente na concepção, surgiria a possibilidade de uma expulsão espiritual em tais casos, e mesmo que isso ocorresse, não está claro por que colocaria em risco uma interpretação da reencarnação[9].

 

Literatura

§  Edwards, P. (1996). Reincarnation: A Critical Examination. Amherst, New York, USA: Prometheus Books.

§  Matlock, J.G. (2023). Reincarnation and past-life memory. In Probing Parapsychology: Essays on a Controversial Science, ed. by G.R. Shafer, 78-94. Jefferson, North Carolina, USA: McFarland.

§  Moore, B.N. (1981). The Philosophical Possibilities Beyond Death. Springfield, Illinois, USA: Charles C Thomas.

§  Stevenson, I. (1977). Cases of the Reincarnation Type. Volume II: Ten Cases in Sri Lanka. Charlottesville: University Press of Virginia.

 

Traduzido com Google Tradutor



[2] Este relato do caso de Sujith foi extraído do relatório de Stevenson (1977).

[3] Veja a lista de declarações de Sujith em Stevenson (1977), 248-56.

[4] Veja Stevenson (1977), 257-66.

[5] Stevenson (1977), 274.

[6] Moore (1981), 167-78.

[7] Moore (1981), 177.

[8] Edwards (1996), 258-59.

[9] Matlock (2023).

terça-feira, 1 de julho de 2025

MEU AMIGO HERMANN[1]

 



Allan Kardec

 

Sob esse título o Sr. H. Lugner publicou, no folhetim do Journal des Débats do dia 26 de novembro de 1858, uma espirituosa história fantástica, no gênero de Hoffmann, e que, à primeira vista, parece ter alguma analogia com os nossos agêneres e com os fenômenos de tangibilidade que acabamos de falar. Sua extensão não nos permite reproduzi-la na íntegra. Limitar-nos-emos a fazer-lhe a análise, observando que o autor narra essa história como um fato de que tivesse sido testemunha pessoal, estando – dizia ele – vinculado por laços de amizade ao herói da aventura. Esse herói, chamado Hermann, morava numa pequena cidade do interior da Alemanha.

Era – diz o narrador – um belo rapaz de 25 anos, de porte avantajado, cheio de nobreza em todos os movimentos, gracioso e espirituoso no falar; muito instruído e sem o menor pedantismo, fino e sem malícia, muito cioso de sua dignidade e sem a menor arrogância. Em suma, era perfeito em tudo e mais perfeito ainda em três coisas: no amor pela filantropia, na vocação particular pela valsa e na doçura de caráter. Essa doçura não era fraqueza, nem temor dos outros, nem desconfiança exagerada de si mesmo: era uma inclinação natural, uma superabundância desse milk of human kindness[2] que de ordinário não encontramos senão nas ficções dos poetas e da qual a Natureza havia aquinhoado Hermann com uma dose nunca vista. Ele continha e ao mesmo tempo sustentava os adversários com uma bondade onipotente e superior aos ultrajes; podiam feri-lo, mas não encolerizá-lo. Certo dia, tendo-lhe o barbeiro queimado a ponta da orelha ao anelar seus cabelos, Hermann apressou-se em desculpá-lo, tomando para si a culpa e garantindo que se havia mexido desajeitadamente. Entretanto, nada disso aconteceu, posso dizê-lo em consciência, porque me achava presente e vi claramente que tudo se deveu à inabilidade do barbeiro. Deu muitas outras provas de imperturbável bondade de alma. Ouvia a leitura de maus versos com um ar angélico e respondia aos mais tolos epigramas com elogios bem-postos, quando Espíritos malévolos teriam agido com maldade. Essa doçura extraordinária o tornara célebre; não havia mulher que não desse a vida para vigiar sem descanso o caráter de Hermann, procurando fazer com que perdesse a paciência pelo menos uma vez na vida.

Acrescentai a todos esses méritos a vantagem de uma completa independência e uma fortuna suficiente para ser contado entre os mais ricos homens da cidade, e dificilmente podereis imaginar que faltasse alguma coisa à felicidade de Hermann. Entretanto, não era feliz e muitas vezes dava mostras de tristeza... Isso se devia a uma enfermidade singular, que o vinha afligindo a vida inteira e que há muito excitava a curiosidade de sua pequena cidade.

