Ricardo Sasaki[2]
O valor da
introspecção
Nossa cultura, de um modo geral,
é muito pouco introspectiva. Desde crianças somos educados com a ideia de que
todo o nosso sentido de identidade e de valor depende de nossa realização
exterior. Isso torna nossa sociedade dirigida à ação, à atividade, à realização
externa. As pessoas se acostumam a pensar que são tais realizações externas que
dão a medida do seu valor, contribuindo para que mais e mais se movam na
superfície da vida lá fora. Um dos efeitos curiosos dessa perspectiva é que até
mesmo atividades que normalmente seriam introspectivas acabam por assumir uma
manifestação extrovertida. A introspecção pode ser muito pouco estimulada até
mesmo em centros de meditação, ou ainda em centros buddhistas, os quais passam
a valorizar as roupas, as cores, as construções, os aparatos externos, as
diversões e as realizações mais superficiais. Isso porque quando chegamos a um
centro de prática acabamos naturalmente trazendo toda a nossa própria cultura.
É claro que introversão e
extroversão são também características de personalidade de diferentes pessoas.
Personalidades introvertidas numa sociedade extrovertida e voltada para a ação
acabam sendo tomadas como um pouco estranhas, deprimidas ou isolacionistas. E
aquelas pessoas introvertidas acabam também se sentindo como tendo alguma coisa
errada com elas. “Eu deveria sair mais à noite”, “eu deveria ter mais
ambições”, “eu deveria realizar e produzir mais”, “olha meu currículo como é
pequeno”. Não é só uma questão do que os outros pensam de você, mas também do
que você mesmo pensa de si. Então existe esta dupla inadequação onde você sofre
pressão da crítica externa e também você mesmo acaba assumindo e assimilando
essas noções. Se tais pessoas vivessem numa sociedade introspectiva isso seria
completamente diferente. Por isso é tão interessante passar um tempo fora de
seu país de origem. Não é só a comida e a língua que são diferentes. Com a
mudança de cultura, sua própria autoimagem pode sofrer profundas modificações
baseadas nos novos parâmetros aos quais você se expõe.
Qual a importância da
introspecção? Isso é importante de percebermos, principalmente para nós que
vivemos numa sociedade voltada para fora, voltada para a ação. Qual é a
importância da introspecção, da contemplação, do olhar para dentro? Uma atitude
mais contemplativa em relação à vida nos leva imediatamente para uma
reavaliação de onde e como estamos, nos leva para o presente, para o ponto onde
passado e futuro se tocam. Uma das características imediatas da introspecção é
que só através de uma atitude introspectiva podemos realmente nos conectar com
a verdade. Que verdade? Não aquela verdade absoluta, inatingível, mas,
primeiramente, a verdade de nós mesmos. A menos que sejamos capazes de olhar
para nós mesmos, olhar para este corpo, olhar para esta mente, olhar para
sentimentos e sensações, realmente não conheceremos nada de nós mesmos.
Assim, o primeiro valor da
introspecção é o de estarmos atentos. Criamos espaços e oportunidades para
olhar para nós mesmos. Olhar para dentro significa também olhar para nossas
motivações. Aquilo que faz com que iniciemos uma ação. Quais são as motivações
por trás dos nossos pensamentos, das nossas palavras, das nossas ações?
Uma segunda importância da
introspecção é dela nos levar para uma atenção à verdade das coisas. Por coisas
se quer dizer aqui as situações, os objetos, as circunstâncias, o espaço ao
redor. Como nos localizamos, com nos colocamos nos diferentes espaços? Como nos
apresentamos ou nos introduzimos neles? O modo como chegamos nos espaços novos
e antigos revela muito do que achamos que somos, do que achamos que é a nossa
vida. Revela muito o quão conectados estamos com a vida ou o quão desconectados
com a vida como um todo. Essa consciência de nossa presença física, consciência
do nosso papel nessa rede espacial é importante. É uma questão de localização
do corpo, uma questão de localização espacial. Isso também é algo raramente
falado em nossa cultura. Qual é o nosso posicionamento? Como posicionamos as
várias partes de nosso corpo? Como andamos, como nos sentamos, qual é a atitude
dentro dos espaços que entramos?
Um terceiro ponto é que a
introspecção leva a uma atenção à verdade de outras vidas. Nós não vivemos
sozinhos, apesar de muitas pessoas acharem que vivem. E quando as pessoas
começam a achar que elas vivem sozinhas, então todas as suas ações, todas as suas
decisões, passam a ser baseadas no que elas sentem, no que elas querem sentir
para elas mesmas. A vida passa a ser levada pelos sabores passageiros dos
sentimentos pessoais.
Um mestre tailandês tem uma
frase bastante interessante. Ele diz que o pensamento livre e correto é focado
na felicidade do todo ou na felicidade de todos, e não na felicidade somente de
mim. Podemos ter estas duas atitudes. Podemos agir no mundo com o pensamento
“do que me faz feliz”, “o que eu quero para mim”, ou podemos ter uma ação no
mundo e um posicionamento no mundo baseado no que é o melhor para todos,
incluindo eu mesmo. Isso causa uma mudança profunda de perspectiva porque você
começa a prestar mais atenção nos vários elos de sua rede social da qual você é
um dos elos. Você não é um elemento isolado, mas você passa a integrar, ou se
conscientizar, de que pertence a uma rede de muitos contatos, animados e
inanimados que em sua contínua interação dão forma à sua existência.
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