Wilson Garcia[3]
O movimento espírita brasileiro,
em sua vertente religiosa, tem longa tradição no estudo e aplicação cotidiana
da ética cristã, especialmente centrada na mensagem moral transmitida por
Jesus. Paulo de Tarso e os evangelistas figuram entre os protagonistas
permanentes dessas abordagens, amplamente difundidas em livros, revistas e
periódicos espíritas.
No entanto, é notável a pouca
atenção que esse mesmo movimento dedica às questões históricas envolvendo Jesus
e outras figuras do cristianismo nascente, como Paulo de Tarso. Os estudos
históricos, entretanto, são frequentemente ignorados ou relegados ao silêncio
institucional, assim como aqueles que, como Boberg, se lançam com força sobre o
assunto. Os autores mais presentes na divulgação da moral cristã em
espiritismo, comprometidos às vezes com cursos específicos, sequer consideram
documentos, tal este livro, em suas menções bibliográficas.
José Lázaro Boberg constitui uma
das exceções nesse panorama. Espírita e livre-pensador dedicado ao estudo
profundo da história do cristianismo, ele se posiciona claramente numa
perspectiva laica, afastada das visões dogmáticas tradicionais. Boberg enfrenta
com coragem as fontes históricas e acadêmicas mais recentes, como os estudos
desenvolvidos por pesquisadores renomados, entre eles John Dominic Crossan.
Autor de obras fundamentais, como “O Cristo de Paulo de Tarso” (2020), Boberg
acaba de lançar “O voo da liberdade – brilhe a vossa luz!”, reafirmando seu
compromisso em unir espiritismo e pesquisa histórica.
Neste seu mais recente livro,
Boberg marca com ênfase questões essenciais como a autonomia moral e o livre
arbítrio dos indivíduos. Esses temas são abordados com clareza, ressaltando a
importância da liberdade espiritual para a construção consciente do destino
humano, alinhando-se plenamente à filosofia espírita.
Boberg destaca ainda a
importância do conhecimento histórico como enriquecimento da racionalidade
espírita, afastando-se das abordagens dogmáticas e incentivando uma compreensão
mais profunda e humanizada de Jesus. Liberta a figura de Jesus dos tradicionais
laços dogmáticos, posicionando-o como modelo universal de evolução moral e
liberdade espiritual, fundamentos essenciais para o espiritismo genuinamente
kardecista.
Um dos pontos centrais debatidos
pelo autor é a conhecida afirmação: “O Espiritismo é o Cristianismo Redivivo”,
que, embora amplamente difundida no movimento espírita brasileiro, não é
originária da codificação kardequiana, mas fruto das obras psicografadas por
Francisco Cândido Xavier através do espírito Humberto de Campos (Irmão X).
Boberg recorda oportunamente que Allan Kardec, em “O Evangelho segundo o
Espiritismo”, esclarece com precisão que a moral ensinada por Jesus transcende
fronteiras religiosas, sendo aplicável universalmente a todas as tradições
espirituais e filosóficas.
Boberg tem plena consciência das
resistências internas e compreende que o silêncio espírita sobre os estudos
históricos do cristianismo decorre, em grande parte, do impacto psicológico e
existencial que essas revelações provocam em adeptos acostumados com uma visão
consoladora, porém, às vezes, avessa a desafios intelectuais mais profundos.
Ainda assim, acredita que confrontar essas questões com lucidez e coragem
fortalece e legitima a razão espírita.
Ao final de “O voo da
liberdade”, Boberg oferece uma valiosa síntese de mais de trinta teses aceitas
pela academia contemporânea acerca do cristianismo primitivo. Uma delas
destaca:
Os Evangelhos atualmente disponíveis são narrativas nas
quais a memória de Jesus é embelezada por elementos místicos que exprimem a fé
dos primeiros cristãos, e por ficções plausíveis que melhoram a história a ser
contada para os ouvintes da época.
Esses estudos, que aproximam o
Jesus histórico do contexto sociocultural em que viveu, contribuem
significativamente para torná-lo mais humano e acessível, dialogando assim com
a proposta espírita de um Cristo próximo, racional e profundamente ético.
Ao trazer tais discussões para a
esfera pública espírita, Boberg presta um serviço inestimável à maturidade
intelectual e espiritual do movimento, rompendo com o silêncio e incentivando
uma reflexão crítica necessária e urgente.
[1] https://expedienteonline.com.br/o-voo-da-liberdade-e-as-tensoes-na-gaveta-do-silencio/?fbclid=IwY2xjawJJ-VJleHRuA2FlbQIxMAABHYD0T2_54vi01_WDjeJ5RGEQ5Yl8U1-0Zrn6jbLVMT9G7AwNRHor7_Ubew_aem_aRzuGsRF7Kg4UvGZ20E4Dw
[2] Resenha do Livro: “O voo da liberdade: brilhe a
vossa luz!” - Ethus Editora, Divinópolis–MG
[3] 17 de março de 2025
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