Hermann não podia ficar acordado um instante sequer após o pôr-do-sol. Quando o dia se aproximava do fim ele era tomado de uma languidez invencível e, pouco a pouco, caía num torpor que nada podia evitar e do qual ninguém o tirava. Deitava-se com o sol e se levantava ao raiar do dia; seus hábitos matinais o teriam feito excelente caçador, se tivesse podido vencer o horror do sangue e suportar a ideia de dar uma morte cruel a inocentes criaturas.

Eis em que termos, num momento de desabafo, descreve a própria situação ao seu amigo do Journal des Débats:

Bem o sabeis, meu caro amigo, a que enfermidade estou sujeito e que sono invencível me oprime regularmente, desde o crepúsculo até a aurora. Sobre isso também sabeis o que todos sabem e, como todos, já ouvistes dizer que esse sono, por assim dizer, se confunde com a morte. Nada é mais verdadeiro, e esse prodígio pouco me importaria, eu o juro, se a natureza se contentasse em tomar-me o corpo como objeto de uma de suas fantasias. Mas a minha alma é também seu joguete e não vos posso dizer sem horror a sorte bizarra e cruel que lhe foi infligida. Cada uma de minhas noites é povoada de um sonho que se vincula com a mais fatal clareza ao sonho da noite anterior. Esses sonhos – queira Deus que sejam sonhos – se seguem e se encadeiam como os acontecimentos de uma existência comum que se desenrolasse à face do sol e na companhia de outros homens. Vivo, pois, duas vezes, levando duas existências bem diferentes: uma se passa aqui, convosco e com os nossos amigos; a outra, muito longe daqui, com homens que conheço tão bem quanto vós, com quem falo como vos falo, e que me tratam de louco como o fazeis quando me refiro a uma outra existência além desta que passo convosco. Entretanto, estou aqui vivo e falando, sentado ao vosso lado e bem desperto, penso; e quem pretendesse que sonhamos ou que somos sombras, com justa razão não passaria por insensato? Pois bem! meu caro amigo, cada um desses momentos, desses atos que preenchem as horas de meu sono inevitável, não são menos reais, e quando me acho inteiramente nessa outra existência, é esta que eu seria tentado a considerar como um sonho.

Entretanto, não sonho aqui mais do que lá. Vivo alternadamente nos dois lados e não poderia duvidar, embora minha razão fique estranhamente chocada com o fato de minha alma animar, sucessivamente, dois corpos e de se defrontar, assim, com duas existências. Ah! meu caro amigo, quisesse Deus que nesses dois corpos ela tivesse os mesmos instintos e a mesma conduta e que lá eu fosse o homem que aqui apreciais e conheceis. Mas não é nada disso e talvez não ousariam contestar a influência do físico sobre o moral se conhecessem minha história. Não quero me vangloriar; aliás, o orgulho que poderia inspirar-me uma dessas duas existências é aviltado pela vergonha, inseparável da outra. Todavia, não posso dizer sem vaidade que aqui sou justamente amado e respeitado por todos; louvam-me a personalidade e as maneiras; acham-me nobre, liberal e distinto. Como sabeis, amo as letras, a filosofia as artes, a liberdade e tudo quanto faz o encanto e a dignidade da vida humana; assisto os infelizes e não tenho inveja do próximo. Conheceis-me a proverbial doçura, meu espírito de justiça e de misericórdia e meu insuperável horror à violência. Todas essas qualidades, que me elevam e aqui me adornam, eu as expio lá, por vícios opostos. A Natureza, que aqui me cumulou de bênçãos, houve por bem amaldiçoar-me lá. Não apenas me lançou numa situação inferior, onde tive de ficar sem letras e sem cultura, como deu a esse outro corpo, que é também o meu, órgãos tão grosseiros ou tão perversos, sentidos tão cegos ou tão fortes, inclinações tais e tais necessidades que minha alma obedece, em vez de comandar, deixando-se arrastar por este corpo despótico às mais vis desordens. Lá eu sou duro e covarde, perseguidor dos fracos e servil diante dos fortes, impiedoso e invejoso, injusto por natureza, violento até o delírio. Entretanto, sou eu mesmo e, por mais me odeie e me despreze, não posso deixar de me reconhecer.

Hermann parou um instante; sua voz tremia e os olhos estavam molhados de lágrimas. Tentando sorrir, eu lhe disse: “Quero vos excitar a loucura, para melhor curá-la. Dizei-me tudo; para começar, onde se passa essa outra existência e com que nome sois conhecido?

Chamo-me William Parker, respondeu ele; sou cidadão de Melbourne, na Austrália. É para lá, no país dos antípodas, que voa minha alma, assim que vos abandona. Quando o Sol aqui se põe ela deixa Hermann inanimado e, quando lá se levanta, dá a vida ao corpo inerte de Parker. Começa, então, minha miserável existência de vagabundagem, de fraude, de rixas e de mendicância. Frequento uma sociedade má e nela sou contado entre os piores; estou em luta incessante com meus companheiros e, não raras vezes, me vejo de faca em punho; estou sempre em guerra com a polícia e, com frequência, obrigado a me esconder.

Porém, tudo tem um termo neste mundo e esse suplício está terminando. Infelizmente cometi um crime. Matei covarde e brutalmente uma pobre criatura que se havia ligado a mim. Levei, assim, ao cúmulo a indignação pública, já excitada pela minha má conduta. O júri condenou-me à morte e espero minha execução. Algumas pessoas humanas e religiosas intercederam junto ao governador, a fim de obter-me graça ou, pelo menos, o sursis, que me dará tempo para me converter. Entretanto, é bem conhecida a minha natureza grosseira e intratável. Recusaram-no e, amanhã, ou melhor, esta noite, serei infalivelmente conduzido à forca.

Pois bem! disse-lhe eu sorrindo, tanto melhor para vós quanto para nós; é uma boa solução a morte desse velhaco. Uma vez Parker lançado na eternidade, Hermann viverá em paz; poderá velar como todo mundo e ficar conosco dia e noite. Essa morte curar-vos-á, meu caro amigo, e sou grato ao governador de Melbourne por ter recusado graça a esse miserável.

Enganai-vos, respondeu-me Hermann, com tal gravidade que me causou dó: morreremos juntos os dois, porquanto somos apenas um e, malgrado nossas diversidades e nossa natural antipatia, não temos senão uma alma, que será ferida por um único golpe, porque em todas as coisas respondemos um pelo outro. Acreditais, então, que Parker ainda estaria vivo se Hermann não tivesse sentido que tanto na morte como na vida eles eram inseparáveis? Teria eu hesitado um instante qualquer se tivesse podido arrancar e lançar ao fogo essa outra existência, como o olho maldito de que falam as Escrituras? Mas eu estava tão feliz por viver aqui que não admitia morrer lá; e minha indecisão durou até que a sorte resolveu para mim essa terrível questão. Agora, tudo está consumado; acreditai que estou me despedindo de vós.

No dia seguinte encontraram Hermann morto em seu leito e, alguns meses depois, os jornais da Austrália noticiaram a execução de William Parker, com todas as particularidades descritas por sua duplicata.

Toda essa história é narrada com imperturbável sangue-frio e em tom sério; nada falta, nos detalhes que omitimos, para dar-lhe um cunho de verdade. Na presença dos estranhos fenômenos que testemunhamos, um fato dessa natureza poderia parecer se não real, pelo menos possível, e relacionado até certo ponto com aqueles que já citamos. Com efeito, não seria análogo àquele do rapaz que dormia em Boulogne, enquanto, ao mesmo tempo, conversava em Londres com seus amigos? Ao de Santo Antônio de Pádua que, no mesmo dia, pregava na Espanha e se mostrava em Pádua para salvar a vida do pai, acusado de homicídio? À primeira vista pode-se dizer que, se esses dois fatos forem exatos, também não é impossível que Hermann tenha vivido na Austrália, enquanto dormia na Alemanha, e reciprocamente. Embora nossa opinião esteja perfeitamente estabelecida a esse respeito, acreditamos dever referi-la aos nossos instrutores de além-túmulo, em uma das sessões da Sociedade. À pergunta:

O fato relatado pelo Journal des Débats é real? Responderam: Não; é uma história feita especialmente para divertir os leitores.

Se não é real, é possível? – Não; uma alma não pode animar dois corpos diferentes.

Realmente, na história de Boulogne, se bem o rapaz se tenha mostrado em dois locais diferentes simultaneamente, em verdade possuía apenas um corpo de carne e osso, que estava naquela cidade; em Londres havia apenas a aparência ou perispírito, tangível, é certo, mas não o próprio corpo, mortal; ele não poderia morrer em Londres e em Boulogne. Hermann, ao contrário, conforme a anedota, teria realmente dois corpos, desde que um foi enforcado em Melbourne e o outro enterrado na Alemanha. A mesma alma teria, assim, se defrontado com duas existências simultâneas, o que, conforme os Espíritos, não é possível. Os fenômenos do gênero do de Boulogne e de Santo Antônio de Pádua, embora muito frequentes são, aliás, sempre acidentais e fortuitos num indivíduo, não tendo jamais um caráter de permanência, ao passo que o pretenso Hermann era assim desde a infância. Entretanto, a razão mais grave de todas é a diferença de caracteres. Seguramente, se esses dois indivíduos não tivessem tido senão uma só alma, esta não poderia ser, alternadamente, a de um homem de bem e a de um bandido. É verdade que o autor se baseia na influência do organismo. Nós o lamentamos, se tal é a sua filosofia e, ainda mais, que procure dar-lhe crédito, porquanto seria negar a responsabilidade dos atos; semelhante doutrina seria a negação de toda moral, porque reduziria o homem à condição de máquina.



[1] REVISTA ESPÍRITA – fevereiro/1859 – Allan Kardec

[2] Leite da bondade humana

segunda-feira, 30 de junho de 2025

LUÍS DA COSTA PORTO CARREIRO NETO[1]

 


 

Estamos de pé, com os olhos voltados para a nossa tarefa

Porto Carreiro Neto

 

 Luís da Costa Porto Carreiro Neto – mais conhecido como Porto Carreiro Neto – nasceu no Recife, Pernambuco, em 7 de janeiro de 1895. Foi criado por uma tia e madrinha, pois que sua genitora faleceu, deixando-o em tenra infância. Era filho do professor Carlos Porto Carreiro, grande filósofo, linguista e poeta, a quem devemos excelente gramática portuguesa e obras de arte imortais, como a sua tradução da obra-prima de Edmond Rostand, CYRANO DE BERGERAC, tradução em lindos versos, reputados pela crítica como mais belos que os originais.

Carlos Porto Carreiro era proprietário e diretor de um ginásio em sua cidade natal, Recife. Luís começou a lecionar no colégio do pai aos catorze anos de idade. Mais tarde a família se transferiu para o Rio de Janeiro, onde Luís fez com brilhantismo diversos cursos na Escola Nacional de Engenharia, a saber: de engenheiro civil, de engenheiro mecânico e eletricista, de engenheiro industrial, tornando-se, a partir de 1925, livre docente, por concurso, da cadeira de Química Industrial da mesma Escola.

Casou-se em 7 de janeiro de 1920, data em que completava 25 anos, enviuvando a 13 de junho de 1958, sem ter deixado descendentes. Concorreu à vaga para professor catedrático de Química Inorgânica e Análise Qualitativa, na Escola Nacional de Química, sendo nomeado em 1933, e ficando em disponibilidade na cadeira que até então ocupava na Escola Nacional de Engenharia. Posteriormente, foi empossado nas funções de Diretor da Escola Nacional de Química, dando mostras de grande atividade administrativa e elevado senso de responsabilidade.

Como professor e examinador, seja nos cursos universitários, seja nos cursos elementares ou superiores de Esperanto, era sempre muito rigoroso para com os alunos, exigindo o máximo de aproveitamento, como era rigoroso para consigo mesmo. Como esperantista dos mais cultos do mundo, foi durante decênios membro da Akademio de Esperanto. Secretário geral da Liga Brasileira de Esperanto, vice-presidente do Brazila Klubo Esperanto, vice-chefe delegado da Universala Esperanto Asocio, seu nome tornou-se internacional, sendo incluído, com uma bibliografia, na conhecida enciclopédia de Esperanto publicada em Budapeste, em 1933-1934.

Poeta, prosador e tradutor, preparou livros realmente magistrais em e sobre Esperanto.

Juntamente com os Drs. A. Couto Fernandes e Carlos Domingues, elaborou o Dicionário Português-Esperanto, dado a lume em 1936.

Juntamente com os Drs. A. Couto Fernandes e Carlos Domingues, elaborou o Dicionário Português-Esperanto, dado a lume em 1936. Em conjunto com o professor Ismael Gomes Braga, a este ligado por laços idealísticos profundos, refundiu totalmente, ampliando-a bastante, a obra Esperanto sem Mestre, de autoria de Francisco Valdomiro Lorenz, obra que já conta com seis edições impressas pelo Departamento Editorial da FEB. A pureza, a fluência e a correção do seu Esperanto granjearam-lhe justos e merecidos elogios das entidades, dos órgãos de imprensa e dos homens mais representativos do mundo esperantista, comparando-se-lhe muitas vezes o estilo com o de Zamenhof. Colaborou em vários jornais e revistas esperantistas do Brasil e do estrangeiro, quer em prosa, quer em verso, sempre admirado pela sua cultura e saber. É, todavia, no âmbito esperantista que sua existência se imortalizou, cobrindo-se de glórias imorredouras.

Pelo Departamento Editorial da FEB, publicou as seguintes traduções, todas enaltecidas pela crítica daqui e de além-mar: La libro de la Spiritoj, La Libro de la mediumoj, em colaboração com I.G.B., Antau du mil jaro..., Em Ombro Kaj em Lumo, Nia Hejmo, Ago Kaj Reago.

Deixou traduzida, para ser publicada pela FEB, a grandiosa obra mediúnica Paulo e Estêvão, e estava traduzindo O que é o Espiritismo, de Allan Kardec, quando Átropos[2] lhe cortou o fio da existência terrena. Não chegou ao meio do volume.

Como espírita, foi membro vitalício da FEB e membro do Conselho Federativo Nacional, representando Pernambuco. Médium de incorporação e psicógrafo, recebeu um livro do Espírito de Jaime Braga, com o título Ciência Divina, muitos sonetos em português e poemetos em Esperanto que vários leitores leram em colunas da revista “Reformador”. Espírito de alto nível moral, de vasta cultura e muita capacidade de trabalho, não se dobrava ao cansaço, nem ao desânimo. Sua missão como esperantista e médium se achava sempre harmoniosamente enquadrada no programa de trabalho da FEB. Foi um trabalhador de Jesus na preparação do Brasil para sua anunciada missão histórica em que todos os livros em Esperanto foram cuidadosamente revistos por ele e entregues à FEB para futuras edições.

Não poucos hão de ter notado que Porto Carreiro Neto foi continuador da obra iniciada pelo médium Francisco Valdomiro Lorenz, pois que prosseguiu em “Reformador” a seção de versos doutrinários recebidos diretamente em Esperanto, seção essa criada pelos Maiores da Espiritualidade em julho de 1943.

Às 10 horas da manhã de 21 de julho de 1964, desencarnou repentinamente, vítima de espasmo cerebral. O saudoso amigo contava, então, 69 anos de idade.

Neto, um dos grandes vultos do Espiritismo no Brasil, especialmente por sua contribuição ao ensino e à divulgação do Espiritismo e do Esperanto.

No dia 23 de julho de 1964, dois dias após sua desencarnação, Porto Carreiro Neto manifestou-se no Grupo Ismael, pelo médium Giffoni, quando transmitiu alentadora mensagem, da qual destacamos as seguintes palavras: Estamos de pé, com os olhos voltados para a nossa tarefa. Não a interrompemos, e vocês também não. Eu, por um pouco, dizem-me, estarei ausente, mas retornarei. Enquanto isto, os amigos continuarão a obra, porque não é nossa, é do Cristo, é da Humanidade".



[1] O CONSOLADOR - https://www.oconsolador.com.br/ano16/782/especial2.html

[2] Átropos, na mitologia grega, é uma das três Moiras, também conhecidas como Parcas, responsáveis pelo destino dos mortais. Ela é a Moira que corta o fio da vida, decidindo o momento da morte de cada indivíduo